No dia do porteiro, Alexandre Lino está à frente da campanha Nordestinos contra a Covid-19 para ajudar migrantes


O ator celebrou a data em live no seu Instagram, ao lado de Gorete Milagres. Em papo com o site, Lino fala do retorno das gravações de “Amor sem Igual”, da repercussão de seu trabalho documental e das atitudes para minimizar as desigualdades: “Não basta enxergar o outro. Estimule seu empregado a progredir. Pense que você não estará perdendo ninguém, estará contribuindo para uma pessoa se beneficiar. Estimule que ele volte a estudar, que seus filhos estudem. Isso é uma contribuição para o pais. Claro que o primeiro passo é ser educado, responder ‘bom dia”. Olha, não é exagero, todos os porteiros falam que é recorrente. As pessoas passam e não falam, não respondem. Já escutei na peça: “Quando não escutamos um “bom dia”, “boa tarde”, nos sentimos invisíveis. Quem não gosta de um retorno, de uma palavra carinhosa? Todo mundo. É simples. Quero agradecer aos porteiros que cumprem e honram seu ofício. Eles nos ensinam diariamente sobre empatia, porque lidam com a diversidade em seus prédios”

*Por Brunna Condini

No Dia do Porteiro, que homenageia os profissionais que mesmo em tempos de pandemia da Covid-19, continuam prestando seu serviço essencial, o ator Alexandre Lino ofereceu um presente aos profissionais que o inspiraram no espetáculo “O Porteiro”, que leva aos palcos há três anos. E como o encontro não pode ser presencial, por conta da necessidade do isolamento, Lino fez uma live em seu Instagram, ao lado de Gorete Milagres, que interpreta a empregada doméstica Filó. “Interpretei Waldisney e ela, Filó. Nesta época do ano, provavelmente estaria em cartaz com a peça, então quis fazer uma homenagem, mas também ter esse contato com o público”, conta.

“A Gorete é uma atriz extraordinária, faz essa personagem há 25 anos. É um humor de construção, depois da comédia stand- up isso foi se perdendo. Chico Anysio (1931-2012) foi um professor, foram 300 personagens construídos com detalhes. Jô Soares também fez um trabalho assim, e claro, Mazzaropi (1912-1981). Sou da geração que consumiu muito humor. É ingênuo, pede licença, é do afeto. Podemos falar sobre todos os temas, não sendo ofensivos”, completa o ator de 45 anos.

Alexandre Lino na pele de Waldisney faz live hoje ao lado de Gorete Milagres para homenagear os porteiros do Brasil (Foto: Janderson Pires)

Alexandre, que também é documentarista, fundador da Documental Cia que tem em seu repertório o premiado “Domésticas” (2012), “O Pastor” (2013), e “Nordestinos” (2015), afirma que seu pacto na criação, é com o real. “Transporto realidades. Não podemos desconfigurar a estrutura do que foi coletado. Foram muitos espetáculos com essa envergadura. Isso causa empatia, identificação. Hoje não parei de responder porteiros, mulher de porteiros. Ao longo destes anos, a empatia desses profissionais sempre me emociona”, confessa Alexandre Lino, que criou a dramaturgia de “O Porteiro”, com Paulo Fontenelle, a partir de histórias reais, compiladas através de entrevistas com profissionais, em sua maioria nordestinos, que deixaram suas cidades em busca de uma vida melhor no Rio de Janeiro.

“Transporto realidades. Não podemos desconfigurar a estrutura do que foi coletado. Foram muitos espetáculos com essa envergadura. Isso causa empatia, identificação” (Foto: Janderson Pires)

E hoje eles mandavam mensagens dizendo o quê? “Via de regra, foram mensagens me dando parabéns (risos). É demais isso. Tenho uma trajetória com esse personagem. Fiz no cinema, fiz na série “A Cara do Pai” (2017), na Globo, um outro porteiro. Fiz em propaganda. Então, por eu ser um migrante nordestino também, trago a musicalidade, uns traços físicos. Mantenho um bigode, que é uma coisa que nordestino gosta. Eles se veem muito em mim. E há muito respeito muito cada palavra que pronuncio no palco. Talvez por isso, eles me incluem, mesmo sabendo que sou um ator”, analisa. “Acho que se identificam e veem um lugar de pertencimento daquela fala dramatúrgica. Estou com o espetáculo há três anos e onde eu vou tem porteiro na plateia. Já fiz sessões em um teatro em São Conrado, e muitos moradores de prédios ao redor depois de assistir, voltavam com os porteiros dos seus prédios e vinham me apresentar”.

“Já fiz sessões em um teatro em São Conrado, e muitos moradores de prédios ao redor depois de assistir, voltavam com os porteiros dos seus prédios e vinham me apresentar”(foto: Janderson Nunes)

Tornando visível

Alexandre está no ar na novela “Amor sem Igual”, da Record, que interrompeu as gravações por conta da pandemia, mas na TV Globo, ele pode ser visto na reprise de “Totalmente Demais”. As gravações já têm data de retorno? “Estão vendo se conseguem voltar no final de julho. Estão estudando isso, porque não é uma tarefa fácil. O desejo é grande, são 100 dias neste isolamento, que é necessário. Mas o afastamento é difícil, você precisa do outro, nossa atividade é com contato”, desabafa. “Estou sozinho com meu cachorro Gravatá, que é o nome da minha cidade, em Pernambuco. Ele é um companheirão, sem ele seria bem pior”.

Lino com Juan Alba nos bastidores de “Amor Sem Igual”: “Estão vendo se conseguem voltar no final de julho. Estão estudando isso, porque não é uma tarefa fácil” (Reprodução Instagram)

Com 20 anos de trajetória profissional, o ator destaca uma das histórias que ouviu nestes anos em cartaz, de um profissional com mais de 40 anos no ofício como porteiro, que conseguiu, ao lado da sua companheira, através do trabalho de ambos, formar na faculdade três filhas. Como essa história te toca? “No lugar, na certeza, que esse campo de invisibilidade, impossibilidade, que muitas vezes achamos que não tem saída, não é definitivo, não precisa ser aceito”, afirma. “Por outro lado, sei que não dá para ficar achando que a sociedade vai ser totalmente justa. As coisas podem melhorar, mas no geral temos essa disposição, só que há como romper isso. Ninguém disse para as pessoas que conseguiram, que eles podiam fazer: eles foram em frente e não aceitaram, quiseram outras realidades para os seus filhos. É incrível como podemos ultrapassar isso”.

“Sei que não dá para ficar achando que a sociedade vai ser totalmente justa. As coisas podem melhorar, mas no geral temos essa disposição, só que há como romper isso” (Foto: Janderson Nunes)

Lino cita o episódio que culminou com a morte de Miguel, de 5 anos, filho da empregada doméstica Mirtes, deixado aos cuidados da patroa, Sarí corte Real. O menino morreu quando caiu do nono andar do prédio em que a mãe trabalhava, após ser deixado sozinho no elevador, porque queria ir atrás de Mirtes, que havia saído para passear com os cachorros da empregadora. “A diferença de classes é massacrante em nosso país. Isso vai permanecer, infelizmente. A Mirtes, mãe do Miguel, disse uma coisa, que define essa desigualdade imensa: “Se fosse eu, não teria nem direito à fiança”. É verdade”, observa o artista. “Quando coloco estas pessoas no protagonismo em meu trabalho, é para que as enxerguem. Depois que me desmonto no teatro, estou só o ator, converso com o público sobre isso também. Para mim é mais que apresentar um espetáculo, se eu conseguir tocar pessoas e ajudar no processo de transformação de pensamentos preconceituosos, que acentuem a desigualdade, já vale”.

 E acrescenta, falando sobre a perspectiva histórica. “Quem está no centro do poderio não tem interesse que isso mude. Muitas pessoas gostam de ser projetadas a lugares mais importantes que outras. Conheço gente de todas as classes. Não acho que quem é bem-sucedido tem que pedir desculpas, de jeito nenhum. Até aqui tenho o que desejei ter, não tenho o que me desculpar por isso. A reflexão é como você usa o que tem e como olha para o outro. É sobre como se relaciona com quem trabalha para você”, reflete. “Tenho alguns questionamentos, como por exemplo, o que significa ter um mordomo nos dias de hoje? Alguém para abrir a porta? Geralmente um migrante nordestino. Para que isso? Isso não é só para empregar pessoas, tem um prazer de ser servido. Mas isso é uma discussão profunda e muito delicada. A Mirtes estava fazendo um afago no cachorrinho da patroa, tudo bem. Mas isso é uma coisa que ela podia fazer e a Mirtes ficava com o filho. Por que, não? Essa metáfora é interessante. A proteção e os cuidados com os animais são importantes, claro, mas e o menino? ”.

Liderando uma campanha que visa captar recursos para distribuição de cestas básicas durante a pandemia, a Nordestinos contra a Covid-19, que pretende ajudar os migrantes nordestinos que estão vulneráveis com a quarentena, Alexandre destaca que para fazer diferença dentro de um universo desigual, não basta enxergar o outro. “Estimule seu empregado a progredir. Pense que você não estará perdendo ninguém, estará contribuindo para uma pessoa se beneficiar. Estimule que ele volte a estudar, que seus filhos estudem. Isso é uma contribuição para o país. Claro que o primeiro passo é ser educado, responder ‘bom dia”. Olha, não é exagero, todos os porteiros falam que é recorrente. As pessoas passam e não falam, não respondem. Já escutei na peça: “Quando não escutamos um “bom dia”, “boa tarde”, nos sentimos invisíveis. Quem não gosta de um retorno, de uma palavra carinhosa? Todo mundo. É simples. Quero agradecer aos porteiros que cumprem e honram seu ofício. Eles nos ensinam diariamente sobre empatia, porque lidam com a diversidade em seus prédios”.