Nos palcos com “Chuva Constante”, Malvino Salvador avalia o cinema e fala da falta de ética no país: “A partir da Era Lula houve uma acentuação”

Para Malvino Salvador, amazonense de 39 anos e pai de duas filhas, o Brasil sempre foi o país do jeitinho. “Vem de longe o costume pelo conchavo”, disse ao site HT. Mas ele acha que, de 2003 para cá, quando Luiz Inácio Lula da Silva assumiu a Presidência da República, a situação piorou. “Nos últimos anos, a partir da Era Lula, houve uma acentuação aguda no sentido da ideia de que tudo se pode, desde que se esteja do lado de quem manda, do lado do Estado. Embora o indivíduo tenha autonomia para fazer suas escolhas, a população age conforme ela enxerga o exemplo de cima”, opinou. Malvino é daqueles lúcidos que reconhece que muitos seguem o sistema para não dar murro em ponta de faca. “Se tiver um negócio, por exemplo, e não fizer parte da turma, não progride. E assim, todas as relações se estabelecem de maneira distorcida. A ética vai para o brejo”, lamentou no mesmo passo que também enxerga uma esperança. “Mas o país acordou. Muitos já perceberam a farsa a que foram submetidos e pedem mudança. O processo do Mensalão e, agora, a [Operação] Lava-Jato mostram isto”.

Para Malvino, após a Era Lula a ética caiu em declínio (Foto: Reprodução)

O discurso politizado não é à toa. “Chuva Constante”, seu atual trabalho na ribalta, aborda, entre outras vertentes, honra e lealdade. Assuntos tão carentes na nossa realidade. “A peça também trata de valores, tanto no que se refere à conduta profissional, quanto pessoal”, nos contou Malvino antes de partir para curta temporada no Teatro Universitário, em Vitória (ES), nos 29 e 30 de agosto. Com texto de Keith Huff, tradução de Daniele Avila Small, direção de Paulo de Moraes e Augusto Zacchi também no elenco, “Chuva” conta a história de dois policiais velhos conhecidos que se veem envolvidos em uma série de acontecimentos que afetarão suas vidas para sempre. Não só a amizade é posta à prova, como também a escala de valores, a honra e a lealdade. Eles dão sua definição particular do que é a família, assim como as questionáveis decisões que tomam em nome dela. Mas a lembrança de cada um sobre o que realmente aconteceu naqueles poucos dias apresentados ao público, em que uma chuva constante não parou de cair, não é necessariamente igual para os dois.

A história, sucesso na Broadway, chegou a Malvino num momento de procura: ele estava há cinco anos longe das coxias e queria um desafio. “‘Chuva Constante’ caiu como uma luva. É um personagem bem diferente de mim e de todos que já vivi. A potência com que o texto me atingiu, me estimulou a compartilhar a mesma experiência com o público. Pensei: ‘Se eu me senti assim ao ler o texto, o público precisa ter acesso a este espetáculo’”, explicou. As semelhanças com o que foi feito em Nova York por Daniel Craig e pelo Hugh Jackman, são nulas, ele garante. “Não tivemos acesso. Não há registro disponíveis, embora tenha ficado curioso. Encontrei algo na internet, trechos de algumas montagens, mas só para ter certeza de que não era nada daquilo que gostaria de fazer. Nossa montagem tem a nossa pegada”, garantiu.  E não é por menos: gostou tanto do projeto que resolveu assinar também a produção do espetáculo. Os motivos ele explica. “Quando idealizei levar aos palcos ‘Mente Mentira’, anos atrás, tive a mesma sensação de quando terminei de ler ‘Chuva Constante’. Tinha algo excepcional nas mãos. Ninguém tinha realizado no Brasil. Sou muito criterioso na escolha dos meus projetos e o teatro foi o caminho mais fácil que encontrei para estar envolvido em algo que não precisasse esperar por um convite. Minha ambição foi além. Queria mostrar outras facetas do meu trabalho como ator, arriscar”.

Augusto Zacchi e Malvino: monólogos se cruzam (Foto: Marcelo Fautini)

Aliás, quando Malvino fala do seu lado criterioso, não é da boca para fora. Duas notícias de rondaram a imprensa: a de que ele abandonou “Aldo – O Filme” e recusou um papel de vilão em “Candinho”, próxima novela de Walcyr Carrasco. Ao ser questionado por HT, ele não trata os episódios como “recusa”. “No filme, que conta a história do José Aldo, esperei por três anos até que o diretor conseguiu agenda e recursos para rodar. E tem algo com o cinema que é o seguinte: o chamam para fazer um filme sem data para começar a filmar. De repente, tem que ser agora! Infelizmente, quando isto aconteceu, eu estava envolvido com a peça e seria impossível conciliar as filmagens com as apresentações”, esclareceu. Com a novela global ele garante que foi algo parecido. “Surgiu o convite, pedi a sinopse e enquanto esperava por ela houve uma mudança nos planos do autor e optou-se por convidar outro ator. É assim mesmo. Na nossa profissão, a gente abdica de uma oportunidade para apostar em outra. Estou muito feliz com minhas escolhas”.

O episódio envolvendo a trama de Walcyr Carrasco acabou por ganhar repercussões, porque Malvino teria se desentendido com o autor de novelas. Mais uma mentira da mídia, ele deixa claro. “Tenho muito carinho, admiração e respeito pelo Walcyr, assim como acredito que ele os tenha por mim. Ele foi muito importante na minha trajetória profissiona, presenteando com lindos personagens. Eu o considero um amigo. Parte do que sai na imprensa é pura especulação”. Além da TV e do teatro, Malvino também acabou de aparecer na sétima arte com a continuação do “Qualquer gato vira lata”, mais uma comédia tida pela crítica como caça-níquel ao lado de “De pernas pro ar” e “Até que a sorte nos separe”, por exemplo. Para ele, tudo é uma questão de mercado e que o público faz suas escolhas na bilheteria.

Malvino encenando com Cleo Pires na comédia “Qualquer gato vira lata” (Foto: Divulgação)

“A comédia na Grécia Antiga já atraía mais público que a tragédia. O mercado mundial também não foge à regra. São produzidos uma infinidade de blockbusters de qualidade duvidosa frente à uma seleção pequena de filmes tidos como sérios”, comparou ampliando o debate para o lado cultural: “Quanto mais educado e culturalmente informado for um país, mais incrementada será sua indústria cinematográfica. O acesso à cultura, então, deveria estar intrinsecamente ligado à educação, desde a formação acadêmica na infância e adolescência. Como exigir que um adulto criado sem apego a uma boa dramaturgia se interesse por uma linguagem com códigos que ele não entende?”.

O questionamento vem junto da inserção da questão financeira na discussão. “Existem dois tipos de filmes: aqueles realizados com o objetivo do lucro e aqueles desenvolvidos por indivíduos que almejam respeito. Estes só sobrevivem pelas vias do financiamento subsidiado. Se não tivessem este caminho, teriam que se adaptar à lógica do mercado e fazer concessões. Aqui no Brasil ainda temos o agravante do idioma português que restringe a capacidade de investimento, já que o lucro é menor”, ponderou. O Malvino que crítica a política e os incentivos culturais do Brasil é um pouco mais ponderado quando o assunto é fanatismo religioso e homofobia, por exemplo. Pai de duas meninas, ele é otimista com o mundo em que as herdeiras vão crescer.

“Acho que o mundo evolui e não o contrário. Sobem-se dois degraus para se descer um e assim por diante. Antes a Igreja Católica queimava quem a contradissesse. Hoje, ainda vemos aberrações parecidas como as praticadas por grupos extremistas no Oriente Médio, na África, em países da América Latina e da Ásia. Mas essas são relegadas à minorias. A maior parte da população mundial hoje comunga conceitos democráticos e aceitação religiosa”, se posicionou. Esperando boas novas para o futuro das filhas, ele sabe o que o mais faz bem na profissão-pai: “A inocência da criança”. Mesma tranquilidade que ele também leva sua vida em relação natureza. Coisa de manauara. “Ter uma experiência com a Floresta Amazônica é uma sensação única! Você se sente pequenininho diante da sua potência. A evolução tecnológica não deve tirar o indivíduo da sua conexão com a natureza, com o primitivo. Sinto-me privilegiado de ter nascido em Manaus e crescido naquele ambiente”.

Serviço

“Chuva Constante” com Malvino Salvador e Augusto Zacchi

Quando: 29 e 30 de agosto

Local: Teatro Universitário – UFES

Horários: Sábado, às 20h / domingo, às 18h

Ingressos: Térreo R$ 80,00 ( Inteira) e R$ 40,00 ( meia) / Mezanino R$ 50,00 ( Inteira) e R$ 25,00 (meia)

Horário de funcionamento bilheteria: de terça a sexta, de 15h às 20h.