*Por Brunna Condini
“Estou saudável, me sinto muito bem”, diz Kelzy Ecard. A atriz se refere à vida após o tratamento para um câncer de mama. Até maio deste ano, quando ela comemorou em seu Instagram o final do tratamento, Kelzy não havia tornado público o diagnóstico. E mesmo após a postagem, não comentou mais o assunto, ainda não sentia-se pronta. Afinal, não precisou lidar somente com a própria enfermidade nos últimos tempos: pouco antes do seu diagnóstico, teve que enfrentar o diagnóstico de uma doença rara no cérebro do filho Pedro, hoje com 21 anos. E, como se não bastasse, já no final do seu tratamento para o câncer de mama, precisou lidar com a descoberta de um agressivo tumor no cérebro do seu irmão Ralfe, que o fez partir em 45 dias, aos 56 anos. “O ‘chão não se abriu’ debaixo de mim quando descobri o câncer, porque já havia se aberto antes”, lembra.
Nesta matéria Kelzy compartilha sua história pela primeira vez. Ao falar do câncer, chama a atenção para a importância da prevenção, do diagnóstico precoce, e também da urgência no início do tratamento, o que aumenta o seu sucesso. “Me agarrei à vida e fui fazendo tudo o que era preciso para me curar”. Em um depoimento exclusivo ao site, a atriz celebra o presente. “Em 2025 estreia ‘Dona Beja‘ (novela Max), produção em que estou, e vou reestrear um espetáculo, ‘Meu caro amigo‘, com músicas de Chico Buarque, que este ano faz 15 anos da primeira montagem. Também estou no set de filmagem de um longa para o streaming”, revela. Aqui, ela revisita um passado recente, que mais parece ter sido tirado de um roteiro de ficção, tamanha a incredulidade diante da sequência de acontecimentos adversos. Mas ela não se queixa, prefere usar sua energia vivendo:
Consegui permanecer, estou aqui. Nunca dei tanto valor a minha existência quanto agora. Hoje olho para o lado bom da vida. Acendeu um farol neste sentido para mim – Kelzy Ecard
Antes do diagnóstico
“Para falar do diagnóstico, tenho que voltar um pouquinho para contextualizar o cenário em que eu vivia quando ele aconteceu. Durante a pandemia fiquei muito ansiosa, instável, e nem foi financeiramente, porque estava empregada. Fiz tudo o que podia para manter minha saúde física e mental. Fiquei em cartaz com peça online durante sete meses, me mantive ativa. Mas no início de 2022 não estava me sentindo bem fisicamente, com um cansaço além do habitual”, relata Kelzy.
No entanto, ela achou que podia ser algo relacionado ao estresse. “Na época, estava me preparando e animada para fazer um trabalho em São Paulo. Além disso, havia acabado fazer uma viagem maravilhosa para São Pedro da Serra com meu filho e sua namorada, antes do ingresso dele na faculdade. A vida estava boa, tinha dinheiro no banco e muitos projetos. Mas três semanas após o início da faculdade, meu filho começou a sentir muito sono e ter questões visuais, até que depois de algumas consultas médicas, foi diagnosticado com um tumor no cérebro, aos 18 anos”, desabafa.
“Abriu uma ‘cratera’ debaixo de mim, fiquei desesperada. Mas sempre tivemos médicos muito próximos, então Pedro teve todo acompanhamento desde o princípio. Na sequência da investigação do suposto tumor, ele fez uma biópsia no cérebro e constataram que o que ele enfrentava, na verdade, era uma doença granolumatosa, chamada histoplasmose, um fungo no cérebro, que no geral acomete só o pulmão, mas no caso dele, foi para o Sistema Nervoso Central. Justamente por isso, seu diagnóstico foi raríssimo. Na época falava-se em apenas outros 11 casos como o dele relatados pela literatura médica. Dali em diante, por conta das áreas afetadas, ele começou uma jornada de internações e um acompanhamento diário”.
Paralelamente a isso tudo, a atriz recebeu o convite para fazer ‘Todas as Flores‘ (novela original Globoplay, 2022). “Mas eu não conseguia responder imediatamente, afinal, a vida estava um caos. Eles foram muito legais comigo, esperaram alguns dias e eu topei. Fui fazer a novela durante a primeira internação do Pedro, que durou 42 dias. Precisava trabalhar, afinal, o que meu filho teve foi de emergência, e do dia para a noite, desembolsei tudo o que tinha de reserva para que ele tivesse o melhor tratamento. No início da gravações de ‘Todas as Flores‘, saia direto do hospital para o set e depois, voltava para o hospital. Essa era a rotina. O trabalho me fortalecia de todas as formas e o principal foco na minha vida era a recuperação do Pedro”.
O diagnóstico
“Um dia, dormindo, senti algo estranho na minha axila. Como tenho muitos lipomas, não dei importância. Até que uma manhã acordei e senti uma massa no meu seio esquerdo, que doía. Na hora entendi que poderia ser um câncer de mama. À essa altura, não fazia exames preventivos desde um pouco antes da pandemia. Por isso, friso aqui: se observem e não deixem de fazer seus exames periódicos. Claro que eu estava em uma situação muito atípica. Mesmo sentindo algo estranho, deixei passar porque precisava cuidar do meu filho. Meu olhar estava todo voltado para ele e suas necessidades, como consegui naquele momento”.
Kelzy conta que procurou o seu médico e, no dia seguinte, foi a um mastologista que sinalizou que a chance de ser câncer era grande.
Constatamos o diagnóstico e eu só conseguia pensar de forma prática: ‘Ok, estou com câncer, preciso me tratar e me curar. Meu filho precisa de mim’. O ‘chão não se abriu’, porque já havia se aberto com a doença do Pedro. Eu só pensava em seguir e fazer o que precisava ser feito. Soube do câncer de mama durante os 28 dias da segunda internação do meu filho – Kelzy Ecard
A atriz reitera que “não é um processo fácil, até a investigação diagnóstica é doloridíssima. No meu caso, tive um processo inflamatório com o tumor, então a dor era constante. Quando descobri o câncer, o seu estadiamento era HER2 positivo no estágio 3, ou seja, um câncer avançado, mas ainda curável. Comecei a me tratar imediatamente e fui bem amparada por médicos competentes, e também por uma rede de apoio familiar. Meu irmão Ralfe, e sua esposa, Andréia, eram muito próximos de mim e do meu filho. Na verdade, Ralfe era um tio quase pai para o Pedro, eram muito ligados. Meu irmão e minha cunhada acompanharam de perto o tratamento do meu filho. E no meu caso, foram a quase todas as consultas, sessões de quimioterapia. Seguraram na minha mão e fomos em frente”.
Pouco antes do diagnóstico, havia sido chamada para fazer um filme. Ia começar o tratamento e fiz contato com a produção informando e entendendo se o convite estava de pé. De cara disseram que sim, mas dois dias depois me ligaram dizendo que por conta da situação era complicado me ter no set. Eu tinha muitas preocupações e a financeira estava entre elas, precisava trabalhar. As doenças afetam bem mais que o organismo, afetam a família, a saúde financeira, é preciso falar disso – Kelzy Ecard
Uma pequena reserva financeira foi utilizada e, enquanto não trabalhava, Kelzy teve ajudas pontuais da família. “Já mais para o final do tratamento, durante a imunoterapia, fui gravar ‘Dona Beja‘, um trabalho maravilhoso, em que fui muito acolhida. Eu estava bem amparada e segui firme fazendo meu tratamento: foram 16 sessões de quimioterapia, depois mais cinco sessões de radioterapia, quatro de imuno+quimio e 18 sessões de imunoterapia”. explica.
“Na minha última sessão de quimioterapia, meu irmão Ralfe não foi acompanhar porque se internou se queixando de dores na base da cabeça, pescoço. Achou, inclusive, que poderiam ter relação com uma questão dentária que teve recente. Mas, no hospital, ele teve um desequilíbrio e resolveram fazer um protocolo de AVC, uma tomografia e descobriram um tumor grande no seu cérebro”.
Estava me sentindo forte. Meu filho melhorava diariamente, eu estava conseguindo passar pelas etapas do tratamento e me sentia esperançosa com o presente. E isso já era maravilhoso. Mas depois do diagnóstico do meu irmão, desabei, achei mesmo que não fosse aguentar. Era muita coisa. Ralfe fez a cirurgia para a retirada do tumor, mas não voltou dela. Entre o diagnóstico e sua partida, aos 56 anos, foram 45 dias – Kelzy Ecard
Tratamento, acolhimento e aprendizados
“Não quero ser positiva tóxica (risos), mas já estava tudo tão trágico, que eu não tinha energia para empenhar que não fosse para seguir em frente. Uma das coisas mais importantes em um tratamento oncológico é você confiar em quem está cuidando de você. Por isso quero muito agradecer aos meus médicos: o clínico, dr. Ricardo Amorim Garcia; o mastologista, dr. Augusto César Rocha; e o oncologista, dr. José Bines. É bom se inteirar do seu tratamento, do seu tipo de câncer, mas em algum momento, essa coisa de pesquisar me deixou muito ansiosa, porque cada caso é um caso, é fácil se impressionar. Por isso, confiar nos seus médicos e no protocolo proposto é tão importante.
A dramaturgia, por exemplo, só mostra a fatalidade do câncer, é difícil ver casos positivos retratados. Por isso quero tanto fazer um trabalho com o tema. Hoje o câncer pode ser mais uma doença crônica, com tratamento, cura, remissão. Claro que tudo o que falo é do lugar de paciente, de como senti, do que vivenciei. Mas pense que a medicina evoluiu muito nos tratamentos. Não se abandone, não vá empurrando, se cuide – Kelzy Ecard
“A gente aprende muita coisa a partir de uma vivência dessas, não é clichê. Aprendi, por exemplo, a não viver com medo. Porque depois de um tratamento, mesmo curada, são anos com aquela ‘sombra’ ali, de que o câncer pode voltar em algum momento. Não dá pra viver assim, a minha escolha é não viver com medo. Dou graças a Deus que sou artista, porque posso elaborar o que vivi de outra forma, porque é uma trajetória difícil. Vai soar clichê novamente(risos), mas de verdade, o que me deu segurança nesta jornada foi o amor das pessoas ao meu redor. Minha confiança foi na ciência e no amor. E no trabalho, porque tive a sorte de não ter um hiato grande”.
Fico pensando nas pessoas que não têm recursos, rede de apoio…me sinto realmente privilegiada, pude me tratar com os médicos que escolhi, pude lutar. Eu pude, meu filho pôde, meu irmão não teve brecha para isso. Por isso, reforço aqui, é muito importante o acesso à informação, a prevenção, a ação pós diagnóstico. E se você está lidando com um paciente oncológico e não sabe o que dizer, fazer, ofereça apoio, diga que está ali. Isso, por si só, já é muito importante. Qualquer gesto de afeto faz diferença – Kelzy Ecard
E acrescenta com uma profunda reflexão: “Não gosto de dizer que eu venci o câncer, porque dá a impressão de que quem não se curou, perdeu. Eu até entendo quem celebra dizendo que venceu, mas prefiro dizer que consegui permanecer, estou aqui. Nunca dei tanto valor a minha existência quanto agora. Hoje olho para o lado bom da vida. Acendeu um farol neste sentido para mim”.
“Depois de passar por um tratamento oncológico, é difícil não se transformar. Tenho me cuidado muito mais, estou me sentindo ótima, cheia de energia, cheia de planos futuros, mas de planos presentes também. Olha, hoje eu estou a rainha do clichê (risos). Mas não tem outra forma de dizer isso. Meu irmão tinha muitos planos futuros e teve a vida interrompida de forma abrupta. Hoje eu tenho mais planos de presente.
Outra coisa que se fortaleceu em mim foi minha empatia, meu olhar para o outro. Como esse exercício é importante. A gente não sabe o que o outro está passando. Fora que tem muita coisa que damos importância, que não tem a menor importância”.
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