*Por Brunna Condini
Duas mães à espera de duas filhas. Assim estão Nanda Costa, grávida de 7 meses, e a percussionista Lan Lanh, que aproveitaram o momento que transborda amor para, ao longo desse mês, fazerem o projeto Duas Mães – Live!, com o objetivo de falar de dupla maternidade e do orgulho lésbico, no Mês da Visibilidade Lésbica, que tem seu dia celebrado no próximo domingo (29). Mas o que podemos aprender com elas? E mais, que direitos ainda precisam ser respeitados e validados na prática? Contra que violências ainda é preciso lutar?
Listamos alguns dados e informações que podem ser preciosos para construirmos o mundo melhor com respeito à diversidade e ao desejo de amar quem se queira. Você sabia, por exemplo, que lesbofobia, lesbocídio e estupro corretivo são nomes de violências cometidas especificamente contra mulheres lésbicas e que o Brasil tem leis que protegem contra esses crimes? Mas, na prática, por falta de dados, mapeamento dessas agressões e políticas públicas, ainda é difícil fazer valer esses direitos. E embora já existam leis que protejam a população LGBTQIA+ e, especificamente, mulheres lésbicas, é muito difícil aplicá-las. Isso se reflete em números, tanto que segundo uma pesquisa realizada por pesquisadoras da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), o lesbocídio, a morte de mulheres em razão de serem lésbicas, aumentou 237% no Brasil entre 2015 e 2019. Esse abismo entre direito e realidade, reflete, além da negligência de políticas públicas, a falta de preparo de alguns agentes públicos.
Nanda e Lan Lanh abordaram em live direitos já adquiridos, mas que ainda enfrentam despreparo e preconceito pela frente. Como por exemplo, o direito que duas mães registrem um filho. No bate papo sobre documentação, burocracias e dificuldades na lei, Nanda e a cantora receberam mulheres que tiveram dificuldades da maternidade ao cartório de registrar seus filhos. Elas falaram com Melissa e Carmen, que encontraram dificuldades para registrar a filha, Carmen, há quase dois anos. “Nossa filha está com 1 ano e 9 meses, mas nem na maternidade e nem no cartório que fomos tinha o espaço escrito ‘filiação’ para registrarmos. Ainda constava espaços somente para ‘pai’ e ‘mãe’. Além disso, a funcionária da maternidade tentou nos fazer passar pelo constrangimento de escrever uma carta nos comprometendo a cuidar da nossa filha. Como assim? Fazem isso com casais héteros?”, relatou Melissa, que é casada com Luana e teve a filha com a companheira através de inseminação artificial. “É um momento lindo, em que estamos vulneráveis. Só queríamos celebrar, mas tivemos que lutar. É uma agressão ter que lutar por um direito”.
Durante o debate, que esclareceu dúvidas importantes, Lan Lahn também desabafou: “Acho que nos veem como minorias mesmo e pensam que não têm tempo para isso. Não é o nosso desejo o combate, mas isso é necessário, porque vai gerar repercussão e os cartórios vão se preparar melhor”. “É lutar pelo que já está resolvido”, completou Nanda. “Isso tudo já foi conquistado, só estão ainda dificultando”, afirma Nanda, que desde que tornou público seu relacionamento com a artista baiana faz questão de usar sua visibilidade para falar de temas relevantes para as conquistas LGBTQIA+.
Desde maio de 2011, o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu a união estável para casais do mesmo sexo, marcando um momento histórico de legalização de direitos e da legitimação de relações. Dois anos depois, o Conselho Nacional de Justiça, por meio da Resolução 175, autorizou a realização do casamento civil entre casais homoafetivos, assim como a conversão de união estável em civil. Isso é importante para fazer valer direitos de fato e normalizar as relações. Nanda Costa e Lan Lahn também entendem a importância da representatividade do que vivem e o poder que isso tem de encorajar e inspirar pessoas. Prova disso, é que na estreia das lives, elas receberam a cantora Isabella Taviani e sua mulher, a médica Myllena Varginha, quando Nanda revelou: “A experiência vivida por Isabella e Mylena, a família que elas formaram, fortaleceu o nosso desejo de ter filhos”.
Quase 80 mil casais LGBTQIA+ formalizaram sua relação nos últimos dez ano, desde quando o Brasil entrou para a lista de países que reconhece a união civil entre duas pessoas do mesmo sexo. O apoio da família e dos amigos é importante, mas, acima de tudo, saber que amar quem você quiser é preservado por direitos é fundamental. Já que o processo pessoal para aceitação da própria homoafetividade pode não ser fácil, entender como se salvaguardar neste mundo, pode ser fortalecedor.
Em entrevista recente, a própria Nanda admitiu que teve dificuldades em aceitar sua sexualidade: “Tinha muito medo de falar, de ser quem eu sou. Quando consegui e falei para mim: ‘é isso mesmo, vou contar para minha família’, minha avó tomou um susto, achou que era fase, que ia passar. A minha mãe também ficou meio sem entender. O meu avô, com quem eu tenho uma ligação fortíssima, falou que já desconfiava: ‘Que bom que você entendeu isso, mas levou 21 anos para conseguir se entender, se aceitar. Respeita o tempo da sua mãe, da sua avó, que o importante é o amor”, disse, na ocasião.
E o amor venceu. Nanda se relaciona com Lan Lahn desde 2014 e vive e declara seu amor abertamente desde 2018. Agora realizam o sonho da maternidade, esperando duas meninas, já que Nanda por meio de uma fertilização in vitro, engravidou de gêmeas. As lives foram uma forma das duas dividirem com seu público informações preciosas e abrirem o debate para a falta de preparo do nosso país para acolher e fazer valer direitos da população LGBTQIA+. Mesmo com todos os avanços, ainda há muito a ser feito, já que para casais homoafetivos encontrarem lugares em que são totalmente aceitos e respeitados nem sempre é tarefa fácil. Lutar ainda é preciso, bem como denunciar e dar visibilidade a qualquer tipo de preconceito ou exclusão. E quem sabe um dia, possamos comemorar que todo preconceito ficou no passado e que a visibilidade batalhada foi conquistada.
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