O jogou virou! João Emanuel Carneiro entrega a eletrizante “A regra do jogo” – que lembra seus sucessos – e caminha para o xeque-mate no horário das 21h!


Os dois primeiros capítulos não responderam bem em audiência, mas entregaram uma obra primorosa: do enredo bem amarrado e rápido, aos vilões amáveis (você não leu errado), passando pela dualidade de caráter

Se tinha uma pessoa no começo desta semana em que não era aconselhável estar na pele, esse ser é João Emanuel Carneiro. Depois do fracasso – de crítica e audiência – de “Babilônia”, o autor recebeu duas bombas na mão: a primeira, salvar a faixa da 21h, tornado-a novamente o supra sumo dos horários para os ponteiros do Ibope; e a segunda seria se autossuperar. JEC, autor de “Avenida Brasil”, o maior sucesso da década na dramaturgia, tem a responsabilidade, a expectativa e, logicamente a pressão de entregar com “A regra do jogo”, seu novo folhetimum produto tão bom quando o dia-a-dia do povo do Divino, as maldades de Carminha (Adriana Esteves) e o desejo de vingança de Nina (Débora Falabella). E logo nesses dois primeiros capítulos conseguiu desarmar ao menos uma dessas bombas.

O triângulo que promete abalar o horário das 21h: Vanessa Giácomo, Alexandre Nero e Giovanna Antonelli (Foto: Divulgação)

O triângulo que promete abalar o horário das 21h: Vanessa Giácomo, Alexandre Nero e Giovanna Antonelli (Foto: Divulgação)

A que falhou foi a da audiência. O primeiro capítulo marcou 30 pontos no Ibope, o que tornou a estreia menor que a de “Babilônia”, que teve 33 pontos, e a de “Império”, que marcou 32. O segundo capítulo caiu mais, chegando aos 27. Um mero detalhe perto do que foi apresentado. Com um enredo ágil, “A regra do jogo” lembra “A favorita”, também assinada por Carneiro, e, logicamente, “Avenida”. No primeiro caso, há novamente o perfume de dualidade que o autor imprime em seus personagens (vide Donatela – de Claudia Raia – e Flora – de Patrícia Pillar), de forma com que coloca em xeque o caráter e deixa a dúvida pairada no ar. Nesse caso, ele usa Tóia (Vanessa Giácomo), que tem gana em subir na vida e rouba um cofre com a justificativa de salvar a vida da mãe, para provocar o julgamento de quem está em casa.

Maria Vitória Noronha, a Tóia, se entregou por ter roubado um cofre para pagar a cirurgia da mãe (Foto: Divulgação)

Maria Vitória Noronha, a Tóia, se entregou por ter roubado um cofre para pagar a cirurgia da mãe (Foto: Divulgação)

No segundo caso, “A regra da Jogo” tem Juliano (Cauã Reymond) com o desejo de vingança de ser culpado por um crime que diz não ter cometido à lá Nina que queria vingar o pai, a veia mezzo inescrupulosa mezzo humorística de Atena (Giovanna Antonelli) numa espécie – nas devidas proporções, of course – de Carminha (quem não se pegou torcendo pela megera?); e, como as próprias redes sociais se encarregaram de comparar, Cássia Kiss Magro na pele de Djanira é a Mãe Lucinda (Vera Holtz) – no mais aflorado sentindo maternal do nome – em versão 2015. Semelhanças à parte, a nova trama traz um fio condutor novo e que fisga facilmente a atenção do telespectador.

Juliano, vivido por Cauã Reymond, tenta recomeçar a vida após quatro anos na cadeia por um crime que ele alega não ter cometido (Foto: Divulgação)

Juliano, vivido por Cauã Reymond, tenta recomeçar a vida após quatro anos na cadeia por um crime que ele alega não ter cometido (Foto: Divulgação)

O protagonista Romero Rômulo (Alexandre Nero) é um ex-vereador que, para a sociedade, reinclui, num ato de bondade, ex-presidiários na sociedade. Lego engano. É capaz de mentir para o próprio filho policial (vivido por Marco Pigossi), forjar uma rotina mediana – ele mantém duas casas, dois carros e dois guardas-roupas  de forma com que não levante suspeitas – e participar de uma grande facção criminosa para bancar uma vida de luxo, enquanto sua mãe Djanira – que o trata como “capeta” – passa dificuldades no Morro da Macaca. Nero, que há pouco despontou como o Comendador de “Império”, conseguiu desvincular sua imagem do homem de preto e, para os telespectadores que não acompanham o noticiário de televisão, os convenceu até os minutos finais do capítulo de que era um bom moço. Show à parte que continuou no segundo capítulo numa cena de fôlego com Cássia Kiss Magro. Romero fez a mãe doente se ajoelhar no chão do hospital para, na sequência, humilhá-la. Choro e ira até dizer chega.

Djanira se ajoelhou e relembrou o passado para suplicar que seu filho renegado salve a filha por consideração (Foto: TV Globo)

Djanira se ajoelhou e relembrou o passado para suplicar que seu filho renegado salve a filha por consideração (Foto: TV Globo)

A estreia, que teve o funk de MC Merlô (Juliano Cazarré no vídeo abaixo), o som do Alabama Shakes e até Elvis Presley, também nos entregou a ótima vilã de Giovanna Antonelli. Com piadinhas aqui e acolá, o desejo de ser rica a fez aplicar o golpe do cartão de crédito de uma forma bem humorada e também copiar a chave da casa de uma amiga para uma invasão, digamos, nada amistosa. À primeira impressão, será difícil odiar Atena, assim como caímos de amores por Carminha, apesar de tantas atrocidades. Falando em humor, o núcleo pastelão – algo que lembrou bastante os moradores da mansão de Tufão (Murilo Benício) em “Avenida” – também deu as caras nesta terça-feira (01) com Marcus Caruso, Alexandra Richter, Marcelo Novaes, Suzana Pires e Otávio Muller. Sacadas de João Emanuel Carneiro.

E não só dele: Amora Mautner, a diretora, deixou sua marca mesmo sem nem dar as caras. A começar pela improvisação que ela liberou para Susana Vieira, na pele da líder comunitária Adisabeba – uma diversão no maior estilo popularesco que a atriz sempre quis apresentar e não conseguia desde “Senhora do Destino”. A postura, aprovada desde “Avenida”, será mais recorrente daqui para frente pelo simples fato de que deu certo e agradou a gregos e troianos. Isso sem contar com a novidade da caixa cênica, apresentada logo no primeiro take. Trata-se, como aqui já contamos, de um artifício que aumenta o número de câmeras nas gravações, as faz procurar o ator e não o contrário. Dessa forma, saem as marcações de cena e entra a liberdade – como virar de costas para a máquina, por exemplo.

A Adisabeba de Suzana Vieira é pura empatia com o público: líder de comunidade, mãe coruja, boa praça e cheia de amor para dar (Foto: Divulgação)

A Adisabeba de Suzana Vieira é pura empatia com o público: líder de comunidade, mãe coruja, boa praça e cheia de amor para dar (Foto: Divulgação)

Para um começo, “A regra do jogo” foi a forma com que o ator nos deu o recado de que a partir de agora o hábito de sentar no sofá às 21h voltou. Lembrando ou não tramas antigas, a nova narrativa é um grande acerto, bem como seu elenco e o ritmo acelerado. Ainda há muita peça para sair desse jogo, mas o xeque mate não é difícil se ser previsto. Saiu o #OiOiOi, hashtag que sempre virava o assunto da internet quando “Avenida Brasil” começava, mas entrou o #OSoooooool na voz de Alcione cantando “Juízo final” de Nelsinho Cavaquinho na abertura. Estávamos sentindo falta disso tudo. E a saudade começou a ser matada. Como bem diria a torcida do Flamengo: “Acabou o caô, João Emanuel Carneiro chegou!”.