Maria Gal lança doc.’Pequena África’, avalia responsabilidade social e fala de si para prestar solidariedade à Iza


Em ‘Pequena África’, a atriz, produtora e ativista aborda o período da escravidão no Rio de Janeiro. Ao refletir sobre o Dia Internacional da Mulher Negra Latioamericana e Caribenha, celebrado no próximo dia 25, ela destaca a importância do marco internacional de luta e resistência. Maria Gal também fala da produtora que criou com o objetivo de levar o protagonismo negro para o audiovisual, de inclusão real, e ao compartilhar uma vivência sua, quando teve uma gravidez ectópica e vivenciou a traição de um companheiro no período, comenta o post que fez em solidariedade à cantora Iza, que enfrenta algo similar no momento. “Quando uma apoia a outra, cria-se um movimento ainda maior de acolhimento, que se faz necessário no combate à brutalidade imposta por um mundo ainda tão machista e permissivo, quando o assunto é a desvalorização feminina. O que eu vivi foi muito duro. Na hora a gente pensa que a dor nunca passará. Mas ela passa. E nos ensina. O tempo ajuda a entender que certas histórias não nos pertencem. E que, na maioria das vezes, a gente está mesmo se livrando de algo que nos faria muito mal”

*Por Brunna Condini

É celebrado em 25 de julho o Dia Internacional da Mulher Negra Latioamericana e Caribenha, a data relembra o marco internacional de luta e resistência da mulher negra para reafirmar a necessidade de enfrentar o racismo e o sexismo vivido até hoje. A atriz, apresentadora, influenciadora e ativista Maria Gal acredita na efeméride como uma oportunidade de jogar luz sobre o tema, com uma visão atualizada das conquistas e do que ainda deve ser combatido. “Sempre é importante destacar as conquistas em visibilidade e representação, apesar de ser um movimento que a gente mesmo vai fazendo dentro da nossa ‘comunidade’, e apoiando os nossos. Mas ainda precisamos combater a desigualdade salarial, a violência de gênero e o racismo estrutural. É muito importante fortalecer políticas públicas que promovam a equidade e garantir que as vozes das mulheres negras sejam ouvidas e respeitadas em todas as esferas da sociedade”, afirma ela, uma das principais representantes da questão racial no país, que acaba de lançar o documentário ‘Pequena África‘.

Neste bate-papo, Maria Gal fala do filme, da produtora que criou com o objetivo de levar o protagonismo negro para o audiovisual, da responsabilidade social do artista, e ao compartilhar uma vivência sua em um período delicado da vida, também presta sua solidariedade à cantora Iza:

Maria Gal lança seu documentário, fala da responsabilidade social do artista, e ao compartilhar uma dor passada, presta solidariedade à cantora Iza (Foto: Divulgação)

Maria Gal lança seu documentário e, ao compartilhar uma dor passada, presta solidariedade à cantora Iza (Foto: Divulgação)

Como tantas outras mulheres, a atriz se consternou com a situação relatada pela cantora Iza no Instagram há uma semana, e publicou em seu perfil: “Toda minha solidariedade a ti @iza . Qualquer tipo de traição já é algo muito triste. Estando grávida certamente é uma das piores sensações que uma mulher pode ter. Passei por essa situação numa gravidez ectópica que tive, e posso te afirmar que apesar de toda lama desse momento, futuramente você terá certeza que foi um livramento…”. Acredita que, de alguma forma, mulheres negras enfrentam mais esse tipo de situação?

Estatisticamente as mulheres pretas são as maiores vítimas de violência, em especial àquelas relacionadas ao feminicídio e à violência doméstica. Não sei te dizer se há pesquisas que envolvam traição, mas estruturalmente a mulher preta é muito menos respeitada em uma relação. Nós, mulheres, precisamos entender que juntas, de fato, nos fortalecemos – Maria Gal

"Estruturalmente a mulher preta é muito menos respeitada em uma relação" (Foto: Divulgação)

“Estruturalmente a mulher preta é muito menos respeitada em uma relação” (Foto: Divulgação)

“Quando uma apoia a outra, cria-se um movimento ainda maior de acolhimento, que se faz necessário no combate à brutalidade imposta por um mundo ainda tão machista e permissivo, quando o assunto é a desvalorização feminina. O que eu vivi foi muito duro. Na hora a gente pensa que a dor nunca passará. Mas ela passa. E nos ensina. O tempo ajuda a entender que certas histórias não nos pertencem. E que, na maioria das vezes, a gente está mesmo se livrando de algo que nos faria muito mal”, completa.

"É preciso fortalecer políticas públicas que promovam a equidade, garantindo que as vozes das mulheres negras sejam ouvidas e respeitadas” (Foto: João Wesley)

“É preciso fortalecer políticas públicas que promovam a equidade, garantindo que as vozes das mulheres negras sejam ouvidas e respeitadas” (Foto: João Wesley)

Letramento e protagonismo

Ela acaba de lançar seu documentário ‘Pequena África’, que dá enfoque ao período de escravidão no Rio de Janeiro. O filme foi produzido pensando na importância do letramento racial. “É muito importante um país conhecer a sua história. É uma história triste, mas ela tem impactos muito fortes ainda nos dias de hoje. A história do Brasil é essa história. A escravidão foi um período devastador. Não só aqui, mas em todos os países que se utilizaram desse trabalho forçado. São muitos os impactos”,

Precisamos compreender que ainda não tivemos uma reparação por todos os séculos da escravidão. Caminhamos, mas a passos lentos – Maria Gal

Maria Gal lança seu documentário 'Pequena África' (Foto: João Wesley)

Maria Gal lança seu documentário ‘Pequena África’ (Foto: João Wesley)

A artista realizou o documentário através da sua produtora, a MoveMaria, e conta que os projetos que estão neste celeiro cultural envolvem transformar o mundo de alguma forma. “Na verdade, a produtora nasceu com o propósito de ajudar a mudar esse cenário audiovisual, empregando pessoas pretas – em especial mulheres – e jogando luz em temas que tratem a diversidade com relevância, seriedade e letramento. Esse primeiro trabalho acabou de nascer. Temos alguns outros em estágio mais embrionário, que daqui a pouco entrarão em produção. Compramos o direito autoral de um projeto incrível e que vai exigir de mim desafios muito interessantes como produtora e empresária. Mas eu estou disposta a isso. Foi com essa coragem que saí da Bahia e me joguei, inicialmente em São Paulo, e depois no Rio de Janeiro em busca dos meus sonhos”, diz a baiana de Salvador, que começou a carreira em 2006.

“Escolher se posicionar publicamente é uma forma de usar a nossa  voz para impactar positivamente a sociedade e promover mudanças" (Foto: João Wesley)

“Escolher se posicionar publicamente é uma forma de usar a nossa  voz para impactar positivamente a sociedade e promover mudanças” (Foto: João Wesley)

Por inclusão, diversidade e espaço real

Produtora e voz ativa contra o racismo estrutural, recentemente Maria esteve em Cannes, na França, para participar do Lions Creators, uma das grandes novidades da edição 2024 do Festival Internacional de Criatividade Cannes Lions, e também foi convidada para participar do ‘Black AT’, evento que reuniu grandes líderes negros do marketing do mundo. No terreno do audiovisual, ela comenta um dos assuntos do momento, a crítica às cotas nas produções. “Apesar das cotas serem uma forma de garantir a inclusão e a diversidade não só no audiovisual, elas sozinhas não resolvem o problema do racismo estrutural. Para uma mudança significativa, é preciso um compromisso maior com a educação, apoio a talentos negros, desde a escola até a formação profissional. É importante dar espaço para que realizadores negros liderem e tenham voz nas produções e principalmente oferecer boas oportunidades para que diferentes vozes e talentos sejam reconhecidas e valorizadas”, observa.

"Apesar das cotas serem uma forma de garantir a inclusão e a diversidade não só no audiovisual, elas sozinhas não resolvem o problema do racismo estrutural" (Foto: João Wesley)

“Apesar das cotas serem uma forma de garantir a inclusão e a diversidade não só no audiovisual, elas sozinhas não resolvem o problema do racismo estrutural” (Foto: João Wesley)

Acredita que todo artista deve se posicionar e engajar em temas relevantes, como retribuição à sociedade?

 Escolher se posicionar publicamente é uma forma de usar a nossa voz para impactar positivamente a sociedade e promover mudanças. Esse engajamento ajuda de uma certa forma a sociedade, porque ele usa a nossa visibilidade para aumentar a conscientização e promover discussões significativas, e as pessoas que de certa forma se sentem influenciados passam a refletir sobre alguns aspectos que podem impactar diretamente na sociedade – Maria Gal