*Por João Ker
Um delicioso clássico revisitado pelas mãos da rapaziada mais nova. É isso que acontece com o conto “A Cartomante”, de Machado de Assis, na montagem criada pelo Grupo Liquidificador. Misturando elementos da cultura pop, cigana, do melodrama e de danças flamencas, o triângulo amoroso criado pelo escritor carioca ganha um ar contemporâneo na adaptação que pode ser vista de 30 de maio a 1º de junho, no Espaço Cultural Sérgio Porto.
A obra foi originalmente publicado em 1884, mas, assim como toda a vasta obra de seu autor, é uma história atemporal. Nela, um triângulo amoroso é dissolvido e manipulado por uma cartomante ardilosa com alguns poderes “sobrenaturais” e um ótimo senso de humor – que fica mais evidente ainda nessa peça. Desta vez, uma mistura de Mãe Dinah com a Sibila Trelawney, da saga Harry Potter. Em uma realização menos literal ou preocupada em seguir as regras, mas focada em passar a mensagem por trás da narrativa, Machado e sua Cartomante interagem com o público enquanto encarnam papeis que se opõem ao longo do espetáculo. Improvisações, performances e a quebra da quarta parede do teatro acabam dando o toque final de modernização à produção.
Apesar de ser leitura obrigatória em todas as fases do aprendizado e de conseguir falar sobre a alma humana de maneira peculiar e entendível, Machado de Assis é um dos grandes autores brasileiros que raramente conseguem apelo entre o público jovem. Pode ser culpa da própria obrigatoriedade – que sempre torna as coisas mais desinteressantes – ou até da linguagem rebuscada (para os tempos atuais), mas fato é que pouquíssimas pessoas leem ou leram obras machadianas por prazer.
O melhor exemplo disso é Capitu, a grande estrela de “Dom Casmurro” e provavelmente a personagem mais famosa de Machado. Pois esta é uma mulher que se daria muito bem em 2014, com seus jogos de sedução e sua aura misteriosa que serviriam perfeitamente como referência para os amantes que vivem no século XXI. Ainda assim, foi preciso uma hermética minissérie da Rede Globo, dirigida pelo bamba Luiz Fernando Carvalho, para que a menina com “olhos de cigana oblíqua” fosse conhecida pela nova geração – e boa parte dela acabou se prendendo mais na trilha sonora que incluía “Elephant Gun”, do Beirut, do que na complexa e oculta personalidade da moça. Ao sair nas ruas, é mais provável encontrar mulheres de 20 a 30 anos que idolatrem Isabellas Swans (“Crepúsculo”, Stephenie Meyer) e Anastasias Steeles (“Cinquenta Tons de Cinza”, E. L. James) – gringas, enjoadinhas e pauteurizadas como iogurte industrializado -, do que dar de cara com aquelas que se interessam pelas Cecis (“O Guarani”, José de Alencar), Aurélias (“Senhora”, idem) e Capitus brasileiras.
Adaptar “A Cartomante” em uma versão mais popular e de linguagem jovem é, portanto, uma forma de curar um pouco dessa mania, mesmo que minimamente. É revelar de maneira leve que o Brasil tem um inspirador acervo de personagens e histórias que precisam ser contadas, recontadas e passadas de geração a geração, podendo ser tão interessantes quanto qualquer obra estrangeira. E isso não significa que seja errado olhar para fora e descobrir os ótimos autores que existem pelo mundo. Muito pelo contrário. Significa que, antes de explorar o que existe por lá, é preciso valorizar aquilo que foi e continua sendo produzido aqui.
Fotos: Felipe Ando | Divulgação
Serviço
Data: 30 e 31 de maio e 1º de junho
Horário: sexta e sábado – 20h, domingo – 19h
Local: Espaço Cultural Sergio Porto (Rua Humaitá, 163)
Classificação Indicativa: 14 anos
Duração: 70 minutos
Gênero: Comédia
Ingressos: R$5,00 (meia) / R$10,00 (inteira)
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