Mostra traz Pelé no chuveiro e desnuda sua alma numa época em que ser célebre significava ter talento!


“A Construção de um Rei” desvenda o processo de elaboração de uma celebridade em período anterior à atual banalização midiática

Havia um tempo em que mulheres-fruta seriam, no máximo, personagens da Hanna-Barbera e que, para ser celebridade, era precisão fazer, digamos… algo célebre. Era necessário ter um talento fora do comum ou beleza estonteante, daquelas que põe a nocaute todo mundo à sua volta. Não se cogitava adquirir estrelato por osmose, apenas por estar saindo com alguém conhecido da mídia – tipo o atleta do século –, para depois virar apresentadora de programa infantil. Bom, isso até acontecia vez por outra, mas era bem menos. Era tempo em que ter desfrutado da companhia de um presidente da República em evento público, envergando modelito embalado a vácuo com a calcinha à mostra, dava, no máximo, meia hora de fama na imprensa marrom. E, óbvio, ainda não era possível encontrar nas prateleiras dos supermercados pencas de wannabes anabolizados recémeliminados de reality shows porque, simplesmente, nem existia ainda esse tipo de papa-audiência.

Havia, no máximo, concorrentes a quiz shows em programas de auditório, como aquela noiva da Pavuna, no Rio, que queria amealhar uns trocados para fazer o enxoval, nos anos 1960, e acabou sendo catapultada para a fama momentânea por conta de seu genuíno desejo. Ela não virou celebridade por mais que 15 minutos, não posou para a Playboy, nem encheu a burra cobrando presença vip em festas e primeiras filas de desfiles. Deve ter casado, tido filhos, engordado. Não, nessa época ninguém galgava os degraus da fama por ter sido perseguida por universitários em ponto de bala ao usar tubinho vermelho menor que um bustiê. Ninguém desse calibre freqüentava o sofá da Hebe, quiçá o de Marisa Urban. Nem haviam surgido ainda tais panicats que são manequim 44, mas alegam vestir 36 só porque são amigas da helanca ou de algum outro fio sintético com elastano.

Já nos anos 1970, surgiu o velhinho conaisseur de formigas, Mario Autuori, que sabia tudo sobre saúvas e concorria ao prêmio máximo em um programa de perguntas na TV Globo, “8 ou 800?” (1976), apresentado por Paulo Gracindo, com uma Sílvia Bandeira – ainda Falkenburg – entregando troféus. Essa sim, elevada à estrela e se tornando famosa. Mas quem não ficaria famoso ao lado do Paulo Gracindo, não é mesmo? O especialista em insetos concorria com Clodovil, que se tornou conhecido do grande público nesse mesmo dominical, respondendo tudo sobre a rainha de Araxá, Dona Beja, autêntica personagem de um período da história em que a Corte afundava na lama mais no sentido literal do que naquele que envolve os atuais episódios rocambolescos de Brasília. Clodovil até já era famoso em certas rodas, mas foi aí que ganhou o estrelato, com sua empatia no programa lhe valendo quadro no matinal “TV Mulher”, atração mulherzinha da Rede Globo, típica daquele momento de emancipação feminina, mesma época em que “As Panteras”, “Police Woman” e “Mulher Maravilha” eram os enlatados de sucesso na televisão e Betty Faria exibia as pernocas nos musicais da emissora. Aliás, Marília Gabriela se tornou Marília Gabriela apresentando esse mesmo matutino onde Clodô dava expediente, ofuscando outras jornalistas que faziam sucesso na casa até o advento desta atração, como Márcia Mendes e Marisa Raja Gabaglia. Mais isso é caso para outro artigo.

Todo esse blábláblá é para dizer que a Galeria Lume, em São Paulo, abre no dia 10 de junho a exposição Pelé: A Construção de um Rei”, composta por 12 fotografias em preto e branco, feitas por José Dias Herrera (algumas inéditas), e um vídeo que mostram a elegância, versatilidade e o encanto do personagem, dentro e fora dos gramados. Naturalmente, a mostra, com curadoria de Paulo Kassab Jr, vem à esteira da Copa do Mundo que começa dois dias depois, sendo interessante registro de como celebridades do mais alto gabarito eram retratadas em um período em que a Sociedade do Espetáculo ainda se desenhava a passos lentos para se transformar naquilo que virou nestes últimos 25 anos, sobretudo após a supremacia das übbermodels, a chegada da era da comunicação e o surgimento, em seguida, das mídias digitais.

Tem o craque posando ao lado de Mercedes com sorriso de magnata que venceu na vida, dando pinta de enfant terrible na frente da rede, vestindo a camisa da seleção em campo e até tomando chuveirada no vestiário com as curvas do ilíaco à mostra, aludindo a suas partes íntimas – que, aliás, dão levemente o ar de sua graça, sendo quase possível tirar uma casquinha e saber se o astro dos gramados era tão bem dotado quanto falam de Garrincha. Coisa de se levar Elza Soares ao vernissage e mostrar tal imagem para ver, óbvio, o que a moça vai dizer.

Este slideshow necessita de JavaScript.

Em parceria com o Museu Pelé, com inauguração prevista para junho de 2014, a expo conta como ocorreu a construção do mito que conhecemos hoje, como ele transformou Edson Arantes do Nascimento em Pelé. Acompanhado pelo fotógrafo José Dias Herrera entre 1956 e 1966, ele foi retratado em imagens que ficariam guardadas para a eternidade, como o primeiro dia do jogador no Santos Futebol Clube – logo após vestir a camisa do time. Um delicioso relato visual que revela como se construíam personas muito antes da banalização que rege os dias atuais, quando um rei do esporte ainda não precisava usar penteado de calopsita, não era flagrado com travestis em moteis e muito menos topava virar garoto-propaganda de boxeurs. Aliás, o simples fato de alguém se inserir em uma dessas três situações já era mais que suficiente para ser esnobado pelos jet setters, ao invés de virar pauta de atração na tevê.

Além da indiscutível marca deixada na história do esporte, o ex-jogador sempre foi distinto no que se refere ao contato com as pessoas. “Entre celebridades, jornalistas, políticos, artistas e fãs, desde os tempos de jogador até hoje, Pelé se eternizou com simpatia e carisma, dignos de um rei”, comenta Paulo Kassab Jr. Seu lado humano e dedicado é o mote central da exposição, reunindo os principais registros do início de uma carreira estrondosa que o levaria, anos mais tarde, ao título de “rei do futebol”.

Serviço

Exposição: Pelé: A Construção de um Rei

Curadoria: Paulo Kassab Jr.

Coordenação: Felipe Hegg

Abertura: 10 de junho de 2014, terça-feira, às 19h

Período: De 11 de junho a 26 de julho de 2014

Local: Galeria LUME – www.galerialume.com

Rua Joaquim Floriano, 711 – 2º andar – Itaim Bibi – São Paulo, SP

Tel.: (11) 3704.6268

Horário: Segunda a sexta-feira, das 10h às 19h. Sábado, das 11h às 14h