Padre Marcelo Rossi: “Em um mundo polarizado, palavras são muitas vezes mal utilizadas. Falar menos é sabedoria”

*Por Brunna Condini

Fato que se você chegou bem e com saúde ao final deste ano já tem muito o que comemorar. Em quase dois anos de pandemia muitas perdas foram contabilizadas e manter a saúde emocional também se tornou prioridade. Queremos tempos melhores, queremos menos sofrimento coletivo. E a proximidade das festas de fim de ano nos lembra que um novo ano está a caminho e com isso nos abastecemos de esperança e fé. Seja ela qual for. Fé no que nos faz bem, confiar é preciso. Nunca foi tão necessário nos alimentarmos de boas palavras e sentimentos. Pensando nisso, Padre Marcelo Rossi reuniu reflexões sobre questões como fé, gratidão e perdão em seu novo livro, ‘Menos é mais‘.

Em entrevista exclusiva, ele fala sobre como ter fé em momentos de crise como o que vivemos, da valorização do que é essencial, e sobre o enfrentamento das perdas, da ansiedade e da depressão. E também das alegrias dos  27 anos de sacerdócio. Alguma vez perdeu ou colocou sua fé à prova? “A fé nunca perdi, apenas me afastei na época que fazia academia. Queria viver a minha vida. Neste momento não queria viver a vontade de Deus. Mas, para quem já experimentou a vida com Deus, uma vida ao nosso querer é muito vazia. Minha família rezava por mim e, um dia, tive esta voz de Deus falando ao meu coração durante a vitória do Ayrton Senna que levantava as mãos agradecendo a Deus. Naquele momento, vi e senti: ‘Eu quero Deus, quero viver a vontade Dele’. E, graças a Deus, voltei”, recorda.

“Amo ser padre. Eu quero levar as pessoas à intimidade com Deus, quero construir igrejas nos corações delas, isso me traz felicidade. Não acho que tenho arrependimentos como sacerdote. É lógico que pode ser que em algumas situações agiria diferente para ter mais paz, mas isso é aprendizado. Vamos aprendendo vivendo”.

Padre Marcelo Rossi reuniu reflexões sobre questões como fé, gratidão e perdão em seu novo livro, ‘Menos é mais’, lançado pela editora Planeta (Divulgação)

O título da obra deseja evidenciar que o divino habita na simplicidade. “Menos é mais, quando não preciso falar muito, minha presença fala. Lembro de uma história de São Francisco. Ele era um homem de oração e, depois de rezar, convidou um outro irmão frade para evangelizar. Os dois saíram pelos arredores da cidade. Andaram por vários locais e voltaram para o convento. E e o irmão disse: ‘Irmão Francisco, como evangelizamos hoje se não pregamos?’. São Francisco respondeu: “Não pregamos com palavras, mas com a nossa vida’. Hoje, em um mundo polarizado, as palavras são muitas vezes mal utilizadas, quando entendemos que falar menos é sabedoria, a nossa vida se torna mais fecunda. Quando falo, falo o que edifica, não são palavras vazias”.

E acrescenta: “Quando estamos sofrendo, olhamos para os lados para ver se alguém está por ali, mas Deus não somente fica conosco, como nos carrega no colo. O sofrimento que alguém possa estar passando não se compara ao que Jesus passou. E ele passou por minha causa, por tua causa. Ele carregou sobre si as nossas enfermidades e sofrimentos. Quando entendemos que os sofrimentos nos humanizam, retiram o nosso orgulho, a nossa auto suficiência, nós entendemos, nós somos dependentes de Deus, aí sim percebemos que não precisamos de muitas coisas, só Deus basta. Ele é o Deus da simplicidade”.

Em busca da paz 

Aos 54 anos, Padre Marcelo lança ‘Menos é Mais‘, logo após ‘Batismo de Fogo‘, que chegou às livrarias no ano passado, no meio da pandemia, sendo sua primeira obra com tom biográfico. Sobre o atual, ele destaca que pode ser lido a partir de qualquer página, pois em cada uma há um recado para o leitor. “Que estas reflexões lhe tragam as mesmas bênçãos que me trouxeram quando Deus as confiou a mim, e que cheguem como sussurro do Pai ao seu ouvido no momento em que você mais precisar”, resumiu, na introdução.

Diante das crises econômica, política e sanitária que o Brasil enfrenta, com grande parte da população atravessando momentos difíceis, Padre Marcelo Rossi fala sobre a busca da esperança. “Crises, sofrimentos e tempestades fazem parte da vida do ser humano. Isso é necessário para nosso crescimento e o entendimento da nossa pequenez, somos necessitados de Deus. Fé é uma relação de confiança em Deus, assim como quando um pai coloca o filho em uma altura e diz: “Pula! Eu te seguro”. A criança por confiar no pai, pula. Se eu crer em Deus, e mantiver esta relação de intimidade com Jesus, vou ter fé de crer que, mesmo diante destes tempos difíceis, Jesus está no meu barco. É o capitão. Ele está no controle de tudo. Então, eu passo por estes momentos e com Ele venço as dificuldades. Como diz na Bíblia: Tudo posso naquele que me fortalece”.

“Se o que você faz é bem para o outro, te leva à paz, à vida, isso deve ser mantido. Mas, se você percebe que o que você faz e escolhe te leva para a briga, invejas, e coisas que te tiram do bem, do que é de Deus, então você precisa mudar” (Divulgação)

Acredita que a pandemia, mesmo com tantas perdas, pode transformar o modo de existir das pessoas para melhor? “Eu creio, e, na Palavra de Deus, diz que, depois da tempestade, vem a bonança. Também diz que tudo concorre para o bem daqueles que amam a Deus. Neste momento percebemos como somos frágeis, impotentes. Um vírus que não vemos, mas existe, parou o mundo. E, da mesma forma, Deus que não vemos, mas existe, pode transformar tudo e todos para melhor. A chave é a fé’.

Muita gente tem dificuldade de separar o que possui valor do que pode e deve ser afastado na vida, que dicas daria para esta reflexão? “Nas cartas de São Paulo, ele diz que temos que buscar as coisas do alto. Então, se o que você faz te leva à eternidade, faz bem para o outro, leva à paz, à vida, isso deve ser mantido. Mas, se você percebe que o que você faz e escolhe te leva para a briga, invejas, e coisas que te tiram do bem, do que é de Deus, então você precisa mudar. Deus nos amou tanto que nos deixou uma carta de amor, nos deixou a sua palavra. Você quer conhecer o que agrada a Deus e o que não agrada, tire uns 15 minutinhos de seu dia e leia quatro capítulos por dia da sua Bíblia. Em um ano terá terminado ela inteira, e vai entender o que possui realmente valor nesta vida”.

Sobre ansiedade e depressão: “É uma fase, com fé isso vai passar. Não perca a esperança, não se cobre muito, passo a passo, com a oração, sabedoria, quando preciso for, pedir ajuda de um padre ou de um médico” (Divulgação)

Ele, que já falou abertamente sobre o período de depressão que passou há alguns anos, garante que seu “amor por Deus” o salvou e que o sacerdócio é uma missão, mais do que uma simples escolha. Como avalia a experiência com a depressão? “As pessoas pensam: ‘Como alguém como o Padre Marcelo pode ter depressão? Se perguntam se é falta de fé. Pelo contrário, foi a fé que me salvou. É a importância da fé em um momento tão difícil. Venci a depressão pela oração”, desabafa.

E acrescenta: “Posso dizer isso, porque atendi várias pessoas com depressão e achava frescura até passar. Esse é o novo mal do milênio. A Organização Mundial da Saúde está colocando como a doença que está matando gente. Eu passei e posso dizer que não tem classe social, não tem raça e não tem idade. De crianças a idosos. Por diversos motivos. Hoje sei a causa. Nós vivemos em um mundo de ansiedade. Acho que a grande causa são os transtornos de ansiedade que levam à depressão. O que me salvou foi realmente a oração”.

Pesquisas apontam que a pandemia de Covid-19 provocou o aumento global em distúrbios como a depressão e a ansiedade. Partindo da sua própria experiência, o que gostaria de dizer para quem ler essa entrevista e estiver passando por isso? “É uma fase, com fé isso vai passar. Não perca a esperança, não se cobre muito, passo a passo, com a oração, sabedoria, quando preciso for, pedir ajuda de um padre ou de um médico, e crer que nosso Deus cumpre suas promessas. E, se você tem fé, ele te dará forças de sair desta tempestade. E eu rezo por você agora: “Pai, abençoa este meu filho ou esta minha filha que possa estar passando por depressão e ansiedade, batiza esta pessoa com o teu Espírito Santo e dê sabedoria para enfrentar esta fase com esperança. Eu abençoo esta pessoa em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Amém. A alegria do Senhor será a sua força”.