Olimpíadas de Tóquio fazem história com 163 atletas LGBTQIA+, inclusão e o olhar humanizado


Mostrando que o mundo do esporte tem espaço suficiente para a pluralidade, os Jogos olímpicos de Tóquio vêm ‘dando aula’ de respeito e representatividade, nas competições e nos bastidores. Bruno Chateaubriand, atual Presidente da Federação de Ginástica do Estado do Rio de Janeiro, falou sobre o tema – “Sempre foi um mundo estruturalmente muito machista. A homossexualidade sempre foi um tabu no meio. Até 2016, atletas como Diego Hypólito, por exemplo, já eram assumidos, mas não no esporte, por medo de perder patrocinadores. É fundamental que isso venha evoluindo. É bom ver que o Douglas Souza se tornou um fenômeno, pelo esporte e pela representatividade. Tanto, que em 48 horas ganhou dois milhões de seguidores no Instagram com seus vídeos”. Conversamos ainda com Daniele Hypólito que saiu do Power Couple direto para comentar a ginástica artística, e com o pesquisador e escritor Valmir Moratelli, que analisou o cenário inclusivo: “É importantíssimo neste momento o que acontece para o mundo. Como, por exemplo, a quantidade de atletas LGBTQIA+ assumidamente dentro de suas possibilidades de vida. Isso é fundamental, porque os jogos acontecem em um cenário de certo respeito e harmonia. Então, quando você traz características pessoais para dentro de uma quadra, fica de fora todo um contexto político agressivo, que muitas vezes vemos acontecer de forma latente na fala de alguns países. A questão geopolítica não interfere em uma partida, o que vale ali é o ser humano superando seus desafios, limites e dilemas pessoais”

Olimpíadas de Tóquio fazem história com 163 atletas LGBTQIA+, inclusão e o olhar humanizado

*Por Brunna Condini

O Brasil vai muito bem, obrigado, nas competições que participou até agora nos Jogos Olímpicos de Tóquio. Mas esta Olimpíada vem para nos lembrar que o mundo dos esportes não existe independente das questões e tabus sociais. Está tudo interligado e Tóquio tem se saído ‘campeã’ no que diz respeito ao destaque para a inclusão e diversidade. Segundo o levantamento do site ‘Outsports’, a 32ª edição da Olimpíada tem pelo menos 163 atletas LGBTQIA+, algo inédito na história. “As Olimpíadas acontecem em um período de grande crise no mundo devido à pandemia. Ainda nos perguntamos se deveriam ter sido realizadas ou não quando os números de infecções e mortos em vários países são muito altos. Em contrapartida, é muito importante se situar as Olimpíadas de Tóquio como as Olimpíadas da diversidade”, analisa o pesquisador e escritor Valmir Moratelli.

A abertura dos Jogos Olímpicos de Tóquio: marcada pela mensagem de inclusão e diversidade (Divulgação)

A abertura dos Jogos Olímpicos de Tóquio: marcada pela mensagem de inclusão e diversidade (Divulgação)

Na opinião do pesquisador e escritor Valmir Moratelli, é importantíssimo neste momento o que acontece para o mundo. Como, por exemplo, a quantidade de atletas LGBTQIA+ assumidamente dentro de suas possibilidades de vida. Então, quando você traz características pessoais para dentro de uma quadra, fica de fora todo um contexto político agressivo, que muitas vezes vemos acontecer de forma latente na fala de alguns países. A questão geopolítica não interfere em uma partida, o que vale ali é o ser humano superando seus desafios, limites e dilemas pessoais. Pensando nisso, acho muito importante quando temos um Douglas Souza, por exemplo, que tem feito um sucesso danado nas redes sociais, sendo da seleção brasileira do vôlei masculino. Já tendo se assumido antes, sendo convocado agora, com reais chances de medalhas. Tem sido incrível acompanhar as partidas, vendo a quantidade de pessoas que pedem na internet para que ele entre em quadra. Há uma mobilização para se colocar como protagonismo da cena esportiva atletas que antes não tinham essa visibilidade. O que os Jogos Olímpicos vão proporcionar daqui para frente, é uma maior abertura e diálogo com a diversidade sexual, coisa que em muitos esportes ainda é tida como tabu”.

"Acho muito importante quando temos um Douglas Souza, por exemplo, que tem feito um sucesso danado nas redes sociais, sendo da seleção brasileira do vôlei masculino. Já tendo se assumido antes" (Divulgação)

“Acho muito importante quando temos um Douglas Souza, por exemplo, que tem feito um sucesso danado nas redes sociais, sendo da seleção brasileira do vôlei masculino. Já tendo se assumido antes” (Divulgação)

Presidente da Federação Ginástica do Estado do Rio de Janeiro, Bruno Chateaubriand exalta a necessidade de que o espírito olímpico esteja cada vez mais inserido nos jogos. E para além da representação de valores que desejamos ver no mundo: como a vitória pelo próprio esforço, a ética para atingir objetivos, a aceitação das derrotas e a persistência para seguir em frente com coragem e determinação. “Considero estas as Olimpíadas da inclusão. Para um todo realmente e não só para um setor da sociedade. Os Jogos Olímpicos têm essa finalidade de gerar inteiração entre os povos, unir, inspirar respeito por cada um”, observa Bruno.

“É muito interessante, porque vimos um avanço nos últimos quatro anos no olimpismo. Sempre foi um mundo estruturalmente muito machista. A homossexualidade sempre foi um tabu no meio. Até 2016, atletas como Diego Hypólito, por exemplo, já eram assumidos, mas não no esporte, por medo de perder patrocinadores. É fundamental que isso venha evoluindo. É bom ver que o Douglas Souza se tornou um fenômeno, pelo esporte e pela representatividade. Tanto, que em 48 horas ganhou dois milhões de seguidores no Instagram com seus vídeos. Digo que ele ajudou a acender a pira olímpica: explodiu no momento em que foram anunciados os jogos. As pessoas estão sendo consideradas hoje pessoas, entende? A orientação sexual não é o relevante. O relevante é a prática esportiva, o desempenho, mas com respeito por cada um, exatamente como é”.

"Temos que observar como o fator externo é um elemento nos Jogos Olímpicos que pode provocar um colapso. Os atletas estão se desafiando, mas até que ponto isso deve ir?" (Divulgação)

“Temos que observar como o fator externo é um elemento nos Jogos Olímpicos que pode provocar um colapso. Os atletas estão se desafiando, mas até que ponto isso deve ir?” (Divulgação)

Chateaubriand chama a atenção ainda, para a importância de olharmos para os atletas como indivíduos que podem expor suas vulnerabilidades, posicionamentos e personalidades. “Acredito que a palavra que defina melhor esse movimento atual é inclusão mesmo. O skate trouxe um refresh e é prazeroso assistir meninas com a Rayssa Leal. Ela mostra que ama o que faz, se diverte. Porque não podemos esquecer que os atletas atuam sob muita pressão e isso tem que ser falado também. O movimento dela e de outros atletas nesta edição tem sido contrário ao que muitas vezes é considerado insalubre, com essa cobrança de mostrar para os outros que é capaz, incrível ao máximo”, salienta.

“Veja a Simone Biles, considerada a maior ginasta americana da história do esporte, que hoje ‘colapsou’ – Biles foi retirada do time dos Estados Unidos nesta terça-feira, 27, durante a final por equipes de ginástica olímpica em Tóquio por ‘razões médicas’, segundo comunicado da federação. Os atletas estão isolados na Vila Olímpica, indo só fazer teste de Covid e competir, sem contato com as pessoas. Simone hoje representa a condição humana do limite. Foi acima do suportável para ela, que provavelmente não atuará mais nesta Olimpíada. Temos que observar como o fator externo é um elemento nos Jogos que pode provocar um colapso. Os atletas estão se desafiando, mas até que ponto isso deve ir? Estamos falando também de bem- estar, saúde, um lugar positivo dessas práticas todas”.

Simone Biles, considerada a maior ginasta americana da história do esporte, foi retirada do time nesta terça-feira, 27, durante a final por equipes de ginástica olímpica em Tóquio por 'razões médicas', segundo comunicado da federação (Divulgação)

Simone Biles, considerada a maior ginasta americana da história do esporte, foi retirada do time nesta terça-feira, 27, durante a final por equipes de ginástica olímpica em Tóquio por ‘razões médicas’, segundo comunicado da federação (Divulgação)

E completa: “Hoje entendemos mais as dores do outro, as limitações e os atletas também têm seus veículos de comunicação própria. É uma revolução. Temos visto a quebra dessas barreiras. A orientação sexual não é mais um tabu sob o ponto de vista olímpico. Podemos dizer, inclusive , que atletas que são aceitos, felizes consigo, viram referências neste universo esportivo. A Rayssa no skate com sua ‘dancinha’, encantou o mundo. Estava sendo genuína, espontânea. Isso atrai mais movimentos do tipo. O mundo muda e continuará mudando. Graças a Deus é um caminho sem volta. E é muito bem visto hoje no universo olímpico. O esporte vem para incluir e não segregar, como ponte de transformação”.

Por respeito e renovação

Daniele Hypólito apareceu na noite do último sábado (25) comentando a ginástica artística na Globo. Surpresa para muitos, já que até a véspera Daniele estava no elenco do reality Power Couple Brasil, do qual foi eliminada ao lado do namorado Fabio Castro. “A experiência que estou tendo como comentarista está sendo incrível, porque conseguimos ter uma visão de integração, de falar com sentimentos, de se imaginar ali na competição para passar aquilo com emoção. É ótimo ter a experiência dos dois lados, comentar aquilo que conheço e amo. É ir da paixão que você tive em representar o meu país, para narrar tentando transmitir tudo que acontece ali para o espectador. Ainda mais nesta edição dos jogos, que tem prezado se colocar no lugar do outro, incluir mesmo, ver o outro lado”, diz Daniele, que também voltou a treinar. “Na verdade eu não me aposentei. Mas hoje só vou competir pelo Clube de Regatas do Flamengo. Nunca parei. Continuo na ativa”, avisa.

Ela mostra que o discurso atento também é uma tendência e preocupação nos bastidores da competição. Tanto que nas provas olímpicas de skate no último domingo, Karen Jonz, quatro vezes campeã mundial de skate vertical, também atuando como comentarista agora, usou pronomes pouco usados com o grande público durante na transmissão da mesma emissora. A narradora alertou o público ao vivo que ela e os companheiros de transmissão estavam pesquisando sobre o uso adequado de pronomes, já que Alana Smith, skatista que recentemente se revelou não-binário, competiria na bateria seguinte. “Achei super interessante que eles se esforçaram para falar a respeito da Alana sem a utilização de pronomes que marquem gênero, tentando buscar um neutro, como o Elu, por exemplo. Por mais que seja difícil em português, porque não temos um pronome oficialmente neutro, como tem em alemão. Os narradores colocaram isso como forma de respeito por como o/a atleta se coloca no mundo’. As vezes os apresentadores também se enrolam porque não sabem ainda como se colocar diante de atletas não-binários, mas é tudo uma questão de aprendizado. Talvez seja a primeira vez que estejamos falando abertamente sobre sexualidade, sem precisar ter tantas barreiras a respeito desse assunto. E isso é fundamental”, observa o pesquisador Valmir Moratelli.

“Achei super interessante que eles se esforçaram para falar a respeito da Alana (Smith) sem a utilização de pronomes que marquem gênero, tentando buscar um neutro, como o Elu, por exemplo" (Divulgação)

“Achei super interessante que eles se esforçaram para falar a respeito da Alana (Smith) sem a utilização de pronomes que marquem gênero, tentando buscar um neutro, como o Elu, por exemplo” (Divulgação)

“Esportes como skate, o surf são mais ‘jovens’ neste sentido, os praticantes são mais jovens – inclusive foi por isso que estes dois esportes foram escolhidos para inaugurar a competição em Tóquio – mostram como a própria realização do evento, o COI (Comitê Olímpico internacional), que administra as Olimpíadas, está de olho nesta modernização, na tentativa de rejuvenescimento dos jogos. E para isso acontecer, não é apenas trazer uma modalidade olímpica. É trazer o discurso que hoje está presente também nas redes sociais e na vida das pessoas de uma forma mais latente e menos tabu do que antes, como é o caso da diversidade. Ter em Tóquio a primeira atleta transgênero da história, a  Laurel Hubbard, uma neozelandesa, do levantamento de peso feminino, é importantíssimo. Claro que vai trazer debates. Pelo lado médico há de se questionar ainda, a respeito da possibilidade ou não desta atleta, tendo feito a transição de gênero, ter vantagem sobre outras atletas cisgêneros. Mas só o fato de já ver uma presença ali é importante. O debate é fundamental para se construir uma nova narrativa em relação aos corpos, porque é uma competição de corpos, e isso mostra o quanto Tóquio avança”.