*Por Jeff Lessa
Precisamos falar sobre depressão. E precisamos muito, com urgência, sem firulas, sem meios termos, sem medo. De acordo com dados da Organização Mundial da Saúde, a doença atinge cerca de 322 milhões de pessoas no mundo. O aumento do número de casos é progressivo: entre 2005 e 2015, cresceu 18%. No Brasil, 5,8% da população tem depressão; ou seja, mais de 11,5 milhões de pessoas. E 18,6 milhões de pessoas (9,3% da população) têm distúrbios relacionados à ansiedade. Mais: ainda segundo a OMS, o suicídio, um dos efeitos dos casos mais graves da doença, é a segunda principal causa de morte entre jovens de 15 a 29 anos. Quase 800 mil pessoas morrem anualmente em razão de suicídio. E depressão não escolhe idade nem sexo: atinge de crianças a idosos, homens e mulheres sem fazer distinção.
Aos domingos, no Fantástico, o doutor Dráuzio Varela tem feito um alerta com suas reportagens contundentes sobre a doença e mostrou que, de cada cinco adolescentes brasileiros, um terá depressão. E de cada quatro mães, uma é vítima de depressão pós-parto. Um quadro seríssimo e ele se torna mais crítico quando lembramos que o assunto ainda é tabu – muita gente confunde o problema com fraqueza e tristeza, algo que a depressão abrange, mas a que não se resume. Para tentar compreender como abordar o assunto e lidar com a questão, o Site Heloisa Tolipan teve uma conversa franca com o doutor Rafael Rodrigues Matias, que, além de atender pacientes em seu consultório em Ipanema, é médico psiquiatra da Colônia Juliano Moreira, professor da Unigranrio e coordenador de pós-graduação Latu Sensu em psiquiatria.
Vamos direto a um tabu que persiste na sociedade brasileira: devemos falar abertamente sobre a nossa depressão? Ficaremos estigmatizados no trabalho, entre amigos, na família? “Devemos falar cada vez mais. As pessoas têm vergonha de comentar, pois a psiquiatria já foi uma especialidade muito estigmatizada, associada a fraqueza emocional”, diz o médico. “Mas trata-se de uma doença. A depressão é química e psicológica, é preciso tratar com psiquiatra e terapia ao mesmo tempo”.
Em relação ao suicídio, um sintoma típico das depressões mais graves, doutor Rafael acredita que é um assunto a se debater com a seriedade que o tema exige.
A crise econômica de 2008 gerou medo de uma onda de suicídios, exatamente como nos anos 1930, durante a Grande Depressão americana. Quando ocorreu a Quinta-Feira Negra (a queda vertiginosa da bolsa de Nova York, em 24 de outubro de 1929), surgiu imediatamente o mito de investidores quebrados que se jogavam do alto dos arranha-céus de Manhattan. Na verdade, segundo os jornais da época, só dois se mataram em Wall Street nos últimos meses daquele ano. O mesmo mito ressurgiu durante a crise de 2008, pela qual o Brasil passou incólume. Atualmente, está se falando muito que o país está deprimido, que as pessoas estão tendo mais problemas com a doença. Confere, doutor?
“O modo como a gente vive, o processo pelo qual o mundo está passando aumenta os diagnósticos de depressão, sim. A doença é causada, nesse caso, por fatores externos, não genéticos. Vivemos em uma sociedade muito doente, muito violenta, com taxas altíssimas de desemprego. O ambiente é propício à manifestação da depressão”, lamenta. “Pelo lado positivo, estamos mais conscientes. Nesse sentido, estamos bem melhor do que antes”.
Essa maior consciência é muito positiva, pois ajuda a encarar a doença sem preconceitos. Mas pode levar a um erro gravíssimo: o autodiagnóstico, algo que o doutor Rafael considera inaceitável. “A pessoa pode perceber que está passando por algo diferente, mas só o médico pode diagnosticar. Só o psiquiatra vai saber diferenciar uma tristeza da depressão”, ressalta. “Existem vários subtipos de depressão. Um deles vem do fator externo, aquele que a pessoa pode observar. Mas, muitas vezes, o que gera o problema não é óbvio. Autodiagnóstico nunca”.
Duas das frases mais comumente ouvidas é que a depressão “é coisa de gente rica” ou que é “frescura”. Entre as maiores bobagens em que se pode acreditar, essas talvez sejam as maiores e mais prejudiciais. O doutor Rafael alerta que não se trata de frescura e nem é doença de rico, pois afeta todas as classes sociais. “As pessoas abastadas têm mais facilidades para identificar, mas não têm mais depressão que as outras. Já as classes mais baixas têm menos informação e recursos, daí muitos casos ficarem sem diagnóstico. Mas a doença afeta a todos”, diz o psiquiatra.
Em um mundo em constante mutação, onde a velocidade e as possibilidades de informação foram multiplicadas por potências inimagináveis há 20, 30 anos, é necessário estar atento a praticamente tudo. Recentemente, o Instagram, a simpática rede social de troca de imagens e mensagens, determinou que não exibiria mais a quantidade de “likes” recebidos por cada um. Não publicamente, pois o usuário tem acesso a essa informação – caso queira saber. O motivo? Muita gente estava se deprimindo por receber poucas respostas a seus posts e acompanhar dia e noite realidades quase inatingíveis.
“Nós fomos criados para viver trocando. No Instagram, as pessoas só postam uma vida alegre, viagens, fotos bonitas etc. E todos se comparam uns com os outros. A comparação é extremamente maléfica. Comparar-se com outra pessoa pode até ser algo que mexa com você de forma positiva, que o movimente. Mas, em geral, é prejudicial”, adverte o doutor Rafael. “Pela minha experiência, a atitude do Instagram foi acertada. Tenho pacientes para quem os ‘likes’ eram uma verdadeiras obsessões. Eles ficam muito mexidos por receberem poucas respostas, poucos ‘likes’”.
Pois é, quem diria que algo criado para distrair, para divertir e aproximar pessoas poderia causar tristeza? Já vimos esse filme antes, com invenções criadas para o bem que foram usadas para males terríveis. E isso nos leva a pensar se a depressão é uma doença moderna ou se já existia, apenas não era diagnosticada. “A psiquiatria é uma especialidade médica muito recente e a depressão tem cada vez mais diagnósticos. Os critérios operacionais são recentes, mas existem relatos de casos com sintomas depressivos já na Antiguidade”, explica o doutor Rafael. “A busca pelos sintomas pode ser objetiva e subjetiva. Leva em conta toda a história do paciente. Conforme a gente vai atendendo, vai ficando mais atento à linguagem corporal, à fala etc. É um processo de olho no olho”.
Este processo já experimentou avanços consideráveis. Os remédios atuais são tão eficientes quanto os mais antigos, porém com menos efeitos colaterais. “Eles mantêm mais serotonina disponível para os neurônios. São mais eficazes. O tratamento deve consistir de terapia mais psicofármacos”, recomenda o doutor. (Em tempo: serotonina é um dos hormônios que garantem a sensação de bem-estar.)
Com tantas vantagens, por que muitos pacientes param de tomar os remédios de uma hora para outra? Por que abandonam tratamentos que estão dando certo? “Acredito que haja duas razões. Porque não foram orientados sobre efeitos colaterais dos remédios e, quando sentem, resolvem parar. A outra razão é porque melhoram e acreditam estar curados. Mas quando se interrompe o tratamento de repente, sem orientação médica, a doença pode voltar com mais intensidade ainda”, enfatiza.
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