Marcella Maia, atriz de “Quanto Mais Vida melhor”, lança álbum e relembra a trama: ‘Fui alvo de violência física em cena’


Maia por ela mesma. A atriz e cantora lança disco chamado “Contraditória”, onde traz muitos estilos musicais a fim de traduzir a própria condição humana, controversa, paradoxal. A artista, um dos nomes de relevo da novela “Quanto Mais Vida Melhor”, na qual interpretou a personagem Morte, ainda que se revele grata pelo papel e pela generosidade da emissora, é duramente crítica à casa, que não acolhe devidamente, em sua opinião, pessoas trans. Porém, a despeito desta situação, Maia está negociando novos trabalhos. Por ocasião do mês do orgulho LGBT, ela também aborda a necessidade da discussão de temas afirmativos, e de espaços para que estas pessoas possam se sentir pertencentes na sociedade. Diante de tanta profundidade, a atriz revela um sonho: ser mãe

*por Vítor Antunes

Por anos a inclusão de pessoas trans em novelas foi algo menosprezado. Poucas foram as atrizes, menos ainda os atores trans a conseguirem espaço e colocação dentro deste universo. Quando partimos para a perspectiva além-estereótipo, a coisa fica ainda mais grave. Em razão da proximidade do Mês do Orgulho LGBT conversamos com a atriz Marcella Maia – que anteriormente assinava como A Maia – e que esteve num papel de destaque na novela “Quanto Mais Vida Melhor“. Primeira novela a ser totalmente exibida e produzida após a pandemia, a trama de Mauro Wilson trouxe Maia interpretando a Morte. A atriz tem uma relação ambivalente com a trama: É grata por havê-la revelado no Brasil e numa novela, mas também traz cicatrizes desse projeto. “Eu fiquei traumatizada com esse personagem, com a perseguição que há naquele ambiente de trabalho (…). Me deparei com uma disputa de egos que me desestabilizava. Fui alvo de violência física em cena, além de outras violências, por uma atriz que tem de tudo”, desabafou, sem, no entanto, revelar o nome da agressora. Além disto, foi duramente crítica à política de inclusão da Globo:

Eu falei nos Estúdios Globo: Acho lindo vocês falarem de diversidade e inclusão, porque hoje vocês precisam disso, mas a grande realidade é que a estrutura desse lugar está podre e não está preparada para receber pessoas trans com afetividade – Marcella Maia

Além de sua passagem pelas novelas, a atriz também revela seu lado cantora, estilo ao qual se dedica há três anos. Está prestes a  lançar seu primeiro álbum, “Contraditória”. “Foram quase 50 músicas pré-selecionadas e as nove que mais gostei entraram no álbum. Todas as músicas foram compostas por mim. Acho que todos somos contraditórios e assim podemos ser em qualquer momento da vida”. Como forma de destacar a multiplicidade de estilos e a contradição que o nomeia, o disco tem Bossa Nova, Samba, Jazz, R&B, trap, rock e funk”. Além disto, a artista fala sobre seus sonhos. Iniciou um relacionamento recentemente e está viabilizando uma forma de ser mãe.

Lançando primeiro álbum e apostando na verve musical, Marcella Maia fala sobre novos projetos e da controvérsia em “Quanto Mais Vida Melhor!” (foto: Divulgação)

VOZES DE ORGULHO

No mês de junho se discute a inclusão e a visibilidade às pessoas LGBTQIAPN+. São poucos  a estarem desempenhando papéis importantes no audiovisual e a discussão sobre transsexualidade ainda precisa continuar acontecendo. Na opinião de Maia, as falas sobre o assunto não a incomodam, mas o rótulo. “Podemos escolher nossa narrativa. Não é legal ficar falando ‘Ah, essa é minha amiga e ela é trans, ou ele é gay’. Eu não levo isso para a minha vida. Somos pessoas, sobretudo. Não é parâmetro medir as pessoas que estão ao meu lado. Eu vejo-lhes a energia, o caráter e não a questão da sexualidade. Existe espaço para todos”.

Não se vê esse tipo de categorização com pessoas cis. Eu sou muito sincera e transparente com  a minha vivência. Houve um tempo em que eu vivia como uma menina cis-normativa, porque esse espaço não existia para pessoas como eu. Dizia-se que se eu dissesse ser trans perderia o emprego, inclusive – Marcella Maia

O coração aberto de Marcella Maia. Atriz emulava uma cis-normatividade (Foto: Divulgação)

Quanto Mais Vida Melhor” era uma novela prevista de estrear em 2020. Inicialmente chamava-se “A Morte pode Esperar” e a sua premissa não mudou. Porém, a personagem “Morte” tinha fundamental importância na narrativa. Era ela quem conduziria o destino de todos os quatro protagonistas – vividos por Giovanna Antonelli, Mateus Solano, Vladimir Brichta e Valentina Herzage. Escolhida para viver este personagem, Maia – que à época assinava A Maia – louvou seu primeiro papel de destaque. Contudo, possui algumas ponderações especialmente no que se relaciona ao backstage da trama global.

“Fiquei traumatizada com esse personagem. Fui muito feliz na realização deste trabalho e a minha entrega foi muito grande. Porém, traumatizei com a perseguição que há naquele ambiente. Eu fui muito perseguida ali dentro, chegando a ficar doente, mal. Mas ainda assim entreguei meu trabalho. Dei de ombros para o que os outros diziam ou faziam. O oba-oba do backstage para mim não funciona. Existe muito esse lugar do assédio. Ouvi histórias de que eu era uma persona non grata e que eu era chata. Eu prefiro ser chata a estar atravessando algo. Eu já havia feito três trabalhos na emissora, mas não sabia que ao chegar ali me depararia com uma disputa de egos que me desestabilizava. Fui alvo de violência física em cena, além de outras violências, por uma atriz que tem de tudo. Quando a gente conhece de perto vê o quão feio e mesquinho pode ser o backstage”.

Há quem pergunte se não temo ser cancelada. Digo que não, porque sou boa profissional. Não cheguei ali no “jeitinho”, cheguei pelo meu talento, pelo meu esforço, através de muito curso e investimento. A gente sabe que a arte exige um investimento elevado. Eu era modelo e me transformei em atriz, me desconstruí. Então, estar nesse lugar e ver seu trabalho ser considerado de mesquinho ou diminuído à minha beleza ou superficializado é frustrante. – Marcella Maia

Em certa ocasião, segundo ela diz, questionou o processo inclusivo da emissora: “Falei nos Estúdios Globo: Acho lindo vocês falarem de diversidade e inclusão porque hoje vocês precisam disso, mas a grande realidade é que a estrutura desse lugar está podre e não está preparada para receber pessoas trans com afetividade. Houve atrizes que tiveram a imagem usada, ganharam prêmios, inclusive, e onde estão?”, disparou. Além disto, observou outros pontos. “Quando vieram a mim com discurso de ‘a gente acredita em você’ eu disse que era um discurso furado. É difícil entender que não somos uma fantasia. O que querem fazer conosco é cortar nosso trabalho. É difícil ser atriz num pais que não valoriza a cultura”.

Marcella Maia tem falas definitivas sobre o papel da trans (Foto: Divulgação)

Maia, porém, não é crítica à Globo, que segundo ela é uma casa generosa. “Estamos conversando para outros projetos, mas pela minha experiência eu fico muito receosa”. A atriz acredita que sua personalidade assertiva pode ter gerado alguma controvérsia durante a escalação de um filme que ela faria: “No fim do ano passado, eu voltei ao Brasil para um filme do qual fui cortada por conta de um posicionamento político”. A atriz também não descarta uma volta às novelas.  A moça estará em “Silent Drift“, filme de Johanna Bermudez-Ruiz vivendo  personagem Nelia. “As pessoas sabem o que eu trago na mesa e que sou uma boa atriz. Para mim é uma resposta a tudo que me fizeram no passado. Uma resposta às injustiças desse mercado que tenta me silenciar.”

Ela prossegue, agora abordando uma questão crítica no texto das novelas, sobre algo que tem sido cada vez menos recorrente que é o preconceito recreativo, quando piadas apoiam-se em estigmas preconceituosos a gays e transsexuais e quando estes são colocados como alívio cômico. “Isso tem a ver com o fato de o Brasil ser um dos países que mais mata transexuais no mundo. Quando tentei falar sobre roteiro fui ignorada, mesmo pelos diretores que em boa parte das vezes são homens gays. Dentro da comunidade [LGBT] a mulher trans é mais marginalizada”.

Para encerrar o tema, atriz afirma não ter medo do cancelamento e que esteve cotada para o último BBB e “acho ótimo não ter ido porque flopou total”. Sobre fazer qualquer trabalho, apoiado apenas na transsexualidade, ela diz: “O que me incomoda não é fazer, mas estar em projetos que não me pareçam algo genuíno. A palavra trans é usada para minimizar e desvalidar a mulheridade que eu vivencio por pelo menos 13 anos da minha vida, desde que fiz minha transição”.

Maia foi a Morte em “Quanto Mais Vida Melhor” (Foto: João Miguel Jr/Globo)

CONTRADITÓRIA

“Contraditória” é o álbum de estreia de Marcella Maia. O título, segundo ela, se justifica pela multiplicidade de estilos aos quais o disco se apoia e que a traduzem. “Há gêneros musicais bem distintos para mostrar essa pluralidade que é a Maia, essa mulher que não tem medo de ariscar e ser uma artista independente. É mais difícil mesmo. E este álbum é uma catarse. Minhas músicas traduzem o que sinto. Espero que “Contraditória” atinja bem o publico”, anima-se. A jovem aponta as faixas nas quais mais aposta: “Truque”, inspirada num triângulo amoroso vivido por ela; “Gostosa”, que remete à sua juventude; e “Se Assuma” e “Bad girl” que têm a ver com a questão LGBT.

“Contraditória”. Disco de Maia será lançado em julho (Foto: Divulgação)

Em movimento, Maia nos confidencia jogar-se na vida. Esteve casada e agora encontra-se num outro relacionamento. “Eu sempre achei que precisava ter um homem do meu lado para me sentir mulher, validada e acho que esse empoderamento é único. É minha vivência. Minhas músicas podem não ir ao encontro de outras pessoas LGBT, que podem não concordar com elas. Mas enquanto eu estiver viva, meu corpo é um ato político, periférico, além do gênero e sexualidade”.  Ante o sucesso da artista, Marcella quer ganhar uma outra forma de ser. Seu sonho, além de poder brilhar em Hollywood, fazer novos papeis ou lançar músicas, é ser mãe e comprar uma fazenda “daqui a uns cinco anos quero ter minha fazenda e meus filhos – e filhos lindos. Tenho instinto materno, cuidei da minha irmã, dos meus sobrinhos e agora quero cuidar dos meus filhos. A eles quero dar o que há de melhor”, sonha. Tal como na música de Marina Lima, Maia sonha e arde de amor. Ao desejar ser mãe, revela que o lado quente do ser é aquele que canta mais docemente.