Luisa Micheletti em papo sobre Rock in Rio, planos de um livro e leis de incentivo: “Lei Rouanet tenta ajudar, mas o artista fica à mercê do mercado”


A apresentadora do Palco Sunset comparou o festival a um “carnaval de roqueiro”, revelou o desejo de lançar um compilado de crônicas e ainda falou sobre realidades e sonhos num papo exclusivo

Luisa Micheletti, uma das responsáveis por apresentar ao vivo o Rock in Rio no Multishow desde 2011, não vê o festival como apenas mais uma seara de shows internacionais e camarotes mil espalhados pela Cidade do Rock, na urbe-maravilha. E um dos motivos é a reabertura política que teve início no Brasil na metade da década de 70. “O país tinha recém-saído da ditadura. O festival tem consciência de que se tornou um símbolo de esperança, de fantasia de um mundo melhor, mesmo que seja através do entretenimento. É como se fosse um carnaval de roqueiro”, compara. “O público procura não apenas bons shows, mas uma experiência, uma certa liberdade romântica que o Rock in Rio de 1985 deixou tatuado no inconsciente do público”.

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Luisa nos estúdios do Palco Sunset, na Cidade do Rock | Fotos: Reprodução

À frente do Palco Sunset nessa edição comemorativa aos 30 anos de festival, Luisa divide o comando do palco com o jornalista especialista em música Guilherme Guedes e a repórter Laura Vicente para dar conta de 28 bandas em sete dias. E está grata pela nova função. “O Sunset me chama atenção pela singularidade. São encontros e parcerias. Ali acontecem junções que muitas vezes culminam numa reação química musical, no sentido em que o resultado é maior e mais surpreendente do que a soma das partes”, acha. Vidrada na apresentação de Rod Stewart que agitou o Palco Mundo no dia 20, Luisa agora aguarda com muita expectativa o Faith no More, que “é sempre um grande show”.

Além dos muros da Cidade do Rock, Luisa bate ponto como vocalista na banda Le Pops, que lançou um álbum virtualmente para, nas palavras dela, “espalhar o som”. Às vias de estrear no teatro com os textos “O Balcão”, de Jean Genet, e “Fantasmas”, de Henrik Ibsen, se prepara para despertar temas polêmicos na ribalta. A busca incessante da igreja e da política pelo poder é um deles. Para ela, essa busca gera um “encarceramento existencial”. “É como se as pessoas estivessem desesperadas tentando colar máscaras no rosto, tentando se convencer de que aquilo é o próprio rosto”, opina. No mesmo passo que, com vontade de levar um texto próprio para os palcos, enfrenta dificuldade e é dura ao falar: “a Lei Rouanet tenta ajudar, mas o artista fica à mercê do mercado”.

A seguir, um papo sobre leis de incentivo, streaming musical, fantasias, realidades e sonhos. Avante!

HT: Estava lendo o seu blog e uma postagem de dezembro de 2013 me chamou atenção. Você manda um recado para empresários e empresas que poderiam se interessar em fazer uma peça sua ir para os palcos por meio de patrocínio. E ainda cita a Lei Rouanet, pela questão da captação. Acha que esse inventivo do Ministério da Cultura mais abraça ou mais corrobora para um apartheid na arte? Por que?

LM: Em 2011, eu comprei os direitos de uma peça de um autor norte-americano, coloquei na Rouanet, mas não consegui captar patrocínio dep11058732_861777307240028_4526846007033220949_oois de dois anos tentando. Isso acontece com muita gente. Quando você tem um projeto de teatro e precisa de patrocínio, você tem que agradar a uma empresa. Seja pelo texto, seja pelo elenco, seja pelo que for, você precisa fazer concessões para conseguir viabilizar. A lei ajuda, pois possibilita a captação, mas ao mesmo tempo, tua arte precisa responder às regras do mercado. Então uma outra forma de fazer teatro é estando em uma companhia, que pesquisa uma linguagem, que tem um trabalho continuado. Pela minha experiência, a Rouanet tenta ajudar, mas o artista fica à mercê do mercado. Enquanto ao mesmo tempo, muitas companhias respeitadas lutam à duras penas para conseguir sobreviver através de pouquíssimos editais de fomento.

HT: “O Balcão”, mesmo que nas entrelinhas, brinca com a questão e a necessidade do poder na legitimação da religião e da justiça. Não à toa, o texto do Genet traz um bispo e um juiz. Acha que a ideia do texto é mostrar a perda do poder dessas instituições? Qual a reflexão, a mensagem a ser passada?

LM: Para mim, a grande questão que o texto de Genet traz à tona, e que a adaptação de Roberto Alvim [escritor] fermenta ainda mais, é o encarceramento existencial em que vivemos rendidos às mascaras sociais ou personas que assumimos perante o mundo. As figuras de poder  – o bispo, juíz e general – são fantasias de “eu”, através das quais esses homens conseguem gozar. São homens ordinários que vão a este bordel para literalmente se fantasiarem de figuras socialmente respeitadas e satisfazerem suas fantasias com relação a “eles mesmos”. Não tem a ver com o outro, mas com a maneira como cada um vê  – ou gostaria de ver – a si mesmo. E existe muito paradoxo nisso. Uma determinada passagem diz: “Para me tornar bispo foi preciso não ser, para que pudesse acreditar que era”. Ora, para se ter um cargo de poder como o de bispo é preciso primeiro muita ambição. Muito mais do que ser um cristão exemplar! A peça termina com a seguinte frase: “Este bordel… é o mundo inteiro”. Então faz muito sentido para mim como ser humano, como artista, neste contexto, em 2015. Nunca senti o mundo tão desesperado por identidade. E ao mesmo tempo, tão vazio de sentido. É como se as pessoas estivessem desesperadas tentando colar máscaras no rosto, tentando se convencer de que aquilo é o próprio rosto.

HT: O texto do Henrik Ibsen que você vai fazer discute tabus como a promiscuidade e eutanásia, ao mesmo tempo que esconde os personagens com suas mentiras em nome da preservação da imagem. Acha que na nossa sociedade é assim? Por que?

LM: O texto de Ibsen foi adaptado pelo Roberto Alvim e parte de uma premissa da companhia com a qual eu me identifico totalmente: é preciso criar novos sentidos, ou, como eles dizem, uma usina de novas sensações, de experiências inéditas que alavancam do inconsciente um vetor em direção ao futuro. Neste sentido, a peça será um pesadelo. O pesadelo é concreto, não é vago como o sonho. Ele deixa um print de sensações novas no corpo. O teatro hoje, para mim, nunca fez tanto sentido num mundo sequestrado por simulacros de todos os tipos. É no teatro que ainda se pode viver, e se deve viver, uma outra realidade. Um outro tempo, uma outra existência, muitas vezes impossível de descrever em uma sinopse ou achar sentidos puramente racionais.

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HT: Com dois textos tão reflexivos – e por que não polêmicos? – na mão, queremos saber: A fantasia é a melhor de todas as realidades?

LM: Se a fantasia é melhor que todas as realidades não sei. Porque para ser sincera acho que isso aqui que chamamos de realidade é a maior fantasia de todas. Então a função da arte é buscar novos sentidos, novas saídas para que a gente escape da repetição constante. Antigamente se dizia “a arte imita a vida”. Não acho que é por aí. Acho que a arte aponta para uma outra possibilidade de existência.

HT: O álbum “Delira e Vai”, do Les Pops, foi lançado virtualmente, num tempo onde os serviços de streaming musical são questionados em relação ao repasse correto dos direitos de reprodução. Compositores como Frejat, Tibério Gaspar e Jorge Vercillo, além de grupos como Procure Saber, já começaram a encabeçar esses questionamentos. Qual o seu posicionamento?

LM: Olha, eu só posso falar da minha experiência. Eu nunca vivi de música, então não sei como funciona de perto, na prática, fazer parte de uma gravadora. O Les Pops gravou o disco de maneira independente no estúdio de um dos compositores da banda, o Daniel Lopes. A decisão de lançar virtualmente foi feita porque concluímos que seria melhor para a banda em termos de divulgação. A ideia era espalhar o som. É uma plataforma, entre tantas outras.

HT: Quais seus próximos planos profissionais?

LM: Vou publicar um livro de crônicas que venho escrevendo ao longo dos últimos sete anos. Estou atrás de uma editora legal que queira publicar!