*Por Brunna Condini
“As ideias são como peixes. Se você quer pegar um peixinho, pode ficar em águas rasas. Mas se quer um peixe grande terá que entrar em águas profundas”. A frase do diretor e roteirista norte-americano David Lynch, retirada do livro “Água Profundas”, bem que poderia ter servido de inspiração para a trajetória de Ingra Lyberato, nossa convidada de hoje da série ‘O que tenho vivido?’.
E perguntamos: Ingra o que você tem vivido nestes últimos anos? “Tenho atuado, escrito, investido em mim. Tinha programados três filmes com lançamento para 2020: “A batalha de Shangri-la”, de Severino Neto e Rafael de Carvalho, “A espera de Liz”, de Bruno Torres, e “Além de nós”, road movie de Rogério Rodrigues. Agora vamos ter que aguardar”. Neste último, Ingra é uma das várias figuras com quem os personagens de Thiago Lacerda e Miguel Coelho, tio e sobrinho no filme, se conectam durante uma transformadora viagem de carro do Sul do Brasil até o Rio de Janeiro. “Além disso, há quatro anos sou oficialmente uma escritora (risos). Ainda é estranho me chamar assim. Lancei dois livros, e o segundo, em julho de ano. Estou amando tanto escrever que acho que isso chegou para ficar. Uma manifestação muito poderosa de compartilhamento de experiências em comum”.
A baiana de 53 anos, chegou no Rio de Janeiro vinda de Salvador aos 20 anos, já bailarina, encontrou a paixão pelo teatro. “Mas achava que tinha que ter experiência de anos como atriz de teatro para tentar a TV, por exemplo, mas exatamente dois anos depois estava na televisão. Antes disso, para me dedicar ao teatro, tive a ideia equivocada de ter que largar a dança. Ou seja, pensava erroneamente que tinha que escolher uma única coisa, um único caminho”, recorda.
“No início do meu caminho fazia tudo ao mesmo tempo: dançava, cantava, mas as pessoas criticavam, diziam que eu tinha que escolher. E no momento que fui me direcionando para a carreira de atriz, fui largando a dedicação ao resto. Eu era essa pessoa que achava que não podia entrar na área das outras, achava que estava invadindo. Ignorava os impulsos, os chamados. Hoje acho que não devemos setorizar nossos dons, para quê? Isso é uma coisa muito da nossa cultura. Não temos que colocar nossos sonhos em gavetas separadas. Não damos ouvidos a esses anseios, que temos muitas vezes desde crianças. E quando paramos para lembrar do que gostávamos de fazer, aí está a pura verdade da nossa alma. É importante tentar, experimentar, botar para fora os desejos. Estamos vivendo um momento no mundo, que as pessoas vão perceber que várias doenças estão explodindo dentro das pessoas porque nos privamos, nos castramos o tempo inteiro. É uma prisão imaginaria que nos colocamos. Crescemos escutando “o não pode”, e mantemos vivas essas proibições dentro da gente”.
Agora compreendem porque aquela frase no início desta matéria? Ingra tem mergulhado fundo. Em julho deste ano, em plena pandemia, ela lançou seu segundo livro “A Natureza Oculta Iluminada” pela editora mineira Quixote+DO, com o intuito de dividir e inspirar outras pessoas com sua experiência de autoconhecimento, embora seja uma obra ficcional. “São experiências e descobertas íntimas, faço ficção para falar com mais liberdade”, diz a autora, que também escreveu “O Medo do Sucesso – A Vida nos Palcos, no Cinema e na Televisão” (L&PM, 2016). “Digo que o segundo livro nasceu de parto natural (risos). O primeiro foi feito e lançado em quatro meses. Esse segundo, demorou mais e fomos respeitando a quarentena, o tempo das coisas. Esse livro traz a capacidade de acolhimento, o feminino, inclusive nos homens. A capacidade de navegar nas águas das emoções. O patriarcado massacrou os homens também. Temos uma possibilidade de auto liberação mútua para experimentar”.
“Temos um universo dentro de nós”
A atriz eternizada por personagens em novelas como” Pantanal“, “Ana Raio e Zé Trovão“, na extinta TV Manchete, esteve no ar em “Segundo Sol“, na Globo, e no momento, pode ser vista na reprise de “O Clone”, no canal Viva; relata que iniciou o caminho de autoconhecimento há cerca de 10 anos. “Estava em um momento de muita infelicidade. Pensava: já experimentei tudo e não estou feliz. Experimentei glória, prazer, fracasso. E aí? Ainda buscava no mundo as respostas. Nesse momento comecei a encontrar uns grupos de estudo, e voltei meu olhar para dentro. Minha vida mudou para um lugar muito desafiador, mas que é bom. Não tenho mais ninguém lá fora para culpar. O papel de vítima na minha vida não me cabe, porque isso me faz perder meu poder transformador. Sai da zona de conforto, que na verdade é extremamente desconfortável. Comecei a entender que a vida é uma escola finita. Ninguém pensa na morte, e estamos vivendo agora uma situação em que somos obrigados a pensar. Reflito sempre se estou ou não em contato com a minha alma, com meu propósito nesta vida. Se estou manifestando no mundo a minha verdade, me harmonizo com essa ideia de que a vida é temporária”.
Para Ingra, a maior aventura tem sido mergulhar dentro de si mesma. “Antes tinha uma visão de que esse movimento de autoconhecimento seria chato, mas é a nossa busca aqui, o que nos faz expandir. Não tenho mais medo de mostrar minhas imperfeições. Tenho vivido e estudado o Xamanismo há anos, que é uma filosofia de experiência física e espiritual das manifestações da natureza. Como lidamos com os elementos dela dentro da gente. Não é muito simples explicar assim(risos), mas para quem procurar saber vai perceber que é uma prática de autoconhecimento puro”, explica. “Também estudo o Budismo e o Hinduísmo. Além da terapia Fenomenológica, que é uma abordagem dentro da psicologia que entende o ser humano a partir de uma visão mais positiva. Tenho estudado muito e isso ilumina a mente, as reflexões. Todos esses caminhos levam para o mesmo lugar, só utilizam maneiras diferentes de comunicar. Acredito mesmo, que a nossa cultura ocidental precisa ser revista. Ela nega a morte, por exemplo, é a cultura do apego. Se queremos engessar algo que acreditamos que foi bom, não é benéfico. Não podemos ter medo da dor e da alegria. É uma relação com a vida em que ela é muito maior, e eu encontro o meu lugar nisso, com plenitude. Não quero controlar, aprisionar experiências, ser maior que a vida. E me pergunto constantemente: o que estou fazendo com a minha vida? Quando essa consciência se abre, ainda bem que é um caminho sem volta. Estou feliz. Encaro os medos, as crenças limitantes, para tentar transformar. Hoje percebo que a infelicidade e a angústia estão forçando as pessoas a buscarem novas perspectivas da vida. Estar em um lugar descontável é um ponto positivo para nos movermos. Acho que grande entendimento é assumir a responsabilidade sobre o lugar que você está e tudo que te acontece. É um lugar de adulto”.
Quarentena sem medo
Morando em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, com o filho Guilherme Leindecker, de 17 anos, da sua união com o ex-marido, o músico Duca Leindecker, Ingra ainda mantém um apartamento no Rio de Janeiro, e fica entre as duas cidades. Em isolamento social e trabalhando de casa desde o início da pandemia, ela afirma que não tem tido dificuldades em manter o distanciamento. E revela que também tem feito “distanciamento” do bombardeio diário de notícias sobre a Covid-19. “Desde que começou a quarentena não assisto noticiários, tenho tido essa disciplina. Sei que as notícias são importantes para manter as pessoas informadas, mas meu comportamento de ficar em casa não está vinculado a elas. Minha decisão não está vinculada a números de contaminação e mortes. Ficarei em casa, porque posso, e até que a vacina seja descoberta e as pessoas competentes cheguem a um consenso diferente”. E completa: “Estou nas redes sociais, tenho grupos de whatsapp, então não estou alienada. Só não quero ser invadida por notícias que me tragam uma vibração de medo, porque isso não ajuda. Essa decisão de não me conectar com o medo coletivo, e me conectar em outras coisas que também impactam na energia coletiva, pede disciplina também. Sei que o que está acontecendo é grave, e estou fazendo a minha parte”.
A atriz também fala com admiração das descobertas do único filho no período. “Guilherme aprendeu a tocar baixo na quarentena, acredita? Nunca tinha tocado, e no primeiro mês de quarentena, nasceu um músico. Ele pegou um baixo do tio que estava aqui e de repente já estava tocando. Fez live com o pai, que é músico. Nasceu um baixista na semana de aniversário dele. Olha isso. Pode acontecer de tudo, tem coisa morrendo, tem coisa florescendo. Vamos chorar as perdas e celebrar os ganhos. Estamos vivendo um momento de muita dor, de muito desencarne. Se eu parar para pensar, me dá vontade de chorar. Mas temos muitos aprendizados para tirar de tudo isso. Agora e no futuro. Estávamos muito duros, cegos para esse mundo sutil. E nesta situação que estamos vivendo há meses, a sensibilidade está aflorada. É um caldeirão de sentimentos. Acredito que estamos só no meio de uma travessia”.
Você tem andado muito inspirada, vai pintar mais um livro pós pandemia? “Ainda estou lançando o segundo (risos). Mas sim, já tenho idealizado o terceiro”, entrega. “Ainda não estou colocando uma energia prática nele. No próximo, quero falar sobre amor próprio, não aprendemos como podemos ser mais felizes do que somos. E isso começa no trabalhinho de autocuidado, de auto amor. De vibrar o amor próprio. De ser amorosa comigo, me perdoar. Esse é o meu aprendizado dos últimos tempos”.
E além de estar se amando, tem amado? Está namorando? “Não namoro há muito tempo (risos). Fui casada duas vezes, com dois homens maravilhosos (Jayme Monjardim e Duca Leindecker), que são meus amigos. Mas percebo que muitas vezes estava em um lugar de agradar, de não estar conectada com minha alma. Estar em uma relação conectada na carência, prejudica a relação”, analisa. “Estou em um caminho de me curar, me amar. Na hora que acontecer um encontro, vai ser lindo. Estou me namorando, neste sentido. Tudo que que poderia querer de um outro, estou me dando. Quando o outro chegar, ele vai compartilhar dessa inteireza. O momento de ficar querendo que chegue uma relação, já passou. Tenho tudo que preciso hoje, se alguém chegar na minha vida é para somar mesmo”.
Você continua linda e está ainda mais solar. Como se sente? “Dia 21 de setembro faço 54 anos. Me sinto entusiasmada. Esse processo de morte e renascimento traz isso. Já tiveram períodos da minha vida em que me senti mais velha. Tanto que estou com meus cabelos brancos neste período. Tirei fotos deles (estão nesta matéria). Não sei se vou deixar assim, mas queria conhecê-los. Quis registrar. Aprendi que aparência não é algo para você ficar obcecada, é fruto de energia”.
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