* Por Carlos Lima Costa
Há sete anos, Milton Cunha brinda os seguidores de sua rede social com vídeos crônicas que transmitem positividade e que, em um momento de crise como a que atravessamos por conta da pandemia da covid-19, ajudaram a levar paz para as pessoas. Mas, apesar desse jeito de conduzir a vida, através dos ensinamentos, ele, de forma peculiar, revela que também deu surtadas nesse período. “E não foram pequenas. Aliás, acho que eu sou um surto (risos). A positividade é a consciência de que a crise existe. Viver é uma crise, é a superação do obstáculo, então, ser positivo não significa que você não lida com a incompletude, com a dor, o sofrimento ou mesmo com a surtada econômica, em um momento como esse, em que pensa ‘o que vou fazer para pagar os meus boletos?’. A positividade não te faz viver sem dor, mas faz você lidar melhor com ela”, comenta sobre seus ensinamentos que vão estar no livro Viva e Aproveite – O Primeiro Ano do Resto das Nossa Vidas, que vai ser lançado em novembro.
Com essa maneira de conduzir a própria vida foi se equilibrando e mantendo a cabeça no lugar inventando ocupações. “Não acredito nesta sanidade do estou calmo, bem colocado, bem posicionado na vida. A sanidade é equilibrar a loucura. Então, eu a mantive arrumando gavetas, pintando paredes. Amo abrir lata de tinta, pegar o pincel e sair pintando cores no escritório, no corredor, na sala. Adoro obra, o quebra-quebra, mexer a massa, a colher do pedreiro. E aí limpei a casa toda, arrumei minhas fotos, meus arquivos. Digitalizei a minha vida. Então, eu me ocupo. Sou mestre nisso. Quando chega oito, nove, dez horas da noite, estou morrendo de cansaço”, explica o também cenógrafo.
Foi assim, seguindo sempre esta linha de raciocínio e exercitando a paciência que Milton se colocou diante da vida e do preconceito que enfrenta por conta de sua orientação sexual. E nunca se deixou abater. Pelo contrário, sempre bateu de frente. “Eu posso abrir a cabeça das pessoas, colocar lá o não preconceito, mas para isso tenho que ter calma, tanto é que eu sobrevivi e fui comendo pelas beiradas. Nunca negociei. Por exemplo, quando uma diretora da TVE me disse ‘Ah, Milton se você não fosse veado assumido eu te dava um programa para você apresentar’, mandei enfiar naquele lugar. Enfrentei pai e mãe e a Belém do Pará dos anos 60 e 70, então, não vou fingir, enganar para comandar um programa. Vivo livremente a minha sexualidade”, ressalta ele, que é formado em Psicologia.
Mesmo sendo uma personalidade do carnaval, Milton ainda convive com atitudes preconceituosas. “Tenho o privilégio branco desde que eu nasci, mas tenho o desprivilégio dos LGBTQIA+. Assim, desde criança experimentei as duas sensações: a do privilégio e a da perseguição. Como nasci criança veada, era muito bicha, pintosa, os adultos não sabiam o que fazer comigo e a opção era se eu desaparecesse ou morresse. Fui sobrevivendo até os 19 anos, quando peguei o pau de arara e fui embora. Em relação à situação discriminatória você tem que ter paciência para sobreviver a ela e lutar lá na frente. Ainda ouço muito ‘olha o veado da Globo, a bicha do carnaval, o gay da folia’. Mas esses comentários não vêm dos meus companheiros de samba”, pontua Milton, que tem pós-doutorado em Letras e Semiologia.
Apesar disso, Milton reforça que ninguém deve ter medo de se expor e viver livremente a sexualidade. Essa questão é inegociável. “Cada um é o que nasceu para ser e tem que exercitar a sua verdade. Só há uma chance de sobreviver : Sendo verdadeiro. Não aceite a negociação da compra que o sistema quer fazer da tua verdade. Você vai se arrepender amargamente. Vai viver em um lugar democrata lavando prato, mas vai ser quem você é. Uma hora melhora. Acredite depois da tempestade virá a bonança. Não há família, dinheiro, carreira que valha a pena se você não for de verdade, não dá para ser feliz mentindo e ponto final”, avalia.
Levar a verdade e a positividade para as pessoas tem sido uma missão. Assim, durante o isolamento social, Milton organizou seus escritos que vão estar no livro a ser lançado pela Faro Editorial. “São textos que servem para que as pessoas busquem força em si mesmas, na espiritualidade. Entendam que esse mundo não é só o material. Então, ele vai auxiliar na descoberta da força individual para enfrentar qualquer crise, seja de idade, casamento, sexualidade e se encaixa também com a pandemia. São crônicas que ajudam a tomar decisões e a levar a vida para frente. A partir do momento que você toma decisão pelo bem viver, este será o primeiro ano do resto de sua vida”, explica.
Milton entende que as pessoas devem aproveitar a existência como uma dádiva, sendo aquilo que sonham, planejam, querem ou desejam ser. “As pessoas se perdem nesse eixo de quem eu sou, o que eu quero, qual é a minha vibe, a minha turma. Ficam querendo agradar pai, filho, marido, padre e se afastam do seu pequeno eixo. Então, se conheça e se pergunte: ‘Eu estou feliz?’”, propõe Milton.
A contracapa conta com texto do Padre Fábio de Melo. “É um querido amigo que vibra nessa praia do bem. Eu não sou religioso, mas o considero para além da religiosidade. É possível perceber vibrações de energia em pessoas que são de outros templos, então, a religião não nos afasta, pelo contrário, aproxima. Aí tem três apresentações, uma da Flávia Oliveira, minha querida amiga sambista, jornalista, Miguel Falabella, meu irmão de 40 anos de amizade, brincadeira, carnaval, samba, e Fátima Bernardes, minha amada amiga com quem divido o camarote Globeleza. Eles mostram a pluralidade da minha existência, são irmãos, parceiros de jornada da vida artística e do pensar”, conta ele, que a partir do próximo sábado até 13 de novembro, vai estar no programa Seleção do Samba.
Nesta parceria da Globo com a Liesa, sob o comando de Luis Roberto e comentários de Milton e da cantora Teresa Cristina, as escolas vão apresentar os sambas finalistas dos desfiles que devem marcar o retorno do Carnaval, cancelado este ano pela pandemia. “Eu nem digo que é carnaval 2022, mas a próxima folia. Aprendi com a pandemia que tudo muda de uma hora para outra. Então, na próxima folia, se tudo correr bem com vacinação, se não tiver mutação do vírus, estaremos lá. Caso contrário, pode virar para 2023. A gente não manda no mundo. Temos que combinar com a morte, com a natureza. No programa, vamos estar em um estúdio com tudo controlado, todo mundo vacinado, com máscara, mantendo distanciamento, somente 15 integrantes da bateria bem distantes, um cantor, uma porta-bandeira e um mestre-sala. Vamos devagar. Nas gravações a alegria é toda asséptica, hospitalar, é tudo muito controlado e tem que ser. Então, me sinto nesse estágio que não é a loucura, o torpor, a doidice do abraço, do suor. É uma transição aguardando a ciência, os índices de contágio dizerem podem celebrar. Por enquanto a retomada das atividades é a meia boca”, analisa. E prossegue: “Então, não tenho expectativa para o desfile. A minha expectativa é para a vacina e para a ciência, que os cientistas digam que está ok ir para o sambódromo e ter desfile e que assim, a realidade possa voltar. Por enquanto, da minha parte, é tudo cauteloso”, observa.
E assegura que a pandemia não o transformou. “Desde criança sei que a vida não é só prazer, curtição, lacração. Ela é muito de desaparecer, de grandes dores, tristezas. A morte é parte esperável do existir. Hoje, a grande diferença é o sentimento de que ‘sobrevivemos, somos os que restaram, vamos ter que honrar ter ficado’. Então, o sentimento é de que me cuidei, esperei a vacina, resisti e estou aqui. Como honramos o sofrimento dos 600 mil mortos, 600 mil famílias? A gente aplaude e lembra deles. É através da alegria que a humanidade tem se superado e avançado. Ela nos leva às pesquisas, a ciência, a academia, ao bem viver, ao abraço, a humanidade, ao sentimento. A alegria é a porta de entrada para esse futuro que nós estaremos inaugurando nesse primeiro ano do resto de nossas vidas. Viva e aproveite”, aponta.
E aconselha: “Não fique esperando ser feliz no futuro, seja você hoje, não guarde nada para amanhã. Eu fiz tudo, aproveitei. A vida não me deve nada, eu não devo nada para a vida. Posso ir embora agora, que está tudo certo. Tenho aproveitado a minha vida e é isso que coloco nos meus vídeos, nos meus textos. Aproveita, não espera vir a dor para valorizar quem você é”, finaliza.
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