No Rio desde o início da semana, o cineasta e roteirista Paul Schrader publicou no seu Facebook comentários sobre o prêmio recebido no Festival do Rio e, também, sobre a transferência da première de seu último trabalho, The Canyons, que seria exibida na noite de terça-feira no Cinema Odeon, mas que, por causa dos protestos políticos bem ali do lado, defronte à Câmara dos Vereadores, foi transferida para uma tardia sessão de meia-noite em outro cinema, em Botafogo. Schrader mencionou em sua página na mídia social que os manifestantes tomaram de assalto o principal cinema da cidade, “tornando impossível a exibição de filmes por lá.” Além disso, ele também comentou que o drama parece seguir seu novo filme por onde ele passa e reiterou que os protestos nada têm a ver com o festival em si, mas que pretendem pegar carona na visibilidade internacional do evento.
Com certo cansaço, Schrader, de 67 anos, compareceu à sessão de estreia remarcada de The Canyons – lotada, apesar de tudo – e também recebeu o Redentor Life Achievement Award dos organizadores do festival pelo conjunto da obra, que inclui os roteiros dos festejados O Touro Indomável (1980) e Taxi Driver (1976), ambos de Martin Scorsese. Este último consolidou a carreira de Robert de Niro e revelou ao público uma Jodie Foster ainda ninfeta.
O diretor, ex-dependente químico que freqüentava o basfond nova-iorquino, soube usar sua sólida visão de mundo em sua obra e é até hoje conhecido como um profissional que, apesar de conviver com a máquina hollywoodiana, é capaz de brindar o público com pérolas autorais como Gigolô Americano (American Gigolo, 1980, com o galã Richard Gere e a modelo Lauren Hutton, queridinha de Ralph Lauren na época) e A Marca da Pantera (Cat People, 1982, com uma Nastassja Kinsky no auge da forma e o eterno vilão Malcolm McDowell), refilmagem do clássico francês que Jacques Tourneur comandou nos anos 1940. Em todo a obra de Schrader, os personagens vivem situações limítrofes, praticamente uma marca na obra do realizador. Em Gigolô Americano, Gere interpreta um michê que, por sua posição delicada, se torna o principal suspeito de um assassinato que não cometeu, e, em A Marca da Pantera, a protagonista faz parte de uma linhagem de humanos que, ao se tornarem adultos, transformam-se em panteras negras, naturalmente uma metáfora para o animal selvagem que vive dentro de nós.
Apesar do estresse, motivo pelo qual o diretor ficou pouco no evento, foi possível fazer um rápido pingue-pongue com ele. Afirmou que espera que o público possa aproveitar o suspense do filme de forma pessoal, pois arriscou “bastante para tornar este thriller de forte pegada sexual uma trama realista e tocante”. Vejamos o rápido bate-papo:
HT – Em relação à questão do instinto selvagem que existe dentro de todos nós, assunto abordado em A Marca da Pantera, como o senhor crê que devemos lidar com este lado selvagem interior no cenário sócio-político contemporâneo?
PS – Sempre é preciso saber conviver em sociedade e, em um processo coletivo, todos podem muito mais. Por exemplo, esta produção é o resultado de um enorme esforço conjunto para concretizar um ideal contaminado pela paixão em fazer cinema.
HT – Todos os seus filmes têm um lado muito visceral do ponto de vista da sexualidade. O senhor veria a mulher brasileira como uma espécie de pantera negra, como na metáfora abordada em A Marca da Pantera e na forma como o seu protagonista masculino também vê o personagem de Lindsay Lohan em The Canyons?
PS – Todos nós temos personalidades animalescas. A brasileira possui uma sensualidade peculiar onde ela pode ter quem quiser se souber jogar as cartas certas. Esse é o jogo da vida e só depende de até onde ela pretende ir para conseguir o que quer.
HT – Em Taxi Driver, o motorista interpretado por Robert De Niro sucumbe às fortes pressões do dia a dia. Aqui no Rio, os taxistas costumam ser muito estressados, parecendo viver em um mundo à parte da sociedade. Que conselho o senhor daria para eles?
PS – Em uma cidade como o Rio, é inaceitável não tirar proveito da beleza urbana e da diversidade da população. Acho que eles deveriam ir mais à praia para admirar as ondas, as curvas, as mulheres. Quem sabe até beber uma caipirinha para relaxar? (risos) Poucos lugares do mundo permitem isso em um denso cenário urbano.
HT – Quem respondeu melhor à sua direção em Canyons? Deen com seu passado de ator pornô ou a incontrolável Lindsay?
PS – Impossível citar nomes. Todos se empenharam demais e estou muito satisfeito com o resultado final.
Fotos: Vinícius Pereira
Assim que chegou ao Rio, Paul Schrader deu coletiva na qual afirmou que também viveu recentemente um contexto perigoso durante a produção de The Canyons, assim como a personagem de Lindsay Lohan, a mocinha do filme. Ele precisou se virar para captar recursos para a produção e até pôs dinheiro do seu próprio bolso, junto com o escritor do livro que inspirou a obra (e roteirista do trabalho), Brett Easton Ellis, um dos autores mais representativos da Geração X. Pelo comportamento instável da atriz, constantemente em processos de rehab, “as seguradoras se recusam a pagar por ela. Mas a gente não tinha seguro. Era nosso dinheiro!”, afirmou. O resultado parece ter valido o esforço, pois a crítica internacional tem celebrado a obra como um divisor de águas na carreira da ruiva.
Lindsay, como todos sabem, surgiu na indústria ainda criança como estrela da fábrica Disney de astros-mirins. Como vários deles – Britney Spears e, agora, Zac Efron, que acaba de fazer revelações bombásticas sobre dependência química e sua sexualidade – a atriz também passou por clínicas de recuperação e escândalos na mídia, tendo sido o alvo, nos últimos tempos, dos mesmos tablóides sensacionalistas que já se fartaram das peripécias de Robert Downey Jr nos anos 1990 ou de Charlie Sheen recentemente. Mas, pelo andar da carruagem, Lindsay tem toda a chance de se projetar positivamente com o filme. Com interpretação contundente em The Canyons, ela interpreta uma modelo que se envolve com um poderoso e possessivo personagem, papel que Schrader destinou ao ex-ator pornô James Deen. James também funciona na obra, talvez fruto do bom trabalho da direção de atores. Nada mau para quem, até algum tempo atrás, era rostinho conhecido de produções ex-rated. Bom, depois que o ex porno-star Harry Louis abandonou o mercado de filmes adultos para se tornar o senhor Marc Jacobs e fabricar apetitosos bombons que agradam até ao renomado editor da Vogue André Leon Talley, parece bem provável que outras surpresinhas originárias das produções eróticas venham a dar as caras no cinema mainstream.
* Por Alexandre Schnabl
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