*Por Brunna Condini
Com retorno à TV na pele de uma vilã em ‘Cara e Coragem‘, a nova das 19h da Globo, e turnê do espetáculo ‘Misery‘, em cartaz no Rio de Janeiro até 5 de junho, no Teatro Firjan Sesi, tem gente que ainda se pergunta o que Mel Lisboa tem feito. Eternizada no imaginário do público na sua estreia em ‘Presença de Anita‘, há 21 anos, a atriz gosta mesmo é de trabalhar, e não tanto da atenção que a notoriedade traz. “Não tem julgamento no que vou dizer, mas querer ser atriz e desejar ser famosa, são coisas diferentes. Claro que você pode lidar muito bem com as duas. Conheço atrizes maravilhosas, amigas minhas, que sabem lidar com o trabalho e com a fama. Eu talvez não saiba tanto. Prefiro ser reconhecida a ser conhecida”, divide Mel, que também tem feito do teatro seu ‘chão’ nos últimos anos.
De volta à Globo após 14 anos longe da emissora, e passagem de cinco na Record, ela avalia: “Não foi falta de vontade de ambas as partes. E quando assinei com a Globo para fazer aquela ‘Malhação’, em 2020, veio a pandemia e a novela foi cancelada. Aí a agenda abriu e me chamaram para essa”.
Tendo estreado aos 19 anos em uma minissérie de sucesso, Mel diz que a superexposição da profissão é algo que já a deixava apreensiva. “Começar na Globo, em ‘Presença de Anita’, foi bastante avassalador para mim. Minha única preocupação na época era fazer bem. E veio toda aquela avalanche, e eu achando que já era madura o suficiente para lidar, mas não era”, recorda.
“E sabe o engraçado? É que olhando hoje com distanciamento, algumas decisões minhas deste período, já apontavam os tipos de caminhos que escolheria. No ano seguinte à minissérie, eu estava no auge, e decidi pegar um dinheiro que tinha guardado, e bancar a produção de uma peça no Porão da Casa de Cultura Laura Alvim, um lugar pequeno, longe daquilo que estava vivendo, porque entendi que precisava de um ‘chão’, precisava me ‘aterrar’ no palco. Na época me pareceu muito natural essa opção, mas hoje sei que não é uma escolha comum em uma situação dessas”.
Mulheres nada ortodoxas
Aos 40 anos, Mel celebra a volta à TV, exercitando a vilania na pele de Regina, vilã de ‘Cara e Coragem‘, trama de Claudia Souto, e ao mesmo tempo, experimenta no teatro a loucura da enfermeira Annie Wilkes, papel eternizado no cinema na década de 90 por Kate Bates. “Do filme para a montagem atual, já se passaram 32 anos. Optamos por uma abordagem menos maniqueísta, estereotipada da psicopatia dela, de ser uma personagem que desde o início dá medo. Trabalhamos a ambiguidade. A minha Annie é mais divertida. Começam achando ela até legal, depois vão percebendo que ela é bem estranha também”, diz sobre o espetáculo com texto de Stephen King, que se desenrola quando uma fã salva de um acidente um famoso escritor.
Sobre a novela, ela afirma que mesmo sendo uma vilã, também há espaço para leveza. “É uma super vilã, clássica, mas de uma novela das 19h. A linguagem tem humor. E uma mulher ardilosa, manipuladora, que não se ressente dos meios para conseguir o que deseja. Ela acredita que precisa fazer o que precisa ser feito. É simples. Não tem julgamento, ética”, observa.
“Acho mais divertido fazer as vilãs, e as personagens não tão dentro dos padrões, porque não preciso ficar justificando atitudes. Elas não precisam de defesa. Uma antogonista em uma trama tem uma função, não deixar resolver de cara o obstáculo, senão a historia acaba ali”.
Sendo Rita com amor
Com mais de 20 espetáculos no currículo, a atriz coleciona atuações de mulheres potentes. E guarda com afeto especial os dois anos em que viveu Rita Lee no teatro, de 2014 a 2016, em ‘Rita Lee mora ao lado‘. Do trabalho, surgiu o convite para gravar o audiolivro ‘Rita Lee: Uma autobiografia‘, biografia da Rainha do Rock, e também, uma amizade para a vida. “Fiz esse trabalho a pedido dela. Essa narração foi um desafio absurdo. Fiquei muito imersa novamente na autobiografia. E tem muita coisa que você percebe nas entrelinhas, não exatamente no ela escreve”, analisa. “Minha admiração e devoção por ela são enormes, claro. Mas ela gostar do meu trabalho, gostar de mim, foi uma conquista. Teremos uma ligação eterna. Outras atrizes podem interpretar a Rita, mas o elo que tenho com ela é para sempre”.
A gravação também tem a voz de Guilherme Samora, estudioso da obra da cantora, que vai acrescentar dados ao longo da narração. Mel revela uma curiosidade sobre sua observação da artista: “A Rita tem uma coisa, e sou muito parecida com ela nisso, que é ser insegura. Aí você pensa, a Rita? Aquela do palco? Com tudo o que essa mulher fez, representa, com tudo o que nos deu de presente para a história desse país, com todo o sucesso, ela ainda ser insegura? É algo que a gente não espera. E só falo sobre isso aqui, porque ela deixa isso claro no livro. O que quero dizer, é que em muitos momentos ela diminui sua importância. Imagina, essa potência de artista”.
Sendo o que se é com coragem
Tendo consciência que a arte é uma poderosa ferramenta de provocação da humanidade, ela entende sua trajetória até aqui. “Tem 20 anos que comecei a atuar profissionalmente e muitas coisas aconteceram de lá pra cá. Fui aprendendo com acertos, com erros, indo para onde me sinto mais confortável. Existe uma cobrança das pessoas de você estar sumida, não estar fazendo TV. Respeito os meus movimentos. As vezes não são nem opções deliberadas, e muito mais uma conjunção do que tive de oportunidades e das escolhas que fiz”, aponta.
“Claro que tenho vários arrependimentos (risos), trabalhos que não gosto, mas eles me formaram também. Sem querer ter uma visão ingênua da coisa. As vezes aprendemos mais com os erros do que com os acertos. Não que eu goste de errar, detesto (risos). Mas aprendemos a escolher melhor. Isso nos aprimora na busca de ser cada dia melhores. Tenho uma carreira em construção, então fico satisfeita de ter conquistado um espaço, que curiosamente era o que desejava. Nunca foi o meu desejo ser muito famosa. Sempre preferi ser respeitada pela qualidade do meu trabalho, do que viver as consequências dele”.
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