No lançamento de “Arpoador”, cariocas se dividem entre a insustentável leveza do passado e a inevitável realidade do presente


Crônica da vida mundana: com abertura assinada por Gilberto Braga, livro traz imagens que o fotógrafo Frederico Mendes capturou no emblemático trecho de areia do Rio, espremido entre Copacabana e Ipanema

*Por Alexandre Schnabl e João Ker

Na noite desta quarta (20/8), o Arnaldo Danemberg Antiquário, no antológico Edifício Chopin, Rio, foi o local escolhido para o lançamento de “Arpoador”, livro de fotografias de Frederico Mendes com texto de abertura escrito por Gilberto Braga. Enquanto o fotógrafo registra em poéticas imagens o suprassumo da heterogenia social de um dos trechos mais emblemáticos da orla carioca, o autor de novelas como “Dancin’ Days” (1978)  e “Paraíso Tropical” (2007) explica um pouco da história desse charmoso pedacinho de chão espremido entre Ipanema e Copacabana, aliás, o local onde mantém residência.

Palco de infinitas histórias e berço de tribos indescritíveis, o Arpoador das décadas passadas pouco se parece com o atual. Seus frequentadores eram majoritariamente moradores da Zona Sul carioca, as águas eram mais limpas, o sol não se escondia tão cedo atrás de prédios imensos, o politicamente correto não havia passado do ponto e a vida era, quem sabe, mansa como o andar de malemolentes garotas de Ipanema e a ginga de meninos do Rio. A vida era bem menos babélica do que essa de hoje em dia, quando as areias do trecho mais se aproximam da Copacabana dos inferninhos incensados por outro poeta urbano do Rio, o Fausto Fawcett amante das godivas do Irajá. Um minúsculo ducado sobre o que Gilberto Braga descreve assim: “Entre os maiores atrativos da cidade do Rio de Janeiro, está sem dúvida o Arpoador, praia e calçadão, assim chamados por causa da pedra do mesmo nome, de onde turistas e cariocas, especialmente no verão, aplaudem o pôr do sol”.

O escritor, um dos grandes responsáveis pela difusão do lifestyle carioca entre o resto do Brasil via TV Globo – através de novelas que apresentam ora a excitação noturna de Copacabana, ora os requintes de Ipanema e, ainda, o idílio do Horto -, casa perfeitamente seu trabalho com o de Frederico. Este último, editor de fotografia da revista Manchete por anos, sempre apresentou o Rio como pano de fundo ocasional para suas fotos.

Aliás, Fred (como é conhecido pelos amigos) é outra deliciosa figura que faz a devida ponte entre o doce Rio de outrora e essa frenética metrópole atual. Como bom carioca de alma, é capaz até de enveredar por uma campanha fotográfica e levar, junto da equipe e para todos os lados, sua cadela xodó de estimação, uma golden retriever. Ou, em outro momento, não sossegar enquanto não arrumasse um pato para ser fotografado ao lado do ator Jorge de Sá, filho de Sandra, ainda em início de carreira. Sim, o artista visual tem nas veias essa coisa que já vem da maternidade com os nativos da urbe, aflora em quem se transfere de mala e cuia para o Rio e repousa com propriedade sobre a Pedra do Arpoador: um quase inenarrável misto de inquietação urbana com complacência praiana.

Por entre um público que transpira a essência da cidade por todos os poros , HT quer saber: para eles, o que mudou dos idos anos dourados de “Dancin’ Days” até a era atual, a tal da tecnologia da informação, dos celulares, amores fugazes, dos rolezinhos e de outros males que vêm para ficar, para o bem ou para o mal? Até que ponto vale tudo para se dar bem na casa do Cristo Redentor, época em que sub personalidades insistem ser celebridades? Ou que, na busca por um louco amor, criaturas desesperadas ultrapassam limites no corpo a corpo? Algumas respostas surpreendem, mas é sempre importante lembrar: apesar de alguns defeitos, aqui e acolá, e das reclamações de algumas pessoas, o Rio de Janeiro continua lindo. E principalmente o Arpoador, ainda mais retratado por Frederico Mendes.

Para Arnaldo Danemberg, dono do antiquário onde aconteceu o evento, há uma mistura entre renovação e reafirmação de tradições: “A descontração, essa verve do carioca, continua. E, apesar de o Rio agora estar menos malandro, continua no caminho certo”.

Arnaldo e Katia Danemberg, donos do Antiquário (Foto: Zeca Santos)

Arnaldo e Katia Danemberg, czar e czarina do Antiquário (Foto: Zeca Santos)

Quem também aposta nessa eterna positividade do carioca é Lucinha Araújo, que ainda reitera seu ponto-de-vista citando “Faz Parte do Meu Show”, da trilha de “Vale Tudo” e um dos maiores sucessos de seu filho: “As pessoas continuam vagando pelas ruas desertas do Arpoador e o próprio trecho continua lindo. A única coisa que mudou são as pessoas que passam por ali”.

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Darth Vader responsável pelo Império Osklen, nascido nas areias de Ipanema, mas pronto para conquistar o mundo e, quem sabe, os confins da gáláxia, Oskar Metsavaht admite que “aquele pedaço de praia é referência” para sua marca desde sempre e comenta: “Agora, o cosmopolitismo ficou maior, há pessoas do mundo inteiro ali”.

Oskar, com Arnaldo Danemberg, ainda comenta que adora o zeitgeist cultural e artístico do Arpoador, além de o fato de a praia ser o berço do surf e unir tanto pessoas do morro quanto do asfalto (Foto: Zeca Santos)

Oskar, ao lado de Arnaldo Danemberg, ainda comenta que adora o zeitgeist cultural e artístico do Arpoador: além de a praia ser berço do surfe no Brasil, é pedaço de chão cosmopolita que une tanto pessoas do morro quanto do asfalto (Foto: Zeca Santos)

Edgar Moura Brasil, marido de Gilberto Braga, se sente um pouco incomodado com o boom populacional dos últimos tempos: “A violência aumentou muito, aconteceu uma espécie de crescimento desgovernado. Houve também um enfeiamento da orla. Antes, só existiam prédios de quatro andares, hoje em dia são todos altos, com 18 ou mais”.

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A atriz Nathalia Timberg também encara a atitude carioca como a maior mudança através das décadas: “A cidade está muito diferente em relação à população, todo mundo quer se aglomerar por aqui. A maneira de viver o Rio está diferente. Não se permite mais viver, se permite apenas correr”.

Nathalia Timberg (Foto: Zeca Santos)

Nathalia Timberg (Foto: Zeca Santos)

O fotógrafo Marco Rodrigues faz eco às observações de Nathalia sobre o pique da cidade: “Com certeza mudou o ritmo e principalmente a mobilização urbana. Hoje são muito mais carros circulando – de dia é engarrafamento e de noite é lei seca”, se dando conta de que a chegada do metrô na General Osório também foi responsável pela aparição maciça de espécimes de outros ecossistemas no Arpoador.

Marco Rodrigues (Foto: Zeca Santos)

Como um personagem de um quadro de Piero della Francesca, Marco Rodrigues capricha no sorriso enigmático, mas amplo como a fauna do Arpoador (Foto: Zeca Santos)

A todo vapor no badalo, Leiloca, eterna Frenética, definitivo oráculo dos astros e musa inquestionável dos anos 1970, comenta: “Por incrível que pareça, nós saíamos antigamente às três da manhã e não sofríamos risco algum de assalto. Hoje, mudaram as gargalhadas, o brilho nos olhos, os amigos verdadeiros… Nada disso existe como nas décadas passadas, 1970 e 1980, que foi a melhor safra no mundo inteiro. Tipo um bom vinho. Hoje, há excesso de interesse e muita caretice, a começar pela música”.

Leiloca retomando as boas gargalhadas dos anos 1970 (Foto: Zeca Santos)

Leiloca posa de bombshell e retoma as boas gargalhadas  na vibe dos anos 1970 (Foto: Zeca Santos)

A ex-modelo, atriz e produtora de figurino Jackie Sperandio prefere não se aprofundar, mas dispara: “Mudou muito, e para pior. Mas como eu gosto de ver o lado positivo das coisas, continuo achando tudo lindo”. Fala, Polyana. Logo em seguida, ela esbarra no amigo de todas as horas e designer de joias Alberto Sabino, que completa seu pensamento: “O Arpoador era muito mais tranquilo. Hoje é cenário típico para todos os tipos, do milionário ao morado do Pavão-Pavãozinho, o que, por certo lado, é ótimo para a democratização do espaço. Antigamente não havia tantos edifícios e as tribos eram mais definidas. A gente até brincava com a turma da Rua Montenegro (atual Vinícius de Moraes), que ia à praia coberta de jóias e com o braço cheio de pulseiras de ouro, dizendo que eles iriam afundar no mar”.

Alberto Sabino e Jacki Sperandio (Foto: Zeca Santos)

Alberto Sabino, esteta dos acessórios, e Jackie, que se divide entre o louro acobreado e o vermelho fogo de madeixas incendiárias, se abraçam recordando a época em que o Arpoador era a casa de Perfeito Fortuna e sua trupe (Foto: Zeca Santos)

Leonina, a top top public relations Patricia Brandão fala de forma enérgica sobre o que a passagem doa anos andou trazendo: “Geograficamente, o Rio ainda é a cidade mais linda. Em comparação, o culto à praia morreu. O Arpoador era um mix de formadores de opinião, intelectuais e moradores da Zona Sul. Hoje, a praia é o único lazer barato que a cidade oferece. Frequentei a minha vida inteira, mas hoje não vou mais – ninguém vai. O píer, o cool, o ideal da Garota de Ipanema já se foram. Hoje, quem vai são as pessoas que moram longe e não têm lazer disponível”.

A editora Patrícia Vieira, que se diz chateada com a existência de arrastões na praia (Foto: Zeca Santos)

Arrasando na boca carmim, Patricia Brandão se revela aborrecida com a existência de arrastões na praia (Foto: Zeca Santos)

Autoridades máximas da noite, Gilberto Braga e Frederico Mendes compartilham opiniões parecidas. Para o autor, “os costumes evoluíram. Há menos racismo e mais tolerância aos casais homossexuais. Um ganho. Em relação à paisagem, mudaram as ciclovias, que deixaram tudo maravilhoso a partir da década de 1980, com a onda da saúde”. Já o fotógrafo romantiza, sem perder o tom cartesiano: “O sol continua se pondo no mesmo lugar, as pessoas são as mesmas, as canções são as mesmas. Só mudaram o tom e a voz. O Arpoador sempre será o mesmo: universal e de todo mundo”.

Frederico Mendes e Gilberto Braga (Foto: Zeca Santos)

Ases de Copas: Frederico Mendes e Gilberto Braga (Foto: Zeca Santos)

Confira as fotos do badalo!

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Fotos: Zeca Santos