*Por Brunna Condini
A reclusão imposta pela pandemia, as perdas e a proximidade dos 40 anos – que completos em janeiro – têm feito Luis Lobianco se permitir ousar mais e também viver descobertas à flor da pele. “Sou outra pessoa depois dessa loucura toda. Minha mãe dizia que depois dos 40 a gente ‘chuta o balde’. Pra mim, já está acontecendo antes (risos). Sempre tive muito pudor com o que iam pensar de mim, com as críticas. Mas a verdade é que se alguém não está disposto a gostar de você, pode até se pintar de ouro, que a pessoa não vai curtir, não vai te dar reconhecimento, não vai dar ‘biscoito’. E eu estou decidido a ser feliz. É um privilégio viver”, diz o ator, que conversou com o site por videoconferência, direto do seu apartamento no Jardim Botânico, após um dia de gravações da 9ª temporada do humorístico ‘Vai que Cola’, no Multishow.
Lobianco conta que o encerramento do contrato de exclusividade entre ele e a Globo no mês passado se deu de comum acordo, e que as portas estão abertas – “Foi ótimo e um privilégio neste momento, mas é bom também ter mais liberdade” – e revela o desejo de experimentar algo novo na TV: “Quero viver um galã, a sério. Um galã, protagonista, mostrando o corpo, saindo do mar, balançando o cabelo, com tudo o que tem direito (risos). Quero saber que produto de TV, streaming, vai topar, porque eu topo fazer. Quero viver um galã com direito à história de amor. Faria porque ninguém nunca fez, teve coragem de fazer. E tenho certeza que outros atores com o meu perfil também fariam”.
O ator salienta que apesar das apreensões do mundo ao redor, para ele é tempo de reflexões: “Sempre fui muito cauteloso em não desagradar, em ser muito reservado, ser as vezes até muito formal. Talvez querendo passar uma imagem exagerada de seriedade, do tipo: “eu sou eu, mas tenho conteúdo (risos)”. E percebi, que apesar de já aproveitar a minha vida, posso mais, entendeu? Hoje tenho menos medo de perder, falo ainda mais o que penso e faço mais o que gosto”.
E continua: “Hoje só me interessam as pessoas legais, os projetos legais. Estou me sentindo bem, me achando bonito. Sabe o que é? Acreditamos em umas mentiras que contam por aí, na mídia, nas ruas. Tanto que durante muito tempo acreditei que o meu corpo, o meu jeito, a minha orientação não eram adequadas, não tinham lugar. Mas me caiu uma ficha: “Caramba! Que mentira é essa que me contavam? Sou maravilhoso. Na verdade, sou o que eu quiser ser”. Acreditamos em muitas coisas que acabam sendo um ‘massacre’, como essa coisa da imagem perfeita que é inatingível. Então, se por um lado está todo mundo mais vulnerável, com mais medo neste momento, e me incluo, também fortaleci muitos aspectos da minha liberdade. Estou pronto para ser mais feliz do que eu era e muito mais abusado do que já sou”.
Você conhece o Gastão?
Dando vazão a este ‘abuso’ que o invade e criatividade que o habita, Luis Lobianco tem explorado mais a relação com o público na internet, e criou um personagem que vem dando o que falar, Gastão, o gay bolsominion conservador de extrema direita. “As pessoas estão adorando, vêm comentar, dizem que conhecem um Gastão. E é algo tão despretencioso, que tem me surpreendido a repercussão. Têm muitos ‘Gastões’ por aí. Ele é uma experimentação e uma ‘permissão’ desta nova fase, do que esta por vir”, anuncia.
“Lembro que uma das últimas vezes que fui a São Paulo, tinha um acampamento na Avenida Paulista, com faixas que diziam algo assim: gays conservadores com Bolsonaro. Não acreditei no que estava vendo. Acho que todo mundo tem direito de pensar o que quiser, mesmo nós, grupos identitários, somos plurais. Dentro da comunidade LGBTQIA+, também somos diversos, só que você se alinhar com um pensamento que pretende justamente te aniquilar, que afirma isso de várias formas o tempo todo, e você comprar esse barulho, acho surreal”, analisa o ator, que é casado há quase 10 anos com o músico Lúcio Zandonadi, com quem mora no Rio de Janeiro e divide um sítio na região serrana, além da criação de Odete, uma cachorrinha para lá de charmosa adotada pelo casal.
Sobre o entendimento de uma situação como essa, que inspirou o personagem da internet, ele arrisca uma teoria: “Quando você é marginalizado em uma sociedade, principalmente em uma como a nossa, preconceituosa, homofóbica, racista, uma das formas de se sentir parte, é servir como validador da opinião do opressor. E aí, você que leva porrada a vida inteira, é apontado a vida toda, quando acolhido por esse grupo, pode também se sentir de certa forma validado. Claro que de um jeito completamente deturpado e torto e tudo isso é uma teoria. Porque também acho que tem gente ruim em todos os lugares. Em todo grupo, em todo tipo de pensamento. E tem gente que se alia com essas ideias fascistas horrorosas, se odeia. É gente que não gosta de si. É intrigante pra mim”. E analisa: “No início desse governo recebia uma enxurrada de ataques nas redes, mas, agora, ao mesmo tempo que esse governo não se sustenta, e esse grupo ficou ridículo defendendo o indefensável, isso diminuiu bastante”.
Só saudade
Voltando ao ritmo de trabalho, o artista sente que as gravações da nova temporada do ‘Vai que Cola’, que estreia em novembro, tem a luz de Paulo Gustavo por todos os lados: “É impressionante porque no primeiro dia de gravação já acordei com o Paulo na cabeça. Esse programa foi criado para ele brilhar, trazer sua família artística e é um sucesso, assim como tudo que ele botava a mão. O Paulo era um Midas, tudo que ele tocava virava ouro. Então, cada tijolinho do ‘Vai que Cola’ tem a presença dele. E o Paulo também representa milhares de pessoas que foram embora nesta pandemia, neste momento que marcou nossas vidas para sempre. Nunca vamos esquecer esse período. Ao mesmo tempo, falo para os meus colegas que é um privilégio muito grande estarmos neste projeto, e de certa forma podermos ampliar essa luz que o Paulo deixou. Podia ter sido qualquer um de nós, é preciso honrar estar por aqui, viver intensamente”.
Além de perder o amigo para Covid, ele também se despediu da avó Izabela Magdalena de Aguiar, há um mês, aos 98 anos. “Foi ela que me criou ( Lobianco perdeu a mãe cedo para um câncer). Tinha com ela uma relação muito além de neto e avó. Era de filho mesmo. É uma perda enorme. Minha avó sempre foi uma mulher corajosa, ousada, valente e muito inteligente. Então, só penso que tenho que levar adiante essa energia dessas pessoas maravilhosas que tive a honra de ter tido por perto. Continuo com uma fé inabalável na vida, na arte, na comunhão das pessoas, tenho fé também no que não vejo. E na prática do amor e da verdade”.
E conclui: “A pandemia trouxe um momento de muito medo, que ainda sinto. Medo de morrer. E fomos obrigados a lidar com a finitude. Ela é uma possibilidade real o tempo inteiro, mas evitamos pensar nisso. Então tem um amadurecimento e uma mudança grandes em mim, mas também a reafirmação de muito do que já acreditava, de que precisamos ser éticos, praticar o amor, cuidar das pessoas, das relações. É o mínimo que podemos fazer por aqui. Acho que se fizermos desta forma a nossa luz, energia, quando chegar o fim, irá para um lugar especial. Hoje estou muito disposto a ser feliz de novo. A me divertir, me jogar. A valorizar muito os encontros, o riso, a verdade do que estou sentindo. Não faço mais tipo para nada. Estou no agora e escancarado”.
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