Michele Muniz estreia como roteirista com Mônica Carvalho e escreve sobre maternidade, tirando tabu da ‘mãe guerreira’


Ela estrela a comédia ‘Licença para Enlouquecer’, em cartaz nos cinemas, ao lado de Mônica Carvalho e Danielle Winits. O longa dirigido por Hsu Chien, é a estreia também de Michele como roteirista para o grande público. Nesta matéria, ela fala, em artigo exclusivo, para muitas as mãe, que lidam com desafios reais, como ela, ao começar a trilhar essa jornada: “Escrevo para todas as mães, principalmente as mães que maternam sozinhas e convivem com a sombra de um “supervisor de maternidade” que se intitula pai. Fui mãe aos 29 anos, poderia ter sido aos 18, ou mesmo aos 35, não mudaria o sentimento e a transformação que dar à luz fez comigo. A maternidade me deu uma nova chance de fazer a minha vida melhor, e ser vivida na companhia de alguém que iria descobrir boa parte de tudo que existe através de mim. Não demorou muito tempo, para eu perceber que todo esse significado e essa profundidade sobre ter uma filha, não era também uma percepção do pai dela, a quem eu tinha por marido e companheiro”

*Por Brunna Condini

Quando falamos de mulheres potentes e maternidade, é muito comum usarmos o adjetivo ‘guerreiras’. Mas é preciso parar de romantizar a sobrecarga que acomete tantas mulheres no Brasil e no mundo afora. E porque maio é um mês que exalta o maternar (com o Dias das Mães celebrado no segundo domingo, dia 12), além de termos lançado a nossa nova série de matérias ‘Tudo o que eu queria te dizer’, com mães artistas e personalidades falando diretamente para seus filhos, também convidamos a atriz, roteirista e produtora cultural  Michele Muniz para escrever um artigo dividindo sua experiência da maternidade.

Ela estrela a comédia ‘Licença para Enlouquecer‘, em cartaz nos cinemas, ao lado de Mônica Carvalho e Danielle Winits. O longa dirigido por Hsu Chien, é a estreia de Michele como roteirista para o grande público. “Sou atriz há mais de 20 anos, meus estudos no teatro começaram muito cedo e dediquei-me a democratizar a arte e a cultura pelo Brasil através do teatro ininterruptamente por nove anos: foram diversas peças autorais, musicais, atuei, dirigi, conheci o país, gerei acesso aos espetáculos, e isso sempre será a marca registrada do meu trabalho, mas chegou um momento em que eu queria novas linguagens, e foi aí que novamente através do estudo criei minhas oportunidades e pontes. Fui estudar roteiro com o intuito de escrever para o audiovisual e me inserir como atriz nesse mercado. E deu certo! É muito significativo, muito recompensador, apresentar o meu trabalho no audiovisual através do cinema”.

Michele Muniz estreia como roteirista ao lado de Mônica Carvalho e escreve artigo sobre maternidade, desmistificando o termo 'mãe guerreira' (Divulgação)

Michele Muniz estreia como roteirista ao lado de Mônica Carvalho e escreve artigo sobre maternidade, desmistificando o termo ‘mãe guerreira’ (Divulgação)

Sobre comédias na Sétima Arte ainda serem consideradas um gênero menor por muitos amantes do cinema, a artista comenta. “As comédias brasileiras são uma tradição no país e lamento que ainda exista esse lugar. Todo comediante é ator, mas nem todo ator faz comédia. Não é, e nunca foi, menor fazer comédia, além de não ser fácil. Dito isso, o que tem de mais bonito em nosso filme é a capacidade que ele tem – muito em virtude do elenco, que é um time de atores talentosos, que tem anos de conhecimento e estrada – de nos fazer rir e nos emocionar, de ser sensível ao tempo, um filme que toca na necessidade das urgências do agora, de viver hoje, simples e afetuoso com muitas doses de humor. Deve ser visto pelo que mencionei e também por ser um filme nacional, então que possamos enaltecer nossa cultura, nosso cinema brasileiro e suas produções”, expõe Michele, aos 39 anos, que começou a carreira no teatro ainda criança, aos 12, em Ribeirão Pires (SP).

Michele Muniz, Danielle Winits e Mônica Carvalho em 'Licença para Enlouquecer' (Divulgação)

Michele Muniz, Danielle Winits e Mônica Carvalho em ‘Licença para Enlouquecer’ (Divulgação)

Mãe de Pietra, de 9 anos, do seu primeiro casamento, e de José Mário de 1, do seu atual casamento, com Danilo Baron, Michele diz que a maternidade é tema seu na vida e na arte:

O meu melhor papel é ser mãe e minhas maiores artes são meus filhos (risos). Amo maternar e passei a ver a vida sob outras perspectivas após a chegada deles. Tenho histórias com esse tema, é sempre muito tocante falar sobre a maternidade, um tema universal que todos tem muito a dizer, temos a premissa de um longa em andamento, será um filme sensível, repleto de emoções e identificações – Michele Muniz

Michele Muniz e a filha Pietra: "Meus filhos são minhas melhores artes (risos)" (Divulgação)

Michele Muniz e a filha Pietra: “Meus filhos são minhas melhores artes (risos)” (Divulgação)

Michele Muniz e os filhos (Acervo familiar)

Michele Muniz e os filhos (Acervo familiar)

 

Com a palavra, Michele Muniz:

Mães solo e a sombra da ‘supervisão’

“Escrevo para todas as mães, principalmente as mães que maternam sozinhas e convivem com a sombra de um “supervisor de maternidade” que se intitula pai.

Fui mãe aos 29 anos, poderia ter sido aos 18, ou mesmo aos 35, não mudaria o sentimento e a transformação que dar a luz fez comigo.

 A maternidade me deu uma nova chance de fazer a minha vida melhor, e ser vivida na companhia de alguém que iria descobrir boa parte de tudo que existe através de mim. Não demorou muito tempo, para eu perceber que todo esse significado e essa profundidade sobre ter uma filha, não era também uma percepção do pai dela, a quem eu tinha por marido e companheiro, e a quem eu já estava cansada de evidenciar que eu queria mais da vida.

O nascimento da minha filha virou meu mundo de cabeça para baixo e por esse ângulo fui de encontro a tudo que eu queria. Evoluir. Quando a gente entende que de fato estamos aqui para isso, não queremos mais perder tempo com o que não interessa. A vida com uma criança pede urgências atencionais e mesmo despreparada, você amadurece e se vê fazendo.

Eu não cozinhava, mas pela minha filha fazia almoço, jantar, eu não tinha qualquer habilidade, mas meu colo era onde melhor ela ficava e se encaixava. Não demorou muito e o casamento acabou. Eu não queria mais. Não é fácil, ainda hoje, uma mulher querer se separar e se você tiver filhos, pode ser ainda pior, infelizmente.

Até acreditei durante um tempo, que teríamos a maturidade dos anos de convivência, 11 anos ao todo, para lidar e fazer o melhor por nossa filha, mas a verdade é que quando visões de mundo são completamente diferentes, isso dificulta muito a vida de uma criança.

Eu queria acordo, ele entrou na justiça, processo litigioso, saiu tudo, divórcio, divisão de bens, guarda unilateral para mim (como eu queria mesmo), cada caso é um caso, mas no meu, seria ainda pior, caso minha filha estivesse numa guarda compartilhada sob a competição das visões de mundo que são melhores para ela, e não se entendem, nunca.

Desde que me separei, faço um exercício interessante para maternar. Não discuto com o pai da minha filha, não falo sobre o que eu penso, apenas reajo judicialmente, me defendo contra várias acusações contra minha índole, meu caráter, minha maternidade. Minha filha, procurei preservar, não falar do assunto e sempre mantive seus direitos assegurados, visitas, férias, telefonemas, além de educação, saúde, bem-estar, terapia e amor, muito amor.

Eu sou a bruxa má, porque coloco regras, brigo por horários escolares, higiene, educação.

Eu sou o colo, o abrigo, a parceria, os ensinamentos e o exemplo diário.

Eu sou a mãe que não abre mão do melhor que eu posso fazer e como eu posso cuidar e ensinar dando todo ampararo que minha filha precisa para ser “gente”.

Eu descobri na maternidade, que a gente não nasce “gente”. A gente nasce dependente. Se com sorte tivermos apoio emocional quando crianças, saímos um pouco melhores. Ainda assim, com as ferramentas adequadas do exercício da vida, vamos nos tornando “gente” dentro da moral e normas sociais.

Recentemente, entrei a convite de uma amiga mãe solo, em um grupo de mulheres que são mães solo também. Existia uma advogada orientando no grupo, auxiliando mulheres que acabaram de se separar dos genitores de seus filhos e estavam completamente perdidas com todas as informações. Fiquei muito impressionada com os relatos, como existem mulheres que estavam completamente assombradas com o “supervisor de maternidade”. O cara que detém o título de “o pai”, e com isso atormenta a vida das mulheres em uma separação. Ora, ele não tem real interesse em paternar, ele quer ser o que sempre foi estruturalmente o “líder” o “chefe”, quem manda, que dá a última palavra porque ele é o “pai”.

É machismo, transvestido de “eu me preocupo, eu sou o “pai” mas não é o pai para o dever de casa, não é o pai para consulta médica, não é o pai para educar, é o “pai de instagram” e essa mãe além de todo maternar solo, tem que lidar com o supervisor.

O supervisor não deixa ela mudar de trabalho ou cidade, não pode namorar, tudo sob a mesma ameaça “é minha filha”, “eu sou o pai”. O supervisor não é flexível e se não confrontado, impera e sufoca mulheres, sim, não são só mães, são mulheres, não é porque você se tornou mãe que deixou de existir inclusive para você mesmo.

Tudo isso com a adição de um grande componente que acompanha as mães, desde que se tornam mães: a culpa. Porque me separei? O que eu faço agora? A culpa é minha.

Sempre ouvi dizer que mulheres são fortes, com a maternidade, entendi que se não somos, somos forçosamente obrigadas a ser. Ninguém é forte o tempo todo e agora ainda bem, vivemos um momento que mulheres estão buscando apoiar-se.

Minha filha tem 9 anos, há 5 anos o pai dela trava uma briga judicial comigo pela guarda dela, Ele briga sozinho, eu me defendo, ele briga, eu crio minha filha, educo, ensino, busco ser o máximo de mim mesma para ser uma referência de mulher que não aceita “um cala boca, eu sou o pai”. Respeito e sempre respeitarei o genitor da minha filha, seus direitos, respeitando os meus também. Confesso a vocês que é cansativo e tenho por certo que muitas de nós se cansam pelo caminho, desistem, mas entendo também que a força de um relato de uma mãe pode muitp. Estou longe de saber o caminho certo, mas cuido e faço de tudo para que minha filha possa crescer em um ambiente saudável ou seria em alguma parte mais afetuoso?

Eu não vejo a “supervisão”, eu sou sola, surda, nunca muda. Não deixo de me posicionar, não mais para o pai da minha filha, mas para ela e para a sociedade, enquanto correr os processos judiciais a quem também devo dar conta.

As mães não são o “todo” de um filho, mas elas são parte, uma grande parte.

Eu não posso fazer pelo outro, mas eu posso fazer por mim e por minha filha, posso fazer por nós. Posso seguir de mãos dadas com ela mesmo a cada nova notificação judicial, incomodada por quem não se importa.

A melhor coisa que um pai pode fazer por um filho é respeitar a mãe dele.

Cansadas? Sim, muito, porém com o coração abastecido, fortificado pela maternidade. Descobri que realmente filhos não nos impedem de fazer um trabalho importante, eles são o trabalho importante. Sempre.

 Feliz Dia das Mães”.

"Meu melhor papel é ser mãe e minhas maiores artes são meus filhos (risos). Amo maternar e passei a ver a vida sob outras perspectivas após a chegada deles" (Divulgação)

“Meu melhor papel é ser mãe e minhas maiores artes são meus filhos (risos). Amo maternar e passei a ver a vida sob outras perspectivas após a chegada deles” (Divulgação)