Sabe aquela receita de família cheia de histórias que vai passando de geração em geração? E aquele segredinho na hora de preparar o almoço para garantir o sabor final? Pois bem. Esse é o tema do livro “Comida de Afeto”, das autoras Elza Carneiro e Luciana de Moraes, lançado essa semana no Teatro Rival, no Rio. A obra teve o Hospital Pequeno Príncipe, em Curitiba, como a estação de pesquisas para conhecer mais essa relação das pessoas com os alimentos. A instituição, que atende crianças de todo Brasil em mais de 30 especialidades médicas, tem, por isso, um “caldo de cultura muito grande, com memórias culinárias de diferentes regiões do país”, como nos disse Luciana de Moraes. E, além dos pacientes mirins, a coletânea de histórias ainda traz depoimentos dos chefs Claude Troisgros, Katia Barbosa, Rodrigo Oliveira e Laurent Suaudeau.
Para a autora Elza Carneiro, que é advogada e trabalhava com direito penal antes de se aventurar nas histórias culinárias, a cozinha a é um traço de identidade cultural que permite à pessoa se localizar no tempo e espaço. “A comida conta muito sobre nós, e o contrário também é verdadeiro. Ao saber das receitas da memória de alguém, conseguimos conhecer muito sobre a pessoa, da onde ela veio e quais são suas origens. A gente tem que lembrar que todo cozinheiro assumiu a profissão por algum motivo. E muitas vezes, as razões são as raízes afetivas”, contou. Seguindo o mesmo pensamento, a parceira Luciana de Moraes, que é formada em ciência social, disse ao HT que foi durante a faculdade que percebeu que podia relacionar o curso ao viés da comida. “Existe um teórico e historiador chamado Benedict Anderson que desenvolveu um conceito chamado comunidades imaginadas. Segundo ele, as pessoas se reconhecem como membros de uma nação muito mais por aquilo que elas acreditam compartilhar, do que pelas fronteiras geográficas e políticas. E, quando eu ouvi esse conceito, eu vi o que me fazia sentir mineira. Eu me reconhecia profundamente em cada comida da cultura e, quando estava distante, eu sentia falta e percebia a diferença daquilo que eu comia” explicou Luciana que nasceu em Belo Horizonte.
Em “Comida de Afeto”, o francês com alma de carioca Claude Troisgros conta sobre o nhoque que sua nonna italiana preparava quando era criança. Ele, que também é padrinho do “Copa Gastronômica Gols” do Hospital Pequeno Príncipe e, uma vez por ano realiza um jantar para arrecadar fundos para a instituição, contou ao HT que topou na hora participar do livro. “O afeto na culinária é muito bom. A gente cozinha o tempo todo com lembranças do passado, que podem ser da minha avó e de chefs que eu já trabalhei, por exemplo. É uma profissão que lida o tempo inteiro com lembranças afetivas de pratos que comemos, cheiros que sentimos e momentos que vivemos em uma cozinha. Eu tenho muita afinidade com o projeto Pequeno Príncipe, e o livro foi algo a mais”, contou.
Já a carioquíssima Katia Barbosa, criadora do famoso bolinho de feijoada e do Aconchego Carioca, foi só emoção no documentário exibido no lançamento que contou sobre o processo de pesquisas do livro. No vídeo, ela ensina a receita e dá dicas de sua comida de afeto: a galinhada da avó. Segundo ela, todos nós temos uma memória carinhosa com certos alimentos, porque comer é uma necessidade básica do ser humano. “Eu acho que a comida, de fato, conta a história de um povo, uma família e de si mesmo. Todas as pessoas que eu conheço têm um relato que envolva comida. E o livro vem para somar a isso, porque são histórias que precisam ser contadas. E todo mundo tem uma: dos mais ricos aos mais pobres e em todo lugar do mundo”, afirmou.
Durante os 12 meses de 2015, quando as autoras produziram o livro, elas conheceram diversas histórias no Hospital Pequeno Príncipe. Para Elza, foi justamente esse o maior problema no processo. “O principal desafio foi editar essas histórias no meio de tantas que conhecemos e gostaríamos de contar”, pontuou. Já para a cientista social Luciana de Moraes, uma das dificuldades encontradas foi a insegurança da dupla na hora de traduzir essas histórias. “Ouvir, viver e reconhecer essas memórias para que a gente pudesse contá-las às outras pessoas e fazer com que elas também se reconheçam foi uma questão. Mas, também, um desafio que vale a pena ser ressaltado. Muitas vezes convivemos com crianças que tem restrições alimentares. Então, saber como conversar sobre aquela comida que dá vontade de comer e sobre o afeto que ela remete é uma situação que tivemos que enfrentar”, relembrou.
*Toda a arrecadação obtida com a venda dos livros será doada para o Hospital Pequeno Príncipe. Informações de venda pelo site da instituição.
Artigos relacionados