*Por Brunna Condini
É ícone, que se diz? Sim, é por aí. Claudia Liz mora no imaginário do público como a top model super requisitada por grandes estilistas do mundo no cenário da moda dos 90’s. Continua bela e apreciando os belos que habitam o mundo em sua diversidade. E, da modelo do passado, agregou o olhar sensível e aguçado. “Continuo acompanhando a moda porque gosto da estética fashion. E tenho muitos amigos no meio. Quero saber o que está acontecendo. E, para isso, o Instagram é maravilhoso. Adoro observar os conceitos. O que gosto é quando uma foto consegue retratar um inconsciente coletivo, por exemplo. A ideia, sabe? Curtia representar uma ideia, a criação. Mas hoje quando penso em moda para me vestir, o meu foco é o básico, o confortável, isso basta e é ótimo”.
Artista plástica e ilustradora há alguns anos, ela trabalha no ateliê que mantém em seu apartamento, em São Paulo, onde cria suas pinturas e faz ilustrações para a coluna Tendências e Debates da Folha de S. Paulo há cinco anos. “Também faço portraits por encomenda, ilustrações para moda. Há pouco tempo criei uma série de 30 ilustrações para a Carolina Ferraz. Já fiz para arquitetura também”, detalha. “Algo que mais me dá satisfação é ficar trancada no ateliê criando, estudando… Sou bem disciplinada. Hoje em dia acordo de domingo a domingo, às 6h”.
Claudia Liz conversou com o site por vídeo conferência e mostrou seu ambiente criativo. A empolgação falando do encontro com o ofício artístico era evidente. Salve, Claudia, que está onde quer estar! “Gosto muito do que faço. Adoro conhecer a história por trás dos clientes, por exemplo. Essas camadas das pessoas que vão se revelando me interessam. A pintura e o desenho estão na minha vida há muito tempo, sempre tive esse interesse. E, depois que deixei de ser modelo, tenho um escritório de design gráfico, a Miss Lily Comunicação, desde 2005, mas há cerca de seis anos não estou mais à frente”, conta.
“Como pintora e ilustradora também desenvolvo trabalhos para mim. E tem uma ONG para a qual faço ilustrações: a Turma do Bem. Estou desenvolvendo um projeto com a Carolina Ferraz também, e além disso, tenho um grupo de estudo semanal sobre arte. Minha vida prática não mudou muito com a pandemia, sempre trabalhei mais de casa mesmo”.
Em abril deste ano, pensando na conscientização por conta da pandemia do novo coronavírus, e também no aumento das taxas de violência doméstica durante o isolamento social, a ilustradora repaginou seis telas que pintou entre 2015 e 2017, e um autorretrato também, colocando máscaras nos rostos femininos: “Dei um sentido de alerta duplo. As Mascaradas é uma série que é 100% revertida para o projeto #apoloniasdobem da ONG Turma do Bem, uma ação que cuida de mulheres que sofrem violência e que tem na direção Fábio Bibancos. Ajudo esse projeto há 10 anos. São dentistas do Brasil inteiro que cuidam das mulheres agredidas, trans, uma pluralidade total. Foram mais de 70 mil atendimentos. Peguei obras do meu acervo pessoal e ressignifiquei quando essa pandemia começou em prol da ação”.
Orgulho de ser
Aos 51 anos, Claudia gosta da vida que vem levando nos últimos anos. Casada com Beto Giorgi, e mãe de Lucca Salvatore de 27 anos, da sua união com Ângelo Leuzzi (que não resistiu a um infarto em abril deste ano); ela gosta verdadeiramente de existir em outro ritmo, longe das badalações que a fama atrai. “Sou feliz com muita coisa na minha vida. Me orgulho da modelo que fui. Disciplinada, bom caráter. Dei conta dessa carreira, foi muito legal. Me orgulho dessa disciplina de trabalho, que veio para o meu outro ofício. Estou fazendo o que amo e isso basta totalmente. Não sei aonde vou chegar, mas tenho que fazer o meu melhor hoje. Nem sei se vou estar aqui amanhã. É hoje que temos que viver com prazer, amor, entrega. Amanhã, eu não sei”.
“Também tenho orgulho do meu relacionamento de 16 anos com o Beto. Moramos juntos por oito anos, mas depois resolvemos morar em casas separadas e dá tão certo. Nos vemos todos os dias, e diariamente escolhemos estar juntos. E também me orgulho muito do meu filho. Tenho visto ele matar um monte de leões, estou admirando. Ele se coloca, é inteligente, culto. Isso me deixa muito feliz, apesar dos problemas que ele está enfrentando com a perda do pai. Quando eu vejo o Lucca lidar com a vida, tenho a certeza que tenho sido boa mãe. Ele trabalha como diretor de vídeo clipes e produção, criação de eventos, curadoria”.
Pressão estética
Claudia era modelo e atriz quando em 1997, aos 27 anos, entrou em coma após parada cardiorrespiratória durante uma lipoaspiração. Do episódio ficaram aprendizados e uma outra observação da vida. “O meu caso mudou o protocolo para este tipo de procedimento. Eu tinha 10% de chance de sair de tudo como estou hoje. Quero deixar claro que não sou contra procedimentos, mas acho que devem ser bem pensados, ter esse limite. Na época que fiz, as pessoas falavam que era por vaidade e tal, mas era o meu trabalho. Eu era o objeto do que fazia e trabalhava muito, não tirava férias. Não tinha tempo para malhar, me cuidar. Fiz sem pensar muito, fui na demanda”, recorda.
Na época, a pressão estética já se impunha com força, principalmente no mercado da moda. Mas, na verdade, essa pressão é anterior, e alimentada historicamente por um sistema que busca gerar insatisfação nos corpos que não se adequam. No entanto, já faz tempo que Claudia vem se relacionando com a questão de outra forma. “Engordei um pouco ano passado e fiz mudanças pela minha saúde, bem-estar, mas sentia a gordofobia, os olhares para mim. Era como se tivessem dizendo ao me olhar, que eu deveria estar na forma que esperavam. Fiz as mudanças para me sentir melhor, estava pré-diabética. Desencanei com peso, cuido da saúde, faço terapia, parei de fumar há dois anos, logo depois de um processo difícil quando meu pai morreu”.
E comenta ainda sobre os movimentos que vem ajudando as mulheres a desconstruir a ideia dos padrões, como o Body Positive no Estados Unidos, e o Corpo Livre por aqui, que disseminam o amor aos corpos em sua diversidade: “Esses movimentos geram identificação, todo mundo quer se identificar. Vem existindo uma transformação de representatividade. Ouvir o que as pessoas estão falando, te ajuda a se posicionar”.
No aqui e agora
Levando uma vida tranquila e reservada, ela diz que hoje prefere estar nos bastidores, do lado da criação. “Foi uma escolha. Não tenho vocação para ser celebridade, estou feliz assim. Só não me sinto melhor no momento por conta desta pandemia e de tudo que está acontecendo no mundo”, revela. “Acredito que tudo que passei me levou mais próxima do que sou. Passei por uma depressão de sete anos após o coma, então aprofundei a sensibilidade. Ainda mais. Sou mais empática, sensível. Sou confortável dentro de mim. Não faço personagens para ser aceita, me defender. É bom me sentir assim, dá paz. Desde então, vivo um dia de cada vez, e aprendi a lidar com a minha energia também, que é o que define o dia de amanhã, as escolhas”.
A artista compartilha sua visão sobre o processo de mudanças para uma vida mais inteira. “Falo por mim, o processo de largar o cigarro depois de tantos anos, de pensar mais na minha saúde, de fazer exercícios para me sentir mais leve, confortável, enfim, tudo isso leva tempo, não é do dia para a noite. A mudança em mim, para acontecer, tem que ser sentida. E, às vezes é lenta, mas é por mim, então vale. Quando larguei o cigarro, por exemplo, fui para o açúcar, transferi a compulsão. Então, se é que pode ter um conselho, é de se conhecer, aprender a lidar, até para fazer mudanças duráveis”.
Claudia é atenta à vida, às sensações, aos encontros, às histórias que inspiram a sua arte e o seu trabalho, todos os dias, como se fossem os únicos: o que ela quer é o essencial. “Me perguntam sobre sonhos, não tenho mesmo esses a longo prazo, vivo hoje. Acredito que o amanhã vem de hoje. De ser verdadeira, inteira, fazer o meu trabalho, e controlar minha energia. Busco o que é fundamental em mim, o que vai me tornar melhor, sem grandes planejamentos, expectativas”.
E o mundo pós pandemia vai ser um lugar melhor para viver? “Não sei. Como saber? (risos). Muitas pessoas se sensibilizaram, muita gente ficou com medo. Outras piraram e ficaram mais egoístas. Mas o que percebemos é que essa crise toda fez as pessoas enxergarem mais causas urgentes, sociais, vejo muita gente se mobilizando, envolvendo. Acho que muita gente não vai aproveitar a oportunidade de melhorar, e outras pessoas vão. Vamos ter que escolher mais com quem estaremos, onde vamos. Como já faço na minha vida. Me reservei, escolho a energia de quem desejo me relacionar. Mas acho que uma coisa que vem vindo para ficar neste mundo que se constrói é a aceitação da diversidade, nenhum mais desrespeito será tolerável. Isso pode ser um caminho de mais paz”.
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