Leda Nagle estreia nova temporada de programa no streaming com o filho, Duda Nagle, e descarta volta à TV: “É etarista”


“A TV é etarista, especialmente com as mulheres. Mandam embora e demitem como se fosse proibido envelhecer. As grandes redes demitem aos 60 por preconceito, algo que o YouTube não permite e não faz diferença para ele. Eu não quero perder isso, é uma conquista para mim”, diz a jornalista Leda Nagle, que marcou sua carreira em emissoras como Globo, TVE, Manchete e SBT. Atualmente, consolidada no YouTube, Leda coapresenta “Os Nagle” com seu filho, Duda, abordando histórias familiares e legados intergeracionais. Com uma carreira repleta de entrevistas memoráveis, a jornalista se reinventou e destaca a importância de um jornalismo profundo e atualizado. Porém classifica os tempos atuais como fortemente ligados à censura. “Vivemos sob censura. Hoje há censura sim. Havia na ditadura e hoje há. Inclusive há temas que são difíceis de tocar tanto por conta do público brasileiro como por causa do YouTube, bem como assuntos tabu”. No começo, quando eu não estava acostumada a ser cancelada, eu me ressentia, ficava muito chateada, profundamente chateada”, desabafa

*por Vítor Antunes

Com certeza, se Deus quiser, até amanhã“. Foi assim que por anos – por anos mesmo – Leda Nagle marcava o encerramento de suas participações tanto no “Sem Censura“, da TVE/TV Brasil como nos jornais que apresentou, tanto na TV Manchete como no SBT, como na Globo. Consolidada há anos no YouTube onde tem o canal que leva o seu nome, a comunicadora também está envolvida em outro conteúdo exclusivo para as plataformas de streaming. Trata-se de “Os Nagle“, no qual divide a apresentação com o seu filho, Duda. “Para o segundo semestre deste ano, estamos preparando os encontros de gerações dos Nagle. Estamos indo para a terceira temporada. Entrevistamos pessoas – homens, mulheres, mães, filhos, pais – de gerações diferentes, olhando para a mesma pessoa, conversando sobre a vida dela, relações familiares e histórias. Falando sobre família no sentido amplo de amor, afeto e legado. Trata-se de um projeto que estamos acalentando e agora está se tornando viável”. Voltar para a televisão, definitivamente, não está nos planos da jornalista.

Não penso em voltar à TV, mas penso no YouTube, em ampliar no YouTube, em fazer uma série de entrevistas sobre empreendedores, gente que faz o bem, que empreende, que age, e séries de entrevistas no YouTube. Acho que me encontrei. A TV é etarista, especialmente com as mulheres. Mandam embora e demitem como se fosse proibido envelhecer. As grandes redes demitem aos 60 por preconceito, algo que o YouTube não permite e não faz diferença para ele. Eu não quero perder isso, é uma conquista para mim – Leda Nagle

Leda Nagle nega volta à televisão (Foto: Divulgação)

Oriunda de uma geração que viveu as agruras da Censura Federal e o monitoramento da Ditadura, Leda apresentou um programa na TVE/TV Brasil chamado, conforme dito anteriormente, “Sem Censura”. Ainda que pareça uma reiteração, para a comunicadora, hoje a vigilância sobre os conteúdos é maior. “Vivemos sob censura. Hoje há censura sim. Havia na ditadura e hoje há. Inclusive há temas que são difíceis de tocar tanto por conta do público brasileiro como por causa do YouTube. Há palavras que temos que mudar a grafia, há assuntos tabu. Inclusive o YouTube me fez tirar do ar entrevistas que ele não via como boas. Do ponto de vista do YouTube, eu não poderia ter aquelas entrevistas no ar”.

Sempre existiu censura nas empresas onde trabalhei, quer sob Censura Federal ou não. Às vezes, ela é mais pesada, mais incômoda, às vezes beira a autocensura, mas também há o cancelamento, um policiamento tanto do lado governamental quanto das maiorias e minorias. Hoje há muitos donos da verdade, mas reconheço que cada momento tem suas mazelas e temos que dar a volta nisso. Sempre há interferências e sempre haverá em razão de haver sempre alguém insatisfeito – Leda Nagle

Com anos de carreira e inúmeros convidados, nos tantos e vários programas em que trabalhou, Leda destaca duas entrevistas como marcantes. Coincidentemente, com dois Carlos: Um ícone da poesia e outro pela ausência dela. “As duas entrevistas que marcam a minha carreira são uma com o Carlos Drummond de Andrade (1902-1987), porque ele não dava entrevista. Outra foi com o Carlos Bolsonaro. É raro, ele não sai falando por aí. Mas, definitivamente, gosto de entrevistar quem tem história para contar, gosto de ouvir e tenho prazer em ouvir. Susana Vieira é um prazer entrevistar, bem como Augusto Cury e Leandro Karnal“.

Leda Nagle no Jornal Hoje (Foto: Divulgação/Globo)

GERIATUBER

A chegada de Leda Nagle ao YouTube veio num momento de surpresa. Depois de 22 anos contratada pela TVE, que mais tarde daria vez à atual TV Brasil, Leda foi demitida. Aos 66 anos. “A minha chegada ao streaming se originou de um não contrato na TV Brasil e eu não sabia o que ia acontecer. Eu estava desempregada e as circunstâncias me forçaram a isso. Me apaixonei pelo YouTube e me reinventei como uma ‘geriatuber'”, divertiu-se.

A gente melhora com o tempo e a entrevista que fiz aos 20 faria melhor aos 70. Estou mais madura, percebendo mais o outro e as coisas da vida, e meu olhar é mais profundo, diferenciado – Leda Nagle

Recentemente, a internet levantou um questionamento sobre o aprofuindamento das entrevistas feitas por podcasts. No “Sem Censura”, agora apresentado por Cissa Guimarães, Ingrid Guimarães comentou que os podcasters não fazem o mínimo que é pesquisar sobre o entrevistado e conhecê-lo. Algo que Leda endossou, lamentando a superficialidade das entrevistas – que os próprios podcasters intitulam como “conversa”, para poder justificar a superficialidade. “Vejo isso com tristeza. Perde-se a oportunidade de fazer uma entrevista mais rica, mais emocionante. É uma falha as pessoas não se informarem antes [de uma entrevista]. E isso é uma questão de humildade, faz parte do jogo e é fundamental.”

Inclusive, diante do fato de também ter sido professora universitária, Leda destaca a necessidade de o jornalismo se atualizar para não sucumbir. “Estamos vivendo um momento delicado na profissão. Todo mundo se acha comunicador, entrevistador e acha que pode ser jornalista. O jornalismo está parado, ele tem que dar uma reerguida. As grandes corporações têm que se mexer. As manchetes de hoje são as do jornal de amanhã, que precisa ter outro olhar, comentaristas, e a notícia já está no ar. O jornal fica velho e, para não envelhecer, tem que se renovar e não se sabe como buscar esse novo. É um momento delicado. O furo é algo que todo mundo dá, está tudo na internet e há vários comentaristas e muitos portais que dão as notícias ao mesmo tempo. O impresso precisa ser revigorado para não sofrer uma queda”.

Leda Nagle analisa o atual momento do jornalismo: “Precisa de movimentação” (Foto: Divulgação)

Uma mulher de opiniões firmes e conservadoras, ainda que não se veja como bolsonarista, como já relatado em outras entrevistas, Leda precisou lidar com críticas e estigmatizações, quando entrevistou personalidades ligadas à direita como Regina Duarte e o clã Bolsonaro.

No começo, quando eu não estava acostumada a ser cancelada, eu me ressentia, ficava muito chateada, profundamente chateada. Me estigmatizaram muito, e eu não gostaria que isso tivesse acontecido. [Muito da perseguição veio de] quem achasse que eu estivesse liquidada e viram que eu não estava. Há quem não goste de mim, claro, e as pessoas têm lá seus direitos. Mas deve-se entender que há espaço para gente que não concorde e aceite [as nossas opiniões]. É do humano. Mas no começo fiquei muito triste, depois aprendi a lidar. A experiência profissional, a idade e a maturidade me ensinaram – Leda Nagle

FAMÍLIA

Eduardo nasceu à noite, na terça. (…) É de uma beleza sem tamanho ver o Eduardo segurando, com sua mãozinha mínima, o meu dedo, e eu tentando ajuda-lo a segurar meu peito (…). É a mais bela viagem da minha vida. E o personagem central dela, o Eduardo“. Há exatos 40 anos, Duda ainda era Eduardo. Assim mesmo fora creditado quando saiu na capa da revista “Pais e Filhos”. O trecho em destaque é o excerto de uma crônica que sua mãe escreveu à publicação da Bloch e a qual referenciamos há um ano aqui no Site Heloisa Tolipan. Agora mãe e filho trabalham juntos. “É legal, é diferente. Não temos só paz. Concordamos, discordamos, especulamos. É uma relação viva, está sendo legal. Não tínhamos uma expectativa definida e, cada vez que muda o entrevistado, é mais provocador para nós sobre o olhar que temos para cada pessoa. É bem diferente de se fazer uma entrevista com uma pessoa só. O Duda é contestador, ousado, tem outro olhar e essa troca de olhares, de perspectivas, faz diferença. Dividir a cena é novo para nós”.

Prima do político e também jornalista Fernando Gabeira, ainda que discorde de sua orientação política, Leda tem para com ele um olhar de ternura. “Fernando é contestador, ousado, brilhante. Gosto dele profundamente, estamos de lados diferentes da História, mas as diferenças fazem parte da vida e administramos isso”.

Leda Nagle em 1983: “Que os seus sonhos, Eduardo, tanto os realizáveis como os outros, só tenham pássaros e flores” (Foto: Revista Pais e Filhos/Acervo Vítor Antunes)

Mas a paixão definitiva de sua vida é a neta, Zoe. “Ela dirige minhas fotos e é a paixão das nossas vidas, ela manda na gente maravilhosamente. Ela é maravilhosa, esperta, traz vivacidade e alegria para as nossas vidas. Ela faz nossas vidas ficarem melhores e ela diz que eu sou doida. A vó Leda, eu não sabia que ficaria apaixonada assim e que ia gostar tanto dessa avózice, mas adoro. Ela dorme comigo e é esperta e safa, tem respostas na lata, na ponta da língua, e a relação dela com o Duda é fortíssima. Eu não sabia que era tão bom ser avó, sou apaixonada por ela”.

Quando fala de sua vida, Leda Nagle divide-a em quatro momentos, ou quatro começos: “Juiz de Fora é um começo, o “Jornal Hoje”, também e o YouTube outro. Um foi o local onde eu nasci, o outro, onde eu nasci para a TV e o terceiro, o centro da minha profissão e da minha vida, e depois o YouTube que me redescobri. O quarto seria a descoberta do meu lado avó”. Talvez, uma frase que possa resumir a sua trajetória profissional é a que Janete Clair (1929-1983) disse, em entrevista à própria Leda, quando perguntada sobre o que a movia a escrever novela. A Maga das Oito disse que era a conexão “gente para gente, emoção para emoção”. O lema de Janete poderia ser o mesmo para quem se dedicou a vida inteira ao Jornalismo. O mesmo para Leda. Com certeza, e se Deus quiser.