*Por Brunna Condini
Maitê Proença, que tem passado sua quarentena em seu apartamento no Rio de Janeiro, conversou com site sobre a mostra que a partir de amanhã homenageia o cineasta e amigo Domingos de Oliveira (1936-2019), e também do isolamento por conta do novo coronavírus, dos vídeos que vem produzindo e dividindo com os seguidores, e também da valorização da arte para o público e os governos.
A exibição, entre os dias 5 a 31 de maio com 14 filmes do diretor, será realizada através do Circuito Inffinito de Festivais, que, após 25 anos de existência e tendo à frente as irmãs Adriana e Claudia Dutra e a sócia, Viviane Spinelli, vai abrir sua temporada com uma etapa online e gratuita, utilizando uma plataforma de streaming criada para a exibição de conteúdos exclusivos (www.inff.online). O público terá acesso a filmes do diretor, entre eles o inédito “Os 8 Magníficos”, último longa rodado por ele, em 2017. O documentário descortina um almoço dominical com os atores Maria Ribeiro, Fernanda Torres, Wagner Moura, Carolina Dieckmann, Sophie Charlotte, Mateus Solano, Alexandre Nero e Du Moscovis e tem uma discussão sincera e existencialista sobre a arte de representar, o amor e a vida.
No período da mostra, artistas ligados a Domingos, como Maitê, Priscila Rosenbaum, Maria Ribeiro, e Betty Faria discutirão sua obra em lives nas redes sociais do festival. “Ele era um filosofo que tratava do amor. Os intelectuais consideram muitas vezes esse um tema menor, mas não é. Domingos era completamente verdadeiro, porque acreditava que o amor resgatava tudo. Ele vivia intensamente, até o último momento”.
Maitê recorda das filmagens de “Primeiro Dia de um Ano Qualquer” (2015), que foi filmado em seu sítio, na Região Serrana do Rio. “Têm muitas histórias boas. Teve uma época, que Domingos já estava doente (o diretor lutava contra o Mal de Parkinson), e ia para o meu sitio, e melhorava. Ele ficava animado, tínhamos medo dele se machucar, mas Domingos ficava feliz da vida. E teve um dia que ele começou a fazer fotos de lá, dizia que queria fazer uma foto contínua, e eu disse que isso tinha nome e ele sabia fazer. Assim nasceu esse filme”, lembra. “No roteiro incluímos muitas histórias particulares. Você dizia uma frase para o Domingos e era um perigo (risos), entrava no filme. Mas ele colocava na boca de outro ator. Sabe por que o nome deste filme foi o primeiro dia de um ano qualquer? Porque tudo era filmado enquanto tinha mais luz do dia, porque não tínhamos um tostão. Todo mundo ficou na minha casa. Umas 40 pessoas passaram por lá. Até meus cachorros entraram no filme”.
Ela continua revisitando suas memórias e compartilha conosco. “Lembro que a primeira vez que fui dirigida por Domingos, eu ainda era uma atriz resistente, imatura. Não conseguia tocar nas minhas coisas internas, achava que ia morrer. Mas ele sempre foi muito delicado comigo. Domingos não entrava em litígio, não forçava a barra. Para ele, você podia fazer de qualquer jeito, dizia que o teatro era mágico, o cinema, ia dar certo. Aprendi com ele muitas técnicas, e também que, no final das contas, sempre dava certo. Relaxávamos e acreditávamos. Ele era fascinante, tinha muito a oferecer, isso estava presente na sua obra, nos seus filmes”.
Perdas
Logo no início da conversa, a atriz também lamentou a perda de dois grandes artistas brasileiros: o compositor e escritor Aldir Blanc, de 73 anos, que morreu de Covid-19, na madrugada desta segunda-feira, no Hospital Universitário Pedro Ernesto, em Vila Isabel, Zona Norte do Rio. E também, do ator, autor e diretor Flavio Migliaccio, que foi encontrado morto em seu sítio em Rio Bonito, município do Rio de Janeiro. “Foram perdas terríveis. Estamos tão assustados, que tudo contribui para uma depressão geral. Vivemos no pior país do mundo em um momento como esse, de pandemia”, aponta.
A atriz, que hoje postou uma homenagem a Aldir Blanc, declamando “Resposta ao Tempo”, em seu Instagram, faz questão de exaltar o talento e a representatividade do artista “Era um músico de um grande quilate, com letras e músicas que marcaram momentos das vidas de todos. O legado dele aconchega, traz uma coisa sólida, que ninguém pode tirar. A música imprime isso, produz lembranças de um jeito que só ela faz. O Aldir está neste lugar”. E faz sua homenagem à inesquecível “assinatura” de Flavio Migliaccio: “Ele era o tipo de ator que carimbava a cena, porque só ele fazia daquela maneira, única, inteligente. Flavio é do panteão de atores como Grande Otelo (1915-1933), Oscarito (1906-1970), Mazaroppi (o ator Amácio Mazzaropi – 1912-1981). Eles todos tinham assinatura, eram autorais de uma forma única. E Flávio era, além de tudo, um cara leve. Todo mundo gostava dele. Unanimidade”.
Diário do isolamento
Maitê está sozinha na quarentena, e tem produzido uma série de vídeos, tanto para o seu canal, quanto para o Instagram. “Me produzo, tenho um cuidado com o que vou compartilhar, sei enquadrar, vejo o fundo, não faço de qualquer jeito. Fora a série sobre grandes mulheres, que além de gravar, faço o texto, estou escrevendo muito pouco”, revela. “Na verdade, estou tentando sair um pouco do pensamento, se ficar muito nele neste momento, me ferro. Penso no futuro, que está sombrio. Penso em dinheiro, que encolheu. Trabalho, idem. Não é bom pensar muito. E também não consigo pensar muito no ficcional, porque a realidade está muito surreal. Temos que nos adaptar todo dia, como nos relacionar, o que fazer com esses sentimentos. Tem que ter uma estrutura interna muito grande para ficar em pé. Ainda que eu tenha vários recursos para me sentir melhor, há dias que eu já acordo mal. E não sou uma pessoa que acorda deprimida, mas, muitas vezes, ao longo do dia, a realidade vai se impondo”.
Sobre os vídeos, a atriz diz priorizar compartilhar conteúdos de qualidade e dicas.“É a forma de comunicação deste momento. A vantagem de ser uma pessoa pública é que tem gente ali querendo te ouvir. Tento oferecer um conteúdo que enalteça. Já fiz mais de 160 mulheres. Coloco no Instagram e depois os conteúdos vão para o meu canal agrupados”, conta. “Faço lives não de “blá blá blá”, porque acho que já tem muita falação. Faço de yoga, respiração, de teatro, conto o que acontece nos bastidores, isso aproxima as pessoas. Estes dias, li toda a minha obra, comentada e conversada com as histórias de bastidores. As pessoas ficam muito comovidas. Tem uma peça minha, “As Meninas”, que conta a história de duas meninas pequenas no velório da mãe de uma delas, é o tragicômico, porque as mortas saem e conversam com as crianças. Essa peça eu não fiz como atriz, chamei o Amir Haddad e outras atrizes. Fizemos a leitura pelo zoom, o aplicativo de videoconferência. Eu não conseguia ler as rubricas, de tanto que me emocionei. Todas as atrizes se arrebentaram só lendo. E as pessoas, que acompanhavam, também se emocionaram muito. Foi uma experiência como poucas”.
Acha que este momento enaltece a arte e os artistas, que vinham sendo desvalorizados no último ano? “A arte vinha sofrendo ataques por ideologia. Associam pessoas das artes a não apoiadores do presidente Bolsonaro. Também atacaram muito os artistas usando a Lei Rouanet, porque, na verdade, a maioria das pessoas não sabe como ela funciona. O governo não dá dinheiro aos artistas através dela, o que acontece, é que são destinados 4% da empresa que se interessa em patrocinar, para subsidiar o projeto cultural”, esclarece. “E tem outro ponto: não levam em consideração que o governo faz caridade com a nossa bilheteria. A meia entrada é bancada pelos artistas, porque na produção, isso entra no custo do artista. Não há descontos para se levantar uma peça e pagar equipes. Se eles querem fazer esse tipo de gentileza, o governo tem que subsidiar a arte de alguma forma. Os artistas fazem um trabalho importante como qualquer outro. Como em outros momentos, nesta quarentena, se consome a arte que eles fazem, estão disponíveis: os filmes, os livros, as visitas a museus pelo mundo todo, as grandes orquestras”.
Que mundo você espera que se abra pra nós depois desta fase? “Não consigo pensar para frente. Mas sou militante ambiental. Então, penso que tudo isso que está acontecendo, pode, talvez, acelerar uma consciência mais sustentável. Tudo que uso na minha casa é biodegradável. Faço meus produtos de limpeza, ensino no meu canal. Ensino tudo que você precisa fazer para ter uma casa limpa e sem usar produtos que agridam o meio ambiente. Então, espero que seja um mundo de menos consumo, porque não podemos continuar gerando lixo dessa maneira. Que a moda também seja mais sustentável, que possamos consumir menos tudo. Dá para ser feliz com menos”.
Confira o calendário das lives:
7 de maio – Maitê Proença e Adriana Dutra – Domingos de Oliveira e seu processo de criação.
12 de maio – Maria Ribeiro e Adriana Dutra – Domingos de Oliveira, o homem e o personagem.
13 de maio – Betty Faria e Adriana Dutra – Domingos de Oliveira de Leila Diniz no Rio dos anos 60.
19 de maio – Priscila Rozenbaum e Flávia Guimarães – Domingos de Oliveira e o roteiro.
20 de maio – Paulo Betti e Claudia Dutra – Domingos de Oliveira e os atores.
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