* Por Carlos Lima Costa
Dia Internacional da Mulher: 8 de março. Mas muitas delas, como a modelo Luiza Brunet, sabem que o momento é de luta e não tanto de festejar. Um ano após o início da pandemia, o que se viu foi um aumento considerado de violência doméstica resultando em feminicídos. Uma mulher é morta no país a cada nove horas. “Infelizmente, a gente não está em um momento de comemoração e a violência não se restringe às mulheres. Existe uma absurda violação contra o ser humano, porque temos visto crianças, idosos e animais, por exemplo, passando também por uma série de abusos e abandonos. Então é extremamente importante falar sobre tudo isso. Só consigo enxergar essa comemoração a longo prazo, porque a violência é secular, é cultural. A gente não consegue transformar uma sociedade em tão pouco tempo”, pontua.
Nesse campo, Luiza tem suas cicatrizes na alma. O mais recente drama pelo qual ela passou tem quase cinco anos, quando se tornou uma das vozes mais ativas na questão da violência contra a mulher. “No dia 21 de maio de 2016, três dias antes de completar 54 anos, eu sofri violência doméstica. Apanhei”, lembra ela. E respirou mais aliviada, em novembro do ano passado, quando por unanimidade, o Supremo Tribunal Federal negou recurso do empresário Lírio Albino Parisotto à condenação pela agressão física à ex-mulher. “Depois de quatro anos, posso dizer que virei a página da minha vida…O meu agressor, depois de tentar todos os recursos possíveis, está definitivamente condenado”, comentou ela, à época, em seu perfil no Instagram.
Apesar de tudo que passou, Luiza não se fechou para o amor. Mas desde 2016, não aconteceu uma nova conexão afetiva. “A gente teve a infelicidade de ter um relacionamento abusivo, mas isso não significa que a gente tem que parar ali. Agora, uma mulher pode não querer mais, pode por várias razões encontrar outras formas de felicidade, querer fazer qualquer coisa que necessariamente não precise estar apaixonada por um homem. Eu gosto de casar, de ter um homem para me cuidar. Mas também não tenho nenhum problema em não ter um novo relacionamento. É evidente que eu estou mais cautelosa. Qualquer mulher que sofre violência doméstica fica assim. Desde que me separei do meu agressor eu não me relacionei emocionalmente com nenhum homem. Não é uma necessidade ter uma relação, estar apaixonada. Se tivesse acontecido, ok, mas não estou desesperada. E estou muito envolvida com essa pauta em defesa da mulher, que me preenche de uma forma incrível”, frisa em longo desabafo.
Nesse mês de março, por conta do Dia Internacional da Mulher, ela vai participar de uma série de eventos. No dia 8, falará na abertura de um, em Brasília, com a participação do Ministro do Supremo Tribunal Federal Luís Roberto Barroso. Ela já gravou quatro vídeos de apoio para portais de mulheres tanto do Brasil quanto fora do país, com mensagens para que as mulheres tenham noção do que está acontecendo, para que tomem atitudes, entendam qual é o ciclo vicioso da violência, não se envergonhem de denunciar o companheiro para que procurem uma capacitação.
“A única forma de sair de um relacionamento abusivo, de qualquer coisa é você trabalhando, tendo autonomia financeira”, explica ela, que irá ainda participar de webconferências com mulheres especialistas sobre o assunto, outro para o Instituto Maria da Penha. “Eu conto a minha história, digo que é possível sair desse buraco sem fim. Muitas mulheres se vitimizam demais e acabam ficando nesse círculo, não conseguem sair e outras não conseguem se relacionar mais, outras se suicidam, se abandonam, então, a gente tem que dizer para essas mulheres que podem sair inteiras e íntegras. Quem tem que ter vergonha é o agressor, não a mulher que apanha”, ressalta.
Para Luiza, a diminuição da violência passa pela educação, mas entra governo, sai governo e os problemas na área não cessam. “É absurda a falta de cuidado para que as crianças possam frequentar uma boa escola e com merenda de qualidade. A gente sabe que as crianças mais pobres tanto nas periferias quanto nos lugares mais distantes, onde eu frequento, por exemplo, o sertão de Pernambuco, não têm acesso a escola. Então, a educação que recebem, que vem dos pais e avós, não tem amplitude. Por exemplo, acho que a violência de gênero deveria ser discutida na escola desde a infância. Muitos lares tem violência doméstica, a criança pequena vê o pai espancando a mãe ou uma violação sexual. Essa criança vai ter dificuldade de aprender, de se comunicar dentro da sala, vai ser mais arredia, tímida, porque talvez esteja com o corpo machucado ou psicologicamente abalada. Estudar não é só aprender ABCD. Quando a criança está doente, por causa desse abuso dentro de casa, ela não flui dentro da escola, não aprende. Digo isso, porque fui uma dessas crianças”, ressalta.
E prossegue relembrando a sua dor. “Com 6, 7 anos, fomos morar em um vilarejo para começar a escola. Mas lá, meu pai (Luiz Lopes da Silva) teve dificuldade de arrumar emprego, começou a beber, se tornou alcoólatra (ele morreu há mais de 20 anos por conta disso) e com o alcoolismo veio a violência contra a minha mãe (Alzira Botelho da Silva). Era uma violência assistida pela gente, todos os dias na minha casa, até os meus 12 anos, quando a minha mãe decidiu sair do Mato Grosso. Eu me lembro de ter sofrido, de ter feito xixi na cama, porque tinha medo, receio de que matasse a minha mãe. Ele era muito agressivo. Os vizinhos ouviam e se calavam, porque se falassem iam dizer: ‘Aquela mulher briga de dia e de noite está fazendo filho’. Meu pai proibia minha mãe de tomar qualquer tipo de contraceptivo, então, ela teve oito filhos de parto normal”, recorda.
E relata que esta é uma situação cotidiana: “Hoje em dia, quando vou fazer os meus trabalhos voluntários nos sertões, vejo mulheres com 12, 15 filhos. Essas crianças são fruto da violência, então, acho que é responsabilidade também da parte educacional tentar minimizar ou descobrir o que essas crianças estão passando”, observa.
Luiza lembra que não tinha noção de que a violência assistida na infância causa tantos malefícios. “A gente só percebe isso quando tem uma abertura emocional, quando fala abertamente sobre esse assunto, quando você recorda de fatos que aconteceram”.
Quando chegou no Rio, aos 12 anos, Luiza foi trabalhar em uma casa de família para ajudar a cuidar de dois meninos. “Em seguida passei ser responsável por todos os serviços da casa, então, eu era empregada doméstica, lavava, passava, cozinhava, levava os meninos na escola, buscava, ajudava a fazer o dever, era muito duro. E, dentro dessa casa, eu sofri um abuso sexual com 13 anos. Foi uma pessoa que frequentava a casa, que eu conhecia, eu abri a porta”, relembra.
Mas não se falava nada sobre violência contra mulher. “Primeiro, que dentro da minha casa também não tinha abertura para falar. Então, você vai guardando essas dores em uma caixinha dentro de você, porque é um assunto muito delicado. As mulheres têm muitas caixinhas guardadas. Eu nunca fiz terapia, sempre preferi falar abertamente dos meus problemas e culminou muito mais quando comecei a trabalhar como Embaixadora do Instituto Avon e passei a ter mais noção do que acontece por conta da minha responsabilidade como ativista de falar sobre causas femininas”, frisa.
Os tempos como modelo também não foram fáceis. “Os homens não respeitavam. Eu, então, que posava nua na Playboy, na Ele Ela, fazia dupla com a Xuxa em campanhas de lingerie, maiô, com o corpo à mostra, então, era como se a gente estivesse disponível. Então, ter que me livrar de muita coisa desse nível foi duro, porque eu era muito jovem, tinha 17, 18 anos de idade. Eu percebi que eu como tantas outras mulheres sofremos muito. Hoje falamos de violência contra a mulher, violência verbal, sexual, moral, assédio no trabalho, perturbação no ônibus, que a mulher está indo para o trabalho e o cara está lá atrás”, reflete.
E prossegue: “Quando tinha propostas mais indecentes, a gente picava a mula. Eu, por exemplo, fiz uma Playboy e naquela época não tinha telefone celular. Ligou para minha casa uma pessoa convidando para uma campanha, mas eu precisava realizar uma prova de roupa. Fui a São Paulo, em um hotel, subi para encontrar o contato que ia assinar o meu contrato. Quando cheguei lá tinha uma Playboy na cama, uma garrafa de champanhe dentro do balde de gelo e um homem de roupão. Aí fiz um escândalo naquele hotel, saí do quarto, comecei a xingar esse cara de tudo que era nome, ou seja eu me posicionava. A história deve ter corrido que nunca mais ninguém me fez esse tipo de proposta. Se você ceder você vira a bola da vez. Tem que se posicionar. A gente não precisa trocar nada por sexo. Naquela época havia muitos abusos dos diretores de fotografia de agências, era um porre”, assegura ela.
A pandemia a afetou diretamente. No ano passado, mesmo se cuidando, teve Covid-19, mas continua seguindo todos os protocolos de prevenção. “Sou supercuidadosa, não estou a fim de morrer tão cedo. Vemos os lugares cheios, é uma loucura. Isso é educação, porque se a gente tivesse uma educação de qualidade existiria um respeito. Educação não é estudar em bons colégios, é o que você se solidariza com a sociedade. Você tem que ser um cidadão. Falta respeito ao próximo”, analisa.
Mãe de Yasmin Brunet, 32 anos, e Antônio, 21, Luiza considera extremamente importante os pais terem um diálogo aberto com os filhos. “Temos que ser o porto seguro. A gente tem que ensinar o que a gente aprendeu, é um privilégio, para que eles possam se proteger até da questão dos abusos sexuais, inclusive, dentro da própria casa, que não pode tocar aqui, ali. E que mesmo os filhos pequenininhos tenham confiança de falar para os pais que alguém passou a mão, bolinou. Muitas vezes, o que impede a criança de falar para os pais é autoridade excessiva, o pouco diálogo. É obrigação nossa hoje em dia no mundo moderno que a gente vive, onde existem muitos monstros soltos por aí, educar de uma forma não tão romântica. A gente tem que ensinar desde pequenininho, porque a gente vê muita criança ficando grávida com dez anos de idade, então, precisa abrir a mente para falar sobre isso em casa, sem tabu”, aponta.
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