*Por Brunna Condini
“Entrei na faculdade aos 55 anos e me graduei aos 58 em Artes Cênicas. Aos 60, eu ando bem contente e iniciando muita coisa nova. A vida acontece o tempo todo, pra todo mundo que mantém o interesse por ela. Todos os que vivem, sem exceção, irão envelhecer. Eu pretendo não desperdiçar nem um minutinho”, escreveu a atriz Luciana Braga em post no Instagram. Frases contundentes que nos fazem lembrar do terrível caso da universitária Patrícia Linares, de 44 anos, que sofreu discriminação de três colegas de curso, em Bauru (SP), que disseram que ela, por conta da idade, deveria ‘estar aposentada’. A atriz falou da própria experiência para exaltar as mulheres que vivenciam a maturidade e têm uma infinidade de possibilidades pela frente, já que as escolhas podem (e devem) continuar pautadas por liberdade e desejo em qualquer fase da vida.
“Quando me formei, em 2021, eu já tinha feito uma postagem falando sobre a liberdade de fazermos o que bem entendemos em qualquer momento da vida. Mas achei que com o recente episódio de discriminação, estava na hora de tocar no assunto de novo. Essas moças que tiveram tal atitude estão equivocadas. Isso aí é um sistema todo que leva as pessoas para esse lugar do preconceito, da discriminação. Acho que podemos mudar através de exemplos, sabe? Essas meninas parecem fechadas para o jogo da vida. Seria bom que treinássemos nossos jovens para estarem mais abertos, com a cabeça menos travada para esse jogo. Imagino que essas meninas também estejam sofrendo agora, com essa coisa de ‘cancelamento’, julgamentos, então espero que reflitam sobre tudo isso. Devem estar sentindo o outro lado do que viveram. Que possam se perdoar e que aprendam que a vida é maior que esse momento. Que amadureçam e se tornem mulheres incríveis, defensoras da vida que avança e envelhece, inexoravelmente. Fico feliz com a repercussão do post, muitas pessoas vieram falar comigo. Precisamos entender que a vida acontece o tempo todo, não só quando se é jovem. Ela segue acontecendo até o fim, e se estamos nela, podemos tudo”, diz Luciana.
Etarismo é o preconceito por idade, geralmente de pessoas mais novas, com as mais velhas. Contra qualquer tipo de discriminação, Luciana compactua da ideia de que sonhos não envelhecem, acredita no conhecimento ao alcance de todos e diz que a abertura para experimentar a troca entre gerações pode ser algo bem precioso. “Essas moças vêm de um tipo de sociedade que exalta a juventude, hiper valoriza. São reflexo deste ambiente que diz que a vida tem valor quando se é mais jovem, e que quando vamos envelhecendo, não vale mais nada. Precisamos derrubar esse tabu. Estou com 60 anos e há muito tempo não me sentia tão viva, tão potente e plena como agora. E, independente da idade, viver é isso, um dia você está em cima, no outro embaixo. É movimento. Me sinto ótima, feliz da vida. Posso dizer que estudar deixa a gente enorme, amplia e não tem idade para tal”.
A faculdade: de volta para o futuro
“Lá atrás, eu fiz o curso profissionalizante de atores, mas acabei nem concluindo, porque o mercado de trabalho já me levou. São 38 anos de carreira. Comecei no teatro, com o grupo Tapa, depois fui para a televisão (a atriz estreou em ‘Sinhá Moça‘, em 1986), fui para a vida, o trabalho foi maior e aprendi muito no exercício. Mas tive uma pausa, uma brecha há alguns anos. Acho que muito em função da idade mesmo, a gente começa a receber menos convites. Isso somado a duas filhas grandes, à morte do meu pai e minha separação, criou um campo imenso de liberdade na minha frente e pensei: o que eu vou fazer comigo? Era um momento de muitas possibilidades e decidi estudar”, recorda Luciana.
Portal para uma vida nova
Luciana se separou de Maneco Quinderé há seis anos, após 23 anos de casamento e duas filhas, Isabel, 20, e Laura, 23 anos. “Claro que foi um baque na minha vida. Quem sai de um relacionamento longo assim, não vai dizer que foi tudo super tranquilo. Não é verdade. Você se mistura com o outro. Eu levei um tempo para recobrar a minha identidade”, avalia.
“Tinha acabado de perder meu pai, com duas filhas adolescentes, terminado meu contrato com a Record… Foi um momento intenso e difícil da minha vida. Não quero dar uma de ‘Poliana’, longe de mim, porque sofri pacas, mas tudo isso foi também transformador. Era um espaço de liberdade tão grande que se deu na minha frente, que eu ficava tonta. De repente podia muita coisa e um dos lastros que me ajudou a vivenciar esse momento foi a faculdade. Fui procurar a minha turma e encontrei. Era um grupo de faculdade, com gente nova, mas também com muitos profissionais que respeito, gente falando a minha língua. Acho inclusive que o espetáculo solo, que faço hoje, ‘Judy – o arco-íris é aqui’, lindamente escrito pelo meu amigo e produtor Flávio Marinho, só foi possível porque passei por tudo o que vivi até aqui. É como se eu tivesse ultrapassado um portal”, conclui.
Menopausa
Espetáculo
Em ‘Judy – o arco-íris é aqui‘, vemos uma faceta pouco conhecida da estrela Judy Garland (1922-1969), que evidencia a capacidade de todo ser humano de se reinventar e se redescobrir, assim como ela fez muitas vezes. O espetáculo está em cartaz em suas últimas duas semanas no Rio de Janeiro, no Teatro Prudential, na Glória, e segue rumo à uma nova temporada paulista, no Teatro Faap, de 7 de abril até 28 de maio. “Tomei coragem de fazer algo que nunca tinha feito antes, aos 60 anos. Estou sozinha em um palco contando essa história fascinante e cantando. A Judy Garland caia, se reerguia, nunca desistiu. Sempre na guerra, no movimento. Me ensina muito. Uma vida vivida para valer, com muitos atropelos, abusos, inclusive por parte da família dela, das pessoas que parasitavam aquele talento extremo que tinha, mas ela encarou tudo até o final, infelizmente ligado ao abuso das drogas. Assistindo a peça você até entende que isso não foi propriamente uma escolha, e depois ficou difícil se relacionar com a questão”.
E acrescenta sobre o próprio momento: “Hoje estou preocupada em viver minha vida plenamente. Com isso, não quero dizer que seja fácil viver. É super complexo, mas também é muito belo. E é isso que me motiva a ficar pronta diariamente pelo o que está por vir. Foi difícil chegar aqui e dizer que estou amarradona envelhecendo, passei por muitas coisas antes, boas e ruins. Jogando o jogo que a vida apresenta para jogar. O teatro nos ensina isso, a disponibilidade para o jogo, é um salto no escuro, sem rede”.
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