Ney Latorraca é homenageado no Festival de Cinema de Gramado e revela que sua trajetória de vida e profissão vai virar documentário


O papo rolou durante a passagem do ator pela serra gaúcha, onde recebeu o Troféu Cidade de Gramado. “Já tinha recebido homenagens em quase todos os festivais do Brasil. Faltava somente deste, que é o mais importante do país. Chegou na hora certa”, comemorou

“É verdade”, garantiu Ney Latorraca durante todo o papo com o site HT. Isto porque o ator abriu o seu coração e contou diversos episódios que ocorreram ao longo da sua vida. Alguns deles pareciam ser tão surreais que ele fazia questão de enfatizar a veracidade dos contos que, através de suas palavras, pareciam tramas tiradas de algum livro. Tendo a sinceridade como uma de suas principais virtudes, o ator sempre fez questão de dizer o que pensa. E ele é isto tudo mesmo. Veio de uma família cujos pais trabalhavam em um cassino e muitas vezes não tinham comida na mesa ao final do dia. Estudou Artes Dramáticas na Universidade de São Paulo (USP), enfrentou dificuldades no início da carreira, mas o destino foi grandioso. Com muita luta e sabedoria, o ator, aos poucos, foi desbravando os palcos, o cinema e a televisão para se tornar o homem reconhecido que é. Nesta sexta-feira foi homenageado com o Troféu Cidade de Gramado, no Festival de Cinema de Gramado. “Já tinha recebido homenagens em quase todos os festivais do Brasil, faltava somente deste que é o mais importante do país. Chegou na hora certa”, comemorou.

Ney Latorraca e Claudia Raia dão um selinho durante a homenagem ao ator no Festival de Cinema (Foto: Fabio Winter / Pressphoto)

No cinema, ele já atuou em quase 30 filmes e fez o seu nome junto com grandes outras estrelas como Marília Pêra, Tarcísio Meira e Claudia Raia – que, inclusive, apareceu de surpresa na Serra Gaúcha para homenagear o amigo. Muitos consideram este momento atual do ator como um grande retorno depois de enfrentar sérios problemas de saúde em 2012. Exatamente por isso, Ney acredita que este foi o melhor momento para a chegada deste reconhecimento. “Venho de uma barra pesada. Passei realmente muito mal. Fiquei três meses no hospital e cheguei a ouvir os médicos dizendo que não tinha mais jeito, mas consegui voltar. Quando você sai de uma situação dessa, tudo que vem depois é lucro. O José Wilker e a Marília Pêra chegaram a me pedir para não dar mais susto e, de repente, eles foram embora. Sou um sobrevivente. Tudo, para mim, é um grande lucro, seja a capa que uso, o prêmio que ganho ou o papel que faço”, afirmou. De acordo com ele, qualquer reconhecimento do tipo é uma grande vantagem visto que já passou por tudo nessa vida. Quando era pequeno, por exemplo, morou em uma casa que só poderia ser alugada por um casal que não tivesse filhos. Exatamente por isso precisou ficar calado durante boa parte de sua vida.

Cada singular história que aconteceu na trajetória deste artista está sendo registrada, não só pela mídia, mas também em formato de documentário. Esta, inclusive, é a próxima empreitada cinematográfica do ator. Junto com o amigo Rubens Ewald Filho, ele está rodando um filme que conta diversas passagens que vivenciou. “A ideia é colocar todas as histórias na mesa e depois ir tirando”, explicou Ney Latorraca. Algumas partes das filmagens seriam feitas durante a passagem do ator por Gramado, mas tiveram que ser adiadas devido o mal tempo. “De qualquer forma, estamos desenvolvendo esta próxima produção. Deve sair em breve, dentro de dois meses. Nós iremos contar tudo”, explicou Rubens, que é o produtor do longa. Muitas das histórias que o ator comentou com o site HT, inclusive, estarão no documentário.

Ney Latorraca com o troféu Cidade de Gramado nas mãos após a homenagem (Foto: Cleiton Thiele / Pressphoto)

A batalha pelo seu lugar ao sol

Para chegar ao pódio, Ney precisou se dedicar muito como profissional. “Sempre quis me ver na tela grande, mas não conseguia. Na época, tinha um filme do Carlos Reichenbach (Audácia: A Fúria dos Desejos) que não tinha verba nenhuma. Pediram, então, para o ator que quisesse participar levar comida. Fui à rodoviária com vários sacos e paguei a minha participação para aparecer somente no fundo da cena, ma,s pelo menos, tinha um close na minha cara. Como estava mais ansioso para assistir correndo ao cinema. Só tinha eu na platéia”, lembrou.

Sucesso e a lembrança da mãe  

Grande parte desta força de ver seu trabalho reconhecido é fruto de influências maternas. Na verdade, sua mãe foi uma das maiores responsáveis pelos acontecimentos que foram se sucedendo ao longo de sua carreira.  “Um dia, o jornalista Artur Xexéo foi à minha casa fazer uma matéria pequena. Minha mãe, espanhola e quase uma bruxa, pediu para ele ficar para o almoço, lanche e jantar. Acho que ela colocou alguma coisa na comida dele, porque acabou sendo a capa da revista. Na época, comprei todas na banca”, relembrou.

O ator comemorou esta homenagem do Festival de Cinema de Gramado (Foto: Cleiton Thiele / Pressphoto)

Mas esta não foi a única vez. Na verdade, o sucesso de seu primeiro personagem em uma novela da Globo se deveu à sua própria mãe. “Acabei entrando para fazer uma escalada na Globo e tinha somente um contrato de três meses. O meu personagem não tinha texto. No entanto, minha mãe começou a fazer uma campanha sem eu saber e isso me fez concorrer com Tarcísio Meira e Roberto Carlos para ser o Rei da Televisão. Quando descobri, não acreditei que ela estava fazendo aquilo, mas ela me disse: ‘é importante’. Acabei ficando em segundo lugar e as pessoas se impressionaram com aquilo. Apareci em todas as revistas e o meu papel cresceu”, relembrou. Ney ganhou repercussão internacional.

A parceria com grandes nomes

De lá para cá, a carreira de Ney Latorraca só deslanchou. Ele fez grandes sucessos nas novelas da Globo e acumula uma lista de grandes personagens lendários como é o caso de Barbosa, de TV Pirata. “Eu estava participando de uma sátira e o meu personagem era um misto de Walmor Chagas com outro ator. O resultado foi esta figura, com a peruca branca e o biquinho”, informou. Além disso, atuou em quase 30 filmes nos cinema dos quais têm lembranças marcantes. “Os diretores pensam que me escolhiam para trabalhar nos longas, mas eu era quem os selecionava. Gosto muito de todos os filmes que fiz, mas Sedução foi uma loucura. Na época, em 1974, ganhei todos os prêmios”, comentou o ator.

Em entrevista ao site HT, ele relembrou alguns passos de sua gloriosa carreira pelo cinema que culminaram nesta homenagem em Gramado (Foto: Cleiton Thiele / Pressphoto)

Em entrevista ao site HT, ele relembrou alguns passos de sua gloriosa carreira pelo cinema que culminaram nesta homenagem em Gramado (Foto: Cleiton Thiele / Pressphoto)

Marília Pêra foi a sua grande parceira de palcos e confidências, considerada a sua madrinha de teatro. “Nunca pensei que fosse sentir isso com a perda da Marília, porque foi a mesma sensação de quando a minha mãe morreu. Nós conversávamos todos os dias pelo telefone sobre o mesmo assunto que era a matemática da arte de representar”, relembrou. Marília Pêra e a mãe do ator são as duas mulheres que mais marcaram a sua vida e ainda fazem parte de sua lembrança constante.

Carreira atual

A partir do talento de Ney Latorraca e destes empurrões da vida, ele acabou se tornando o grande fenômeno que é atualmente.  Desde o ano passado, o ator brilha nos palcos no espetáculo Vamp, fruto de uma novela feita no início dos anos 90. Com a platéia sempre cheia, a peça está rodando diversos lugares no país. “Fiquei pensando o que eu estava fazendo. Um senhor já e vestido daquela forma? No entanto, a peça lotou na primeira semana e durante toda a temporada. No primeiro dia, mentalizei minha mãe e a Marília Pêra para fazer tudo certo e, quando entrei, o teatro veio a baixo com a plateia gritando: ‘ele voltou’. Parecia um show de rock. Foi um baita sucesso”, comemorou.

Sempre apaixonado pela dramaturgia, ele comentou sobre as dificuldades de sua carreira (Foto: Cleiton Thiele / Pressphoto)

Nada de papas na língua

Ney Latorraca sempre foi se manifestou sobre todos os temas. E, às vésperas das eleições, é claro que não podia faltar uma reflexão sobre o nosso cenário. “Não tenho nenhuma esperança para as eleições, porque não vi nenhum candidato, até agora, falar sobre cultura. Esqueceram completamente. Estou esperando até agora que esta palavra saia da boca deles, porque cultura engloba tudo: educação e saúde. Se um país não aposta nisto, ele não está querendo a inteligência de um povo. Estou acompanhando os debates e esperando por esta fala. Isto é um absurdo”, criticou.

Fazer acontecer

Enquanto os políticos não dão sinais de mudança, o ator prefere atuar por conta própria. Exemplo de ser humano e generosidade, ele revelou que sempre ajudou e continuará ajudando instituições de caridade. “Decidi fazer meu testamento e pretendo colaborar com diversas instituições. Minha mãe sempre me incentivou a olhar a vida dos seres humanos. Acho que o fruto do meu trabalho deve ir para os lugares certos”, comentou.