Padre Reginaldo Manzotti fala sobre o poder da fé e os desafios hoje, e reflete sobre exposição e vaidade


Fenômeno de público, fonográfico e editorial, Padre Manzotti deixa mensagens de esperança e, ao analisar sua missão como sacerdote que ganhou visibilidade, analisa: “A responsabilidade de ser uma figura pública que tem a atenção de tantas pessoas é desafiador. Quando se é visto como uma referência espiritual para tantos, há uma expectativa constante de estar à altura dessa imagem. No entanto, vejo que a missão de evangelizar maior do que qualquer dificuldade pessoal. A exposição também pode comprometer a privacidade, gerar mal-entendidos e críticas. Saber lidar com críticas construtivas e destrutivas e manter-se firme na missão é fundamental. O desafio é ouvir as críticas e aprender com elas, sem perder o foco ou desanimar. Quanto à vaidade, a exposição é algo que requer muito cuidado e discernimento. Exige que eu me mantenha humilde e focado na missão, sem deixar que o sucesso se transforme em uma armadilha. A vaidade pode ser uma tentação, sim”

*Por Brunna Condini

O espírito natalino que acreditamos é aquele que contribui para uma época de reflexão, amor, união e renovação de esperanças. O período pode ser de alegrias para muitos, mas também traz a expectativa pelo novo ciclo, com pressões que podem gerar estresse, ansiedade e melancolia. É preciso fé. Em si, na vida, em uma força maior…Fé: aquela confiança que nos deixa mais potentes e corajosos para o que vier. Pensando no tema, nós que respeitamos a diversidade de dogmas e credos que habitam esse Brasil, conversamos com o Padre Reginaldo Manzotti, que celebra 30 anos de sacerdócio em 2025, e é também escritor, músico, cantor e apresentador de rádio e TV, e em 2024 lançou ‘Alma ferida, alma curada’; e ‘Uma oração por dia’, ambos da Editora Petra, este último para o público infantil, seu 28º livro. Suas obras são voltadas para meditação, reflexão e oração, hábitos que podem nos fortalecer diante do mundo hoje.”Diariamente somos bombardeados por notícias que nos causam desânimo, preocupação, desesperança e até um sentimento de impotência. No entanto, a fé é justamente a nossa resposta diante de tudo isso, não podemos nos render ao desânimo. Ao contrário, somos chamados a manter viva a chama da fé, mesmo diante dos desafios”, frisa.

Nesta entrevista, o padre que é considerado um fenômeno editorial, com quatro prêmios PublishNews e mais de 6,8 milhões de exemplares vendidos, além de se destacar na internet, tendo 6 milhões de seguidores no Instagram, quase 5 milhões de inscritos em seu canal no Youtube; com 15 CD´s e 5 DVD´s lançados e mais de 1 milhão e meio de cópias vendidas; fala sobre o desafio de manter a fé atualmente, e como o exercício dela pode auxiliar na superação de quadros de ansiedade e depressão. E ao refletir sobre sua missão como sacerdote que ganhou visibilidade, abre o coração a respeito de crises de fé, exposição e vaidade. Ele também fala sobre pessoas públicas que têm receio de expor a própria fé; comentando o exemplo da cantora Luiza Possi, que chegou a ser criticada por sua mudança de postura nas redes, onde tem falado, entre outros temas, em Deus e nas suas crenças. O padre também aproveita para deixar a sua mensagem aos leitores.

Padre Manzotti fala sobre o desafio de manter a fé hoje, e ao refletir sobre sua missão como sacerdote que ganhou visibilidade, abre o coração a respeito de crises de fé, exposição e vaidade (Foto: Possato)

Padre Manzotti fala sobre o desafio de manter a fé hoje, e ao refletir sobre sua missão como sacerdote que ganhou visibilidade, abre o coração a respeito de crises de fé, exposição e vaidade (Foto: Possato)

Conhecido como “o padre que arrasta multidões”, por já ter conseguido reunir quase dois milhões de pessoas em suas missas seguidas de shows, poderíamos mesmo dizer que Manzotti é um sucesso no que se propõe. Sendo um padre pop, ele alcança muita gente levando a mensagem que acredita, o lado bom de tudo isso; mas também quisemos saber sobre o outro lado. Aquele da exposição e de ter que lidar com a vaidade inerente ao ser humano. “Antes de tudo, é importante deixar claro que o meu objetivo nunca foi buscar o sucesso, mas sim levar a Boa Nova, por todos os meios disponíveis, para o maior número possível de pessoas. Fico feliz por ser um instrumento nas mãos de Deus e por poder alcançar tantas vidas, seja por meio das missas, dos shows ou das redes sociais. O mais importante é que, em cada momento, fiel à Igreja Católica, busco sempre estar em sintonia com a missão que Ele me confiou: anunciar o Evangelho de forma acessível, com alegria e dedicação”.

E continua: “A responsabilidade de ser uma figura pública que tem a atenção de tantas pessoas é desafiador. Quando se é visto como uma referência espiritual para tantos, há uma expectativa constante de estar à altura dessa imagem. Isso pode gerar uma tensão entre o ser humano e a figura idealizada que o público espera ver. Outros desafios são o cansaço físico e emocional, estar em contato com o sofrimento das pessoas, ouvir tantas histórias de dor e de luta pode ser exigente. No entanto, isso é algo que me fortalece, pois vejo que a missão de evangelizar é maior do que qualquer dificuldade pessoal”.

A exposição também pode comprometer a privacidade, gerar mal-entendidos e críticas. Saber lidar com críticas construtivas e destrutivas e manter-se firme na missão é fundamental. O desafio é ouvir as críticas e aprender com elas, sem perder o foco ou desanimar. Quanto à vaidade, a exposição é algo que requer muito cuidado e discernimento. Exige que eu me mantenha humilde e focado na missão, sem deixar que o sucesso se transforme em uma armadilha. A vaidade pode ser uma tentação, sim – Padre Reginaldo Manzotti

"A responsabilidade de ser uma figura pública que tem a atenção de tantas pessoas é desafiador. Quando se é visto como uma referência espiritual para tantos, há uma expectativa constante de estar à altura" (Divulgação)

“A responsabilidade de ser uma figura pública que tem a atenção de tantas pessoas é desafiador. Quando se é visto como uma referência espiritual para tantos, há uma expectativa constante de estar à altura” (Divulgação)

Padre Manzotti acrescenta ainda que dizem “que a vaidade é o pecado preferido do diabo. Acredito que qualquer pessoa que se exponha tanto esteja suscetível a ela. Por isso, procuro manter meus pés no chão, lembrando-me sempre de que tudo o que tenho e sou é um dom de Deus. Tenho muito presente em mim que o sucesso não é mérito meu, mas uma graça que Ele me concedeu para que eu possa servir melhor ao seu povo. Por isso, faço constantemente um exercício de humildade, para me lembrar de que tudo não é sobre mim, mas sobre Cristo e Sua missão. E essa é a minha constante oração: que eu desapareça para que Cristo cresça. Que eu nunca me esqueça da minha verdadeira identidade, a de um humilde servo do Senhor”.

Liberdade para a fé pública

Muitos artistas e personalidades evitam expor a própria fé publicamente. Será por medo do preconceito religioso? No entanto, sem temer críticas, Luiza Possi é um exemplo de artista que vem compartilhando sua fé e mudança de hábitos com os seguidores nas redes sociais. Sobre a resistência que muitas pessoas com visibilidade têm em expor sua fé, o religioso observa. “Acho que está relacionada, em grande parte, ao receio de julgamentos e à pressão que o mundo moderno coloca sobre as figuras públicas. Vivemos em uma sociedade cada vez mais secularizada e polarizada, onde a fé e a espiritualidade são, muitas vezes, vistas como algo privado, algo que não deve ser compartilhado publicamente, ou mesmo como algo ‘fora de moda’. Muitas vezes, se separa a fé e a espiritualidade de outros aspectos da vida, como a carreira ou a imagem pública”.

"Vivemos em uma sociedade cada vez mais secularizada e polarizada, onde a fé e a espiritualidade são, muitas vezes, vistas como algo que não deve ser compartilhado publicamente, ou mesmo como algo ‘fora de moda"

“Vivemos em uma sociedade cada vez mais secularizada e polarizada, onde a fé e a espiritualidade são, muitas vezes, vistas como algo que não deve ser compartilhado publicamente, ou mesmo como algo ‘fora de moda”

Segundo ele, “para artistas e personalidades, há também o temor de que isso possa alienar parte de seu público, que pode ter crenças diferentes, ou que, de alguma forma, essa manifestação de fé seja mal interpretada. No caso específico de Luiza Possi, por exemplo, sua mudança de postura nas redes sociais reflete uma tendência crescente de pessoas que, após passarem por experiências de vida significativas, decidem expressar sua fé de maneira mais aberta. Isso pode ser desafiador, pois as redes sociais, ao mesmo tempo em que são espaços de conexão, também expõem as pessoas a ‘cancelamentos’, a críticas muitas vezes impiedosas”.

No entanto, acredito que a mudança de posicionamento de Luiza Possi é, na verdade, um sinal de autenticidade. Quando alguém como ela decide falar abertamente sobre sua fé, está sendo fiel a si mesma, e é isso o que realmente importa. Pessoas com essa coragem, ao invés de serem julgadas e criticadas, deveriam receber apoio por não esconder aquilo que as fortalece espiritualmente – Padre Reginaldo Manzotti

"Amo ser padre e, se nascesse de novo, padre eu seria. Mas, sim, como qualquer ser humano, já passei por momentos de crise de fé" (Divulgação)

“Amo ser padre e, se nascesse de novo, padre eu seria. Mas, sim, como qualquer ser humano, já passei por momentos de crise de fé” (Divulgação)

Crise de fé

O senhor já teve crises de fé? “Em primeiro lugar, quero deixar claro que crise de fé não tem nada a ver com crise na vocação. Amo ser padre e, se nascesse de novo, padre eu seria. Mas, sim, como qualquer ser humano, já passei por momentos de crise de fé. Crises de fé são, muitas vezes, momentos de provação, em que nos sentimos distantes de Deus, questionamos Suas ações ou até nos sentimos inseguros em relação à nossa própria crença. Grandes santos e místicos da Igreja tiveram crises de fé, que podemos chamar de aridez espiritual, como Santa Teresa de Calcutá, ou como chamou São João da Cruz: a noite escura da fé. E posso garantir que esses momentos nos impulsionam a buscar, mesmo sem sentir, a perseverar e nos levam a crescer espiritualmente. Posso dizer que essas experiências me tornaram um sacerdote mais compassivo, mais humilde e mais dependente da graça de Deus”.

O que me ajudou a superar as crises de fé foi, em primeiro lugar, a oração constante, a meditação da Palavra de Deus, a Santa Missa, a Comunhão Eucarística diária e Nossa Senhora com seu amor maternal. Também conhecer a vida dos santos que passaram pelo mesmo. Isso me confortou, pois percebi que a fé verdadeira não é aquela que nunca tem crises, mas a que persiste mesmo diante delas – Padre Reginaldo Manzotti

"A fé é um processo dinâmico e pessoal, e é natural que em algum momento surjam dúvidas, questionamentos e até inseguranças" (Divulgação)

“A fé é um processo dinâmico e pessoal, e é natural que em algum momento surjam dúvidas, questionamentos e até inseguranças” (Divulgação)

Fé X Dúvida

Algumas pessoas acham difícil exercitar sua espiritualidade ou estar em uma religião, porque geralmente isso envolve acreditar cegamente em dogmas e na existência do que não é palpável… é possível ter fé e se questionar? “Sim, é absolutamente possível ter fé e ao mesmo tempo duvidar ou se questionar. A fé cristã não exige que aceitemos tudo de maneira cega ou sem questionamento. Pelo contrário, a fé é um processo dinâmico e pessoal, e é natural que em algum momento surjam dúvidas, questionamentos e até inseguranças. O próprio Evangelho nos mostra  exemplos de pessoas que, embora tivessem fé, se questionaram em momentos de sofrimento e dificuldades. Um dos exemplos é o de Tomé, ele tinha fé em Jesus, mas duvidou da ressurreição. Jesus não o condenou, ao contrário, o incentivou a tocar Suas Chagas para que cresse (Jo 20, 29). O segredo está no  entendimento de que a fé não é sobre saber tudo, mas sobre confiar. Duvidar, questionar faz parte do processo de crescimento espiritual. O importante é não se deixar paralisar pela dúvida, mas usá-la como um impulso para uma fé mais forte e mais autêntica, que se constrói na relação contínua com Deus”.

A saúde mental e a fé

De acordo com o último grande mapeamento global de transtornos mentais, realizado pela OMS, o Brasil possui a população com a maior prevalência de transtornos de ansiedade do mundo. Reginaldo Manzotti observa como a fé pode auxiliar em quadros de ansiedade e depressão, por exemplo. “Vivemos em um mundo cada vez mais acelerado, com demandas incessantes, cobranças sociais e uma grande pressão por resultados. Isso, muitas vezes, afeta profundamente o equilíbrio emocional das pessoas, gerando uma sensação de impotência, medo e solidão. Como sacerdote, eu tenho visto de perto o sofrimento causado por condições como a ansiedade e a depressão. E posso dizer-lhes que a fé pode ser uma ferramenta poderosa para auxiliar as pessoas a enfrentar esses desafios. É importante entender que a fé não é uma solução mágica para todos os problemas. Como já disse, o tratamento médico e psicológico adequado, que são essenciais para o cuidado integral da saúde mental. Mas a fé pode ser um complemento valioso nesse processo. Ela nos lembra de que não estamos sozinhos, de que há um Deus amoroso que nos sustenta e nos fortalece, mesmo nos momentos mais difíceis. A oração, a meditação na Palavra de Deus, a vivencia da espiritualidade,  traz uma profunda sensação de paz, de conforto e de esperança. Quando nos conectamos com o sagrado, quando nos entregamos confiantes nas mãos de Deus, encontramos a força e a coragem necessárias para enfrentar os desafios da vida”.

Além disso, a fé nos leva a desenvolver as virtudes como a paciência, a perseverança e a gratidão. Ela nos ajuda a relativizar nossos problemas, a não nos deixar dominar pelo medo e pela ansiedade. E, quando nos voltamos para o próximo, para o serviço aos outros, descobrimos que isso também pode ser um antídoto poderoso contra a depressão e a solidão – Padre Reginaldo Manzotti

"Que possamos encontrar a força e resistência para superar as adversidades e construir um mundo mais justo, fraterno e compassivo" (Foto: Possato)

“Que possamos encontrar a força e resistência para superar as adversidades e construir um mundo mais justo, fraterno e compassivo” (Foto: Possato)

Mensagem

O sacerdote deixa aqui algumas palavras para os leitores pensando em 2025 que se aproxima: “Que possamos olhar para o novo ano com renovado ânimo, dispostos a enfrentar os obstáculos com coragem e determinação. Que possamos encontrar a força e resistência para superar as adversidades e construir um mundo mais justo, fraterno e compassivo. Minha mensagem é de fé, de esperança e de confiança no potencial transformador do amor de Deus. Que o novo ano nos traga a oportunidade de sermos melhores, de crescermos espiritualmente e de contribuirmos para a construção de uma sociedade mais harmoniosa. Que Deus os abençoe e os guie nesta caminhada. Que a luz do Menino Deus os ilumine os inspire a serem agentes de mudança positiva. Desejo a todos um Ano Novo abençoado, repleto de graça e paz”.