Mulher, negra, mãe, atriz, cantora, carioca, ex-moradora de comunidade e guerreira. Roberta Rodrigues é isto, sem mais nem menos. Não tem medo de falar o que pensa, porque descobriu logo cedo a ser dona do próprio nariz e a verbalizar aquilo que acredita. Empoderada, a artista respira a luta contra o machismo e racismo, e, na verdade, ela é o próprio sinônimo de representatividade ou, como prefere dizer, protagonismo. A atriz da novela das 9h da rede Globo, Segundo Sol, é a estrela do editorial do site HT, fotografado no Rio Othon Palace. Com cliques de Hugo Moura, styling de Tracy Rato e beleza de Titto Vidal, o ensaio mostrou um lado mais ousado de Roberta, super antenada nos recentes acontecimentos do país e com muita opinião para dar. Vem conferir!
Poderia se passar em outra época, mas a personagem de Roberta em Segundo Sol está mais próxima da realidade do que a gente imagina, infelizmente. Na trama, a atriz vive uma mulher extremamente ciumenta que é descrita pela atriz como ‘doente e maluca’ e é capaz de fazer tudo para garantir a fidelidade do marido. Sendo assim, o papel tem uma função social de colocar uma lente de aumento neste tipo de relacionamento abusivo que tanto homens como mulheres sofrem cotidianamente. “As pessoas sempre dizem que ela é ‘chata’, porque as pessoas encaram de outra forma quando é uma mulher. Então, é preciso entender que os dois sexos podem chegar neste nível abusivo. São coisas que a gente vai deixando passar e que acabam se tornando algo sério. Sendo assim, perdemos o respeito uns pelos outros. Uma relação baseada no ciúmes não é saudável, não faz mais sentido. Os homens me param na rua comparando as suas esposas com a minha personagem e riem, mas isto não é engraçado. É sério, porque na hora de uma briga pode acabar acontecendo uma fatalidade, como vimos várias vezes no jornal. A gente precisa mostrar isto”, garantiu.
Nas últimas cenas que foram ao ar na Rede Globo, vimos uma Doralice mais doce e calma, porém isso não deve durar muito já que logo logo descobrirá que o marido omitiu uma decisão a ela. “Acho que ela ficou mais tranquila, porque percebeu que as suas reações começaram a abalar realmente o seu casamento. No entanto, quando o marido doar o seu sêmen para uma amiga, a coisa vai ficar muito mais séria. Ela vai ficar muito descontrolada. Além disso, vai se concretizar aquilo que sempre falou em relação à traição, porque ele de fato mente para ela”, explicou. Apesar não saber como esta questão vai se desenrolar, a atriz espera que sua personagem acabe se recuperando, evoluindo e amadurecendo. “Isto seria lindo para a ficção, mas na vida real temos muitas pessoas que não conseguem evoluir. Sinceramente, espero que a gente consiga mostrar para a população que ela é doente e precisa de tratamento, afinal, tem muita gente sofrendo com isto diariamente”, afirmou.
Apesar de Roberta ter uma personagem de destaque na trama, ela é uma das poucas mulheres negras de Segundo Sol. Na época de seu lançamento, a novela foi muito criticada nas redes sociais por trazer um elenco e protagonistas majoritariamente brancos, mesmo se passando na Bahia, um dos estados conhecidos historicamente por ter uma grande presença negra. “Isto aconteceu porque as pessoas estão muito acomodadas, nem lembram que tem que ter. Esta reflexão tem que ficar para as próximas novelas também. Não estamos nos referindo só a este produto. Falo isso pelos nordestinos, japoneses e índios que estão aqui também”, lamentou.
Não importa quanto ganha, a visibilidade ou os contatos que a pessoa tem, de acordo com a atriz, todos os negros sofrem preconceito no Brasil e são constantemente lembrados de sua cor da pele. Falta acesso de todas as formas possíveis, seja ao mercado de trabalho ou à educação. “Isto não é levantar bandeira, porque só sabe da dor quem passa por ela. A gente acorda todos os dias sabendo que alguém vai te lembrar que somos pretos e inferiores. Não é historinha, isto acontece. Muita gente não consegue aceitar. A situação do negro ainda é muito complicada. Recentemente, vi um comercial de uma empresa de produtos de beleza que exibia uma família negra e reclamaram porque não tinha branco. Foi uma propaganda, quando nunca teve desde que nasci. Vou lutar pelo protagonismo. Não consigo imaginar que a minha filha vai continuar discutindo isto daqui a 15 anos. Não pode”, afirmou.
Mesmo sendo atriz de novela da Globo, Roberta se mostra como um verdadeiro exemplo deste preconceito na nossa sociedade. “Não faço publicidade, por exemplo. Nunca protagonizei uma novela ou fui capa de revista. As pessoas sempre dizem que o negro tem um corpão, mas é raro ver mulheres da minha cor na banca de jornal. Se tiver será a Taís Araújo e depois de seis meses aparecerá a Sheron Menezzes. Podem dizer que não tem gente, mas isto é mentira. Temos a Cintia Rosa, Sabrina Rosa, Roberta Santiago, Ildi Silva e muito mais, porém o mercado não está aberto para a gente”, comentou. Para ratificar a qualidade do trabalho dos negros e invisibilidade, a artista relembrou Cidade de Deus, o filme que deu o start na sua carreira. O longa é considerado, pelo site Cine Players, o melhor já produzido na história do audiovisual brasileiro. “Naquela época, achei que não existia este preconceito, porque o elenco era majoritariamente negro. Mesmo assim, a montagem foi para fora, concorreu ao Oscar e foi para o Festival de Cannes. Ele quebrou muitos paradigmas e as pessoas ainda têm a coragem de dizer que não tem negro bom para fazer TV ou séries no Brasil”, afirmou.
E por falar em representatividade, Roberta sempre tenta apostar em projetos que exaltem a brasilidade e a diversidade cultural brasileira. E isto pode ser comprovada na sua participação na segunda temporada da série humorística Tô de Graça, que estreia no dia 29, no Multishow. “Nós não temos um protagonista, na verdade, somos todos juntos. Nós brincamos que é a Grande Família da atualidade, porque temos uma pedinte de sinal, uma prostituta que diz ser corretora de imóvel, um gay descolado, uma lésbica e um bêbado. Sendo assim, é totalmente não convencional e cada um consegue aceitar o outro do jeito que é. A gente se diverte muito, apesar de eu não me achar comediante”, comentou. Com ótima atuação frente ao Ibope, no ano passado, o produto audiovisual retorna ratificando a sua qualidade sob a ótica do roteirista e ator Rodrigo Sant’Anna.
A ideia de representatividade da atriz não fica somente no conceito de etnias e diversidade, na verdade Roberta Rodrigues é sinônimo também de girl power. Junto com algumas amigas, ela está tocando o seu novo projeto musical depois de dar adeus à banda Melanina Carioca, com Micael Borges, David dos Santos e Marcello Melo Jr. “Queria focar e criar outras coisas, mas não consegui encaixar os meus objetivos naquele conjunto. De qualquer forma, foram anos muito bacanas e amei fazer parte do Melanina. Sinto muita saudade dos palcos e dos fãs”, afirmou. A partir de agora, as energias musicais da artista estão voltadas para o grupo Linda Flor, no qual participam Cintia Rosa, Sabrina Rosa e Roberta Santiago, também ex-integrantes do Melanina. Devido à correria da novela e a chegada de sua primeira filha, ela ainda não conseguiu se dedicar totalmente ao conjunto, mas garantiu que a partir do mês que vem começará a gravar em estúdio. “A gente tem se encontrado pouco, mas não temos pressa, queremos fazer tudo na hora certa”, explicou.
É óbvio que reunir um time de peso de mulheres acabou sendo um prato cheio para a atriz, por ser um espaço totalmente novo no qual pode falar sobre os desafios do seu gênero no Brasil. Empoderamento será uma das palavras chaves para descrever o futuro de sua carreira musical de agora em diante. “Estamos neste momento maravilhoso e temos espaço agora para falar sobre as nossas histórias. Pretendo explicar todo o meu percurso como mulher negra e vinda de comunidade neste mundo tão machista. Vamos meter o pé na porta. Não estou dizendo que vou contar histórias tristes, mas quero mostrar a difícil trajetória com bons resultados no final”, afirmou. O estilo sonoro vai seguir um pouco as vibrações do Melanina Carioca, mas a ideia será uma mistura total de ritmos. Afinal, de acordo com a atriz, a diversidade cultural brasileira é muito grande para excluir determinado estilo. “Vamos passear por onde quisermos. Algumas batidas do funk, por exemplo, vão entrar, porque isto nos acompanha desde sempre, afinal, fui nascida e criada no Vidigal. É a coisa mais incrível que já inventamos. Amo a batida, apesar de não concordar com muitas letras. O funk, muitas vezes, acaba sendo um desperdício, porque consegue atingir o mundo inteiro, mas a gente não sabe aproveitar este lugar de fala”, criticou.
Em entrevista para o site HT, ela contou, inclusive, que já teve que andar do Vidigal, onde morava, até Botafogo para fazer um teste para participar de um elenco. Ao total, foram cerca de 9 quilômetros de caminhada percorridos por falta de dinheiro para pegar um ônibus. Mesmo com tantos empecilhos, ela soube optar pela direção certa sem se render ao que muitas pessoas chamam de ‘caminho mais fácil’. “Muita gente gosta de postar nas redes sociais, por exemplo, o barco, o carro e o relógio de R$ 10 milhões, mas isto é muito sério. Vivemos em um lugar no qual muita gente passa fome e os governantes não fazem nada! Na comunidade, as pessoas não têm acesso a saneamento básico e educação. Tem como esta criminalidade ser diferente. Tem muito adolescente que não sabe escrever. São muitas negativas em uma vida só. A gente julga os garotos que assaltam, mas eles não deixam de ser vítimas de uma sociedade que não está nem aí para o próximo. E isto vai piorar, porque estamos cada vez mais arrogantes”, lamentou. De acordo com Roberta, ela conseguiu ter outra escolha devido ao Nós no Morro, grupo de teatro do Vidigal, e o colégio particular onde estudou com bolsa.
A criminalidade exacerbada já é uma realidade no nosso país e no Rio de Janeiro e para que isto melhore, a atriz acredita ser necessário mais respeito, cidadania e escolas de qualidade. “Somos um povo que não conhece a própria história, não sabemos de onde viemos e para onde vamos. A única coisa que não tiram da gente é o conhecimento e, exatamente por isto que os nossos governantes não dão boas escolas. Se começarmos a educar, cada um vai ter noção dos seus direitos e uma situação como esta nunca aconteceria. Vamos dar uma base igual para todo mundo e ver quem se destaca?”, questionou. Um dos pilares, inclusive, para o sucesso de Roberta é a criação do projeto Nós no Morro, do Vidigal, que ajudou a levar arte e cultura para esta área periférica da Cidade Maravilhosa. “Olha aonde eu e tantos outros colegas chegamos! Se a gente não tem oportunidade não tem como mostrar o nosso talento”, lamentou.
A vontade de transformar o nosso país não fica apenas na fala da atriz. Roberta está envolvida em vários projetos sociais no Vidigal que levam mais qualidade de vida para os moradores desta favela. “Tenho o sonho de fazer uma associação lá e, inclusive, já estou vendo a possibilidade para isto. Não consigo pensar só em mim, de verdade. Queria ganhar muito dinheiro para poder ajudar os outros. Se cada um fizer só um pouquinho, já vamos conseguir transformar. Não precisa ser muito e nem precisa de grana, um carinho já ajuda”, garantiu. A artista já fez o Natal das crianças, pagou mochila e materiais escolares, fez campanha para arrecadar comida, ajudou a enviar móveis para mulheres grávidas montarem o quarto de seus filhos e entre outras iniciativas.
Para este ano, Roberta Rodrigues está recheada de novidades. Além de Linda Flor e Tô de Graça, ela ainda vai participar da série Cidade dos Homens e ainda tem a intenção de fazer um projeto completamente inusitado na sua vida que reúne todas as suas qualidades em um só lugar. “Queria criar uma conta, tipo no Youtube, onde contaria as minhas histórias junto com as minhas amigas. Gostaria de mostrar a minha versão de como é ser mulher preta e ex-moradora de comunidade. A ideia seria falar de uma forma bem-humorada, mas sem esconder a verdade para entenderem o que realmente acontece”, garantiu. O lugar da mulher é onde ela quiser e Roberta é a prova viva disso.
Equipe
Fotos: Hugo Moura
Styling: Tracy Rato
Produção de moda: Letícia Bueno
Make: Titto Vidal
Agradecimento
Hoteis Othon
Juliana Reis
Felipe Lima
Artigos relacionados