Lília Cabral está acostumada a viver mulheres fortes. Em “Liberdade, liberdade” não será diferente: sua personagem, Virgínia, é a dona do cabaré de Vila Rica e uma mulher que encanta os homens. Além disso, é um dos pilares do movimento revolucionário, já que os rebeldes se encontram em seu estabelecimento. “Ela é uma prostituta, uma cafetina e é uma revolucionária. Uma mulher que na época, 1792, século XVIII, ela lutava pela independência do Brasil. Ao mesmo tempo, teve uma grande decepção amorosa e resolveu seguir através da prostituição, foi o caminho dela. Não significa que era uma mulher inferior ou menor, mas independente. Acho que toda mulher que sofria algo nessa época, engravidava e a família não queria, sofria alguma rejeição, acabava indo por esse caminho, do abandono. O bom é que ela conseguiu perceber o quanto podia existir como mulher e não como pessoa submissa à família, aos modos tradicionais”, explicou Lília.
Depois de tantos papéis, o que um personagem precisa para cativar a atriz? “Esse convite foi extremamente interessante para mim, porque na minha carreira não tem novela de época. Nas gravações é um calor horroroso, mas, ao mesmo tempo, tudo isso nos leva para um mundo que eu jamais imaginei que fosse viver. Quando eu entro no set a sensação é que aquilo é muito distante do que eu tenho na vida. É uma realidade selvagem, grotesca, suja. Isso, para mim, está sendo muto importante principalmente porque eu sou fresca (risos). Eu sou cheia de coisinha e tenho que me desconstruir. Fico suada. Tudo é um teste para mim e estou me comportando muito bem”, garantiu ela, que nunca havia trabalhado com o autor Mario Teixeira. “Mas estou amando. O Vinícius (Coimbra, diretor artístico) eu cheguei a trabalhar em ‘Sabor da paixão’, mas ele me dirigiu pouco. Apesar disso eu acompanhei os trabalhos dele, ‘Lado a lado’ e tantas coisas incríveis. Foi uma somatória de elementos positivos que me fez achar que esse convite valia muito a pena. Nem quis ler a sinopse e já aceitei a personagem”, contou.
Interpretar uma dona de cabaré tão sensual não assusta Lília. “Uma coisa é ser sensual, a outra é ser erotizada, é diferente. Eu não procurei ser uma pessoa sensual, mas o figurino, o despojamento, o set, a cena… isso tudo já automaticamente mostra. Mas fui por um caminho doce, não fui pela obviedade. Os figurinos são ousados, peitos sempre aqui em cima”, disse, aos risos. Apesar disso, ela tem um papel fundamental na história da revolução. “Fiquei muito surpresa de a Virgínia ser uma conspiradora. Procurei não criar coisas, não levantar bandeiras, daquela mulher que defende o feminismo, nada disso. Defendemos o que acreditamos e quanto mais acreditamos, mais os outros se convencem. Lutar pelas coisas é justamente fazer os outros verem o quanto você acredita”, afirmou ela. E a intérprete? Tem alguma luta especial? “Ah, eu me considero feminista porque defendo o que gosto e, como mulher, defendo meus direitos, sim. E aproveito os personagens que eu faço para isso. Eu acho que tenho uma postura elegante, não saio por aí berrando, mas, ao mesmo tempo, sou consciente daquilo que sou como profissional, mãe de família. Luto pelo que eu quero”, contou.
E a mulher independente empresta a força para uma outra mulher independente, só que do século XVIII. “Se eu criticar a mulher submissa vou criticar praticamente a minha família toda, das mulheres que foram submissas. A gente não julga, procura entender. Da mesma forma com o personagem: se é um vilão, é ruim, você não critica ou defende, só executa. Quem é ruim é ruim mesmo, mas alguma coisinha de bom vai ter. Isso que procuramos ver. A defesa está no olhar mais generoso”, analisou ela, que se apaixonou pela trama. “A novela é revolucionária e coloca as mulheres em papéis de liderança, tudo que a gente gosta de fazer. Mas isso não é de hoje. Se você for olhar, em quantas novelas você sente a preocupação em colocar a mulher como pessoa importante na sociedade? A novela é feita para mulheres, né, e todos os homens assistem também”, disse ela, que não considera sua Virgínia uma manipuladora. “Como ela é dona do bordel, todo mundo vai lá, bebe e conta tudo. Então ela sabe das coisas. Mas não usa a manipulação, é a sutileza da inteligência, habilidade feminina, que o autor está colocando muito bem. A história não é maniqueísta, dividida entre bom e ruim, até porque como eu, que luto pela liberdade do Brasil, convivo com meninas que se prostituem e trabalham para me dar dinheiro? É muito interessante”, analisou.
A pesquisa de Lília foi textual e visual. “Só a cidade cenográfica já é incrivelmente maravilhosa. Há muitos anos eu faço novela e posso afirmar que aquela é impressionante. Você nem questiona onde está. Eu não conversei com meninas, nada disso. Dentro da história eu deixei a intuição e o coração falarem, até porque ninguém pode dizer com exatidão como foi 1792. No fundo, o sentimento é a essência. Pelo lado contemporâneo tudo cresceu, mas o sentimento e o amor são os mesmos. E sempre serão”, assegurou. Que bom.
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