* Por Carlos Lima Costa
Durante esse um ano e dois meses da pandemia, Letícia Tomazella, atriz da novela Gênesis, e Julia Rodrigues, roteirista, neta de Nelson Rodrigues (1912-1980), transformaram suas experiências no podcast Maternizando. Nele, tratam temas como adoção, terapia para crianças e adolescentes envolvidos em litígios, recasamento e como lidar com as novas figuras de madrasta e padrasto. O projeto que já conta com 21 episódios (alguns com participações de psicólogas e advogadas), que podem ser acessados em plataformas digitais como o Spotify, serve como uma rede de apoio para pessoas que passam por uma das situações. E, no Instagram @podcastmaternizando, as duas postam reflexões sobre esses assuntos. “Tentamos auxiliar mulheres que estejam se sentindo perdidas, sobrecarregadas, precisando de ajuda”, pontua Letícia.
Em seu projeto, Letícia utiliza sua experiência como madrasta de um adolescente de 16 anos e um menino de 11, com os quais convive em um clima de amor há quase quatro anos desde o relacionamento com o pai deles, o cineasta Sérgio Roizenblit. Por sua vez, Júlia é mãe de um rapaz de 16 anos e uma menina de 12. “Meus enteados me receberam muito bem. É uma relação que você vai construindo”.
E Letícia prossegue: “É uma equação difícil, porque você não é o pai, não é a mãe, não quer substituí-los, mas é um dos adultos responsáveis por aquela criança naquele ambiente. Olha, eu sou uma madrasta que me envolvo muito emocionalmente com os meus enteados, desde o mais novo, que eu coloco para dormir, leio história, ajudo no dever de casa. Sempre fui parceira e a gente criou uma relação profunda e de muito amor. Não consigo mais me imaginar sem esses meninos na minha vida. No Dia das Mães, eles fazem homenagem também para mim, o que me deixa lisonjeada, como se eu fosse uma segunda mãe, mas jamais querendo substituir a mãe deles, por quem tenho o maior respeito”, ressalta.
Letícia lembra que, tudo é uma questão de construir uma relação com muito diálogo. “Tudo depende de como você constrói essa relação e de como o seu cônjuge, no caso, o genitor ou genitora daquela criança a ajuda a entender quem é essa figura, que não vai substituir o pai nem a mãe”, pondera a artista, que observa ainda em seu relato: “A madrasta ou o padrasto tem que ajudar a educar, porque no fim se você está com boa intenção e tem amor no coração, você vai dar o melhor para aquela criança. Por exemplo, hoje, se a mãe dos meninos está sobrecarregada, precisa da minha ajuda, ela me liga e eu ajudo na hora. É fantástico quando as famílias conseguem construir aos poucos essa relação e uma rede de apoio e amor que se expande”, explica.
Ouvindo esse relato, não tem como não lembrar da tragédia abominável que choca o país: a morte do menino Henry Borel, de 4 anos, no dia 8 de março, por verdadeiras sequências de atos de tortura e a consequente prisão, um mês depois, da mãe, Monique Medeiros, e do namorado, o vereador Dr. Jairinho (Jairo Souza Santos Júnior), acusados como parte da investigação do crime. O casal foi morar junto em novembro, menos de dois meses após o início do namoro. “Você tem que saber com quem se relaciona. Eu, por exemplo, comecei a namorar e em poucos meses estávamos morando juntos, mas nós já éramos amigos há muito tempo. Então, eu não era uma estranha que ele conheceu em um barzinho, começou a namorar e aí pôs dentro de casa. Meu marido é um pai superpresente, protetor. Se ele já não me conhecesse tão bem, jamais teríamos concretizado uma relação de morar juntos”, analisa.
É preciso estar atento aos sinais para que este tipo de situação negativa, verdadeiro terror, não mais aconteça. “A criança sempre manifesta o que sente em relação a tudo, porque é muito mais transparente do que os adultos. Então, tem que saber olhar para a criança quando ela dá qualquer sinal de insatisfação com relação a alguém do convívio ou de que não está feliz em determinado lugar. E agir. Imediatamente”, frisa.
E reforça: “Criança é criança, tem que proteger, educar com acolhimento. Esse cara, o Dr. Jairinho, estava há pouco tempo na vida dessas pessoas e a Monique era a mãe do menino. Que mãe é essa que tinha conhecimento que o namorado agredia o filho e vai deixando para depois, vai fazendo vista grossa? Quer dizer, não dá para entender. Não tem justificativa”.
Mudando o foco, Letícia aponta que a figura da madrasta ainda é muito estigmatizada. “Na nossa sociedade, por conta de todo um machismo, é assim: O cara que não tem filho e casa com uma mulher que já tem, é benevolente, pois cria esse meninos com o maior amor do mundo. Olha que legal. Já a mulher, que está sem filho, mas casa com um cara que já é pai, e cria as crianças com o maior amor do mundo, é aquela que quer roubar o lugar da mãe. Ninguém olha e fala: ‘que lindo’. Se você soubesse cada história que a gente escuta. As pessoas são muito mais loucas do que a gente pensa. Eu fico meio chocada. Fiz muitas entrevistas até por conta do livro que estou escrevendo”, revela.
A obra já era para ter sido lançada, mas Letícia pretende esperar passar a pandemia para realizar um evento presencial. “Eu já concluí o livro, mas estou em processo de revisão”, diz. Ela realizou muitas entrevistas e constatou que, hoje, várias mães falam que ficaram felizes quando o ex-marido se casou de novo, porque percebem que em vez de excluir o filho ou ser chata, a madrasta se apaixonou e cuida bem da criança. “Algumas mães conseguem reconhecer o valor de uma boa madrasta. Se você é uma pessoa aberta afetivamente, não tem como não amar uma criança que mora com você. Como se odeia uma criança? Não tem nem como. Eu me apaixonei pelos meus enteados”, frisa.
Letícia foi a primeira namorada que Sérgio apresentou aos filhos, após a separação. “Foi tranquilo. Quando os pais conduzem bem o divórcio, a criança entende aquilo como um passo natural da vida. Eu li um livro, Quando Os Pais Se Separam, da psicanalista, Françoise Dolto, onde ela fala isso, que se divorciar é tão digno quanto casar. Quem inventou que o divórcio é um fracasso gerou uma série de doenças nas cabeças das pessoas, de tristezas que não precisam existir. A ruptura faz parte da vida. E fazendo a criança entender que estão buscando a felicidade delas, mas nunca vão deixar de amar os filhos. A parentalidade não necessariamente está unida a conjugalidade. Quando você consegue conduzir isso na cabeça dos filhos, eles entendem tudo com mais tranquilidade, menos tabu do que antigamente”, acredita Letícia, contando que os meninos se dão bem também com o padrasto.
“Construímos uma relação de muito respeito entre as casas. Por exemplo, ano passado, no aniversário do mais velho, como já era pandemia, pela primeira vez a mãe e o padrasto vieram conhecer a nossa casa e passar o aniversário aqui. Quer dizer, já tem esse lado de frequentar a casa em datas específicas. Senti muita alegria quando chegamos nesse lugar de ter um laço saudável. Infelizmente, nem toda história é assim”, comenta.
Letícia conta que admira muito uma madrastra chamada Mariana Camardelli que tem no Intagram o perfil somos.madrastas. “Ela é mãe de uma menininha e tem dois enteados da idade dos meus. Ficamos amigas por conta de sua página. Ela realmente é uma militante da madrastidade (junção dos termos madrasta e maternidade). Ela ama a filha e os enteados da mesma forma e cuida do mesmo modo. Tive uma criação maravilhosa, agradeço muito os meus pais. Fui criada para entender que não importa se é seu filho biológico ou não. Você é capaz de amar as pessoas e todo mundo pode ser amado igual, com a mesma intensidade. Então, pra mim, não me importa se os meus enteados não nasceram de mim. Eu os amo como se fossem meus filhos. E só posso amá-los, hoje, porque a mãe um dia os pariu, então, sou grata a ela eternamente. Eu me descobri uma pessoa totalmente capaz de amar os filhos de alguém com todo o meu coração. Inclusive, se um dia tiver o meu eu não vou fazer distinção”, assegura Letícia.
“Nunca tive sonho de ser mãe, mas não descarto. Tenho ainda uns aninhos e estou pensando a respeito. A questão de não ser mãe tem muito a ver com o fato de ser muito dedicada ao que eu faço com relação à minha vida artística. Na pandemia, gestei vários projetos, inclusive, um deles, o Arte Como Respiro, ganhou o Prêmio Itaú Cultural”, explica ela aos 35 anos.
Antes de entrar para o elenco de Gênesis, Letícia esteve em tramas como A Terra Prometida, também na Record, As Aventuras de Poliana, no SBT, e uma participação em Amor A Vida, em 2013, na Globo, quando estreou na TV. Em Gênesis, Leora, sua personagem, é vivida por Clara Galinari, na infância, e por Mônica Torres, na fase madura. Apesar de já ter começado a gravar, ela ainda não esta no ar. Letícia finaliza contando que entre os próximos temas que serão abordados no Maternizando está o do abuso sexual na infância vindo de figuras de confiança.
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