* Por Camila de Paula
O garotão de 80 anos João Donato é desses que faz logo um mês de festa para celebrar sua agradável aparição na terra. Afinal, difícil mesmo é ser ter essa idade e ainda manter o espírito luminoso, coisa que parece ser um privilégio apenas dessa geração dourada da Bossa Nova, que está ficando cada vez mais miúda. Basta conferir que a maioria continua a mil, na ativa. João nasceu dessa muda, contribuiu com os primeiros acordes, porém fez um caminho distinto, autêntico e interessante. Multi-instrumentista, arranjador, cantor e compositor, além de um dos últimos remanescentes dessa “porra-louquice” criativa, sabe fundir, como poucos, jazz e música latina, sem quebrar a novidade com injeção comercial além da conta. Mesmo assim, ele faz tudo como se fosse uma grande brincadeira, cheia de improvisos, uma diversão tanto de palco, quanto de plateia. Talvez por isso se dê tão bem com a juventude, pelo seu espírito autêntico de eterno garotão.
E, como também não é papel da juventude ficar apenas colhendo as uvas das gerações anteriores, João Donato ainda está a todo vapor trocando e dividindo som com os mais novos, e essa mistura tem ficado sempre bem interessante. A síntese do sucesso destas parcerias de fusão de gerações pôde ser vista na última semana, em mais um dia de comemoração no Circo Voador. Com seu piano novo de madeira curupixá original da Amazônia e vestido de túnica de lurex, paetês e todo brilho que a noite merecia, o primeiro convidado a entrar foi seu conterrâneo, o índio acreano yawanawá Shaneihuo, para início de conversa e para que ficasse bem claro que a noite não estava para caretices. Uma surpresa, já que a divulgação do evento tenha sido pautada pelas participações de Caetano Veloso, B Negão e Luís Melodia. E, pasmem, o ápice da noite, a mais aplaudida, foi Leny Andrade chegando com aquele ar de vitrola que faltava e mandando ver com “Lugar Comum”. Coisas que só devem acontecer quando João Donato é o anfitrião.
Outra “fusão” interessante é conferir João interagindo com Donatinho, que ele chama de “mago dos teclados”. Dá quase até para imaginar o filho pedindo ao pai para não repetir mais isso porque o termo lembra banda de tecnobrega. Mas, para Donatão, isso é irrelevante, então porque não seria para Donatinho, que, no microfone, confirma a audácia do pai contada sobre conversa com Cazuza? “Eu estava batendo um papo com ele, já muito doente lá na clínica São Vicente, e disse, poxa, Cazuza, sai dessa!” e Donatinho, confirma por perplexidade, enfatizando a loucura do pai: “Você disse sai dessa?”. Normal para quem, segundo Ruy Castro, dizia para João Gilberto: “Lá vem você com esse “nhém nhém nhém”. Nada que desabone, aliás, quem mistura “Cala boca, menino”, de Dorival Caymmi, com a doçura de Paula Morelenbaum cantando “Flor de Maracujá” no Circo Voador, repleto daquela garotada de vinte e poucos anos e trintões, só para a turma lembrar das canções de infância e poder eternizar essa parceria em silêncio, em meio a tantos eventos e álbuns midiáticos que são lançados por lá.
Donato completou 80 anos neste último dia 17 de agosto e se permite uma maratona de comemorações, para deleite da turma toda. Nesta última quarta (20/8) foi essa explosão no Rio, que levou também Marcos Valle, Wanda Sá, Luíz Melodia, Kassin, Mihay, Luisa Maita e Tarcio, além da banda de feras Robertinho Silva (bateria), Luiz Alves (contrabaixo), Ricardo Pontes (sax e flauta), Arimatéa (trompete), Marlon Sette (trombone) e Sidinho Moreira (percussão). O show também marcou o lançamento do CD duplo (oficial) de celebração dos 80 anos: “Live Jazz In Rio”, apelidados de “O Couro Tá Comendo!” e “O Bicho Tá Pegando!”. Já na sexta (22/8) foi a vez de Valinhos, no interior paulista, dentro do Festival Etapa de Música e Arte. E,, nesta semana que começa, já são três shows no Sesc Vila Mariana, com jovens convidados, além de uma edição do “Sarau” da Globo News.
O aniversário do músico vem sendo comemorado mundo afora e já passou pela Finlândia, França, Rússia e Portugal. A agenda ainda inclui uma homenagem no Festival de Montreux, na Suíça, além de shows em BH e SP. Para o ano, estão previstos ainda o documentário inédito para o Canal Brasil produzido pela cineasta Tetê Morais, um DVD com a “suite sinfônica popular”, composta por ele sob inspiração de Debussy, Ravel e temas brasileiros, uma biografia autorizada escrita pelo jornalista Antônio Carlos Miguel, além de exposição e outros shows no Brasil e no exterior. Oitenta anos de uma grande lição de artista passional, músico de primeira, festas de arromba e um verdadeiro vive la fête!”.
* Espécime raro de leonina com 12 planetas em leão, Camila de Paula é do tipo que, além da típica malemolência carioca, sabe como arrancar aspas das personalidades na boemia, usando sua percepção arguta como combustível para um texto cheio de charme. Com furor típico dos regidos pelo fogo – e uma certa loucura que lhe renderia um bilhete só de ida para o Juqueri -, ela se empolga nas entrevistas, provando que, se houvesse, teria lugar cativo na máquina do tempo para sentar em mesa de bar com o povo de”O Pasquim”
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