Karen Junqueira: “Falei sobre o estupro que sofri como alerta. Farei campanha em prol da proteção de crianças”


A atriz fala sobre a possibilidade do seu papel na reprise da novela ‘Haja Coração’, na TV Globo continuar abrindo espaço para debates necessários acerca dos preconceitos. Karen também relembra a coragem que se imbuiu para abordar episódio que exigiu resistência para superar em prol de ajudar o próximo: o estupro que sofreu na infância. “Depois que contei, recebi e continuo recebendo muitas mensagens, histórias e apoio. Foi um processo difícil, mas muito importante e teve como único objetivo servir de alerta para que outras crianças não passem pelo que passei, para que o silêncio seja quebrado. Falar cura. Tenho um projeto em andamento, uma campanha na verdade, que visa promover a conscientização da importância de proteger e cuidar das nossas crianças”

*Por Brunna Condini

Recentemente, a atriz Karen Junqueira revelou uma triste história da infância: ela foi estuprada quando tinha apenas 12 anos pelo pai de uma amiga. A decisão de falar sobre o assunto foi guiada pela motivação de encorajar outras vítimas a falarem. E de lá para cá qual foi o retorno recebido? “Muitas mensagens, histórias e muito apoio. Foi um processo difícil, mas muito importante para mim. E teve como único objetivo servir de alerta para que outras crianças não passem pelo que passei, para que o silêncio seja quebrado. Falar cura. Tenho um projeto em andamento, uma campanha na verdade, que visa promover a conscientização da importância de proteger e cuidar das nossas crianças”, anuncia.

No ar, na edição especial de ‘Haja Coração’, como a vilã Jessica Sampaio – que cometia todo tipo de atrocidade para separar o casal Felipe (Marcos Pitombo) e Shirlei (Sabrina Petraglia) -, a atriz acha importantíssimo também o debate que a personagem levanta, a respeito do preconceito com a pessoa portadora de deficiência física. “Levantar o tema do preconceito contra deficientes foi muito importante, porque ele existe e não é muito falado, mostrado e debatido. A volta da novela mais uma vez levanta esse tema. Não faz sentido qualquer tipo de preconceito, é inadmissível, e que bom que podemos usar a arte para promover o combate a este tipo de discriminação”, diz Karen.

“Além disso, tenho profundo respeito pelas empregadas domésticas (Shirlei também exerce a função na trama), e também é debatido como algumas pessoas as desrespeitam! As pessoas chegaram a confundir a atriz e a pessoa, mas acho que é um sinal de trabalho bem feito. Cheguei a receber mensagens de ódio bem desaforadas, mas levei na esportiva, faz parte! Fico feliz com a revolta, isso tem que existir quando casos reais acontecem”.

Karen e Sabrina Petraglia em cena da novela ‘Haja Coração’ (Divulgação)

A atriz recorda inclusive, que era muito difícil fazer as cenas em que sua personagem maltratava a Shirlei vivida por Sabrina Petraglia: “A Jessica é uma personagem muito distante de mim, tive que buscar muitas referências para dar vida à ela. Mas foi um trabalho muito importante na minha carreira, tenho muito carinho por tudo que vivi ali”.

Em nome das crianças e adolescentes

Segundo dados do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, este ano, o número de denúncias de violência contra crianças e adolescentes no Brasil caiu 12% durante os meses da pandemia em comparação ao mesmo período do ano passado. Foram registradas 26.416 denúncias pelo canal “Disque 100” entre março e junho deste ano, contra 29.965 no mesmo período de 2019. Especialistas disseram que o isolamento social pode ter dificultado essas denúncias. Mas o fato é que é preciso sensibilizar e informar a sociedade para ações que garantam à crianças e adolescentes o direito ao desenvolvimento de sua sexualidade de forma segura. É preciso que a sociedade reveja urgentemente a forma como lida com essa mazela.

É perceptível que 2020 jogou luz em muitos assuntos que eram ficavam para escanteio ou para baixo do tapete. Ele será lembrado como um ano difícil e desafiador, mas também pode ficar na memória como um ano para revermos, para passar a limpo nossas histórias, transformar, transmutar. Para Karen, esse revisitar a própria história também exigiu coragem para romper o silêncio de anos sobre uma violência sofrida ainda na infância.

“Foi um processo difícil, mas muito importante para mim, e teve como único objetivo servir de alerta para que outras crianças não passem pelo que passei, para que o silêncio seja quebrado” (Foto: Dêssa Pires)

Chegou a pensar em denunciar a violência que sofreu? “Demorei 10 anos para contar o que aconteceu para minha mãe e só consegui fazer isso depois que meu pai faleceu. Foi um processo difícil. A vítima que passa por isso é tomada por um sentimento de culpa e vergonha que a impede de falar, e é esse ciclo do silêncio que precisa ser quebrado e foi pensando nisso que contei minha história, que abri algo tão pessoal para que os pais e as crianças estejam alertas, para que possamos enxergar os sinais, para que estejamos atentos às nossas crianças, os números são alarmantes e esse cenário precisa mudar”.

Como cuidou disso em você? Fez ou faz terapia? “Foram anos de terapia, que foram essenciais para que essa decisão de me expor fosse tomada. Minha terapeuta me ajudou demais e me deu todo apoio”.

“A vítima que passa por isso é tomada por um sentimento de culpa e vergonha que a impede de falar, e é esse ciclo do silêncio que precisa ser quebrado e foi pensando nisso que contei minha história” (Foto: Dêssa Pires)

Ela também aproveita para fazer um alerta: “As crianças tem suas formas de contar o que se passa com elas, elas dão sinais… uma criança calada, briguenta, quer contar algo, converse, eduque. Falar sobre educação sexual é importante, não é sobre sexo, é sobre entender e aprender a proteger seu corpo”.

O caminho se faz caminhando

Natural de Caxambu, Minas Gerais, Karen se mudou para o Rio de Janeiro aos 17 anos para estudar teatro e realizar o desejo de se tornar atriz. Hoje, aos 37 anos, com mais de 15 produções de TV no currículo e inserções no cinema e no teatro, a atriz afirma que o caminho não foi feito só de sonho. “Foi tudo muito difícil. Não conhecer ninguém foi uma das dificuldades… tentar tudo sozinha foi um caminho árduo, trabalhei em loja, aluguei quarto na casa das pessoas, era muito nova, em uma cidade enorme!”, recorda. “Tive que trabalhar muito e correr atrás. Em muitos momentos pensei em desistir. A grana era muito curta até para comer, mas viver da minha arte sempre foi meu objetivo e era o que eu queria para mim. Passar por tudo me fortaleceu e me fez entender exatamente o que queria e como queria. Sou grata pelas minhas conquistas. Não me arrependo de nada! Só tenho a agradecer! O Rio é um lugar muito especial pra mim”.

“Tentar tudo sozinha foi um caminho árduo, trabalhei em loja, aluguei quarto na casa das pessoas, era muito nova, em uma cidade enorme!” (Foto: Dêssa Pires)

Com saudade das raízes, ela passou parte da quarentena no interior de Minas Gerais, na casa da mãe. “Passei uma temporada lá e foi muito importante voltar a viver onde nasci por um tempo! Não tive a Covid-19, mas alguns amigos, sim. Estou tomando cuidados, não indo a lugares com aglomeração. É preciso respeitar este momento, nos proteger e pensar num todo!”. E comenta sobre a vida profissional no período: “Estava em um projeto de um musical que estrearia este ano, mas por conta da pandemia foi adiado. Então usei esse tempo para participar mais ativamente no laboratório de análises clínicas que sou sócia e que tem me ensinado muito. Empreender é algo novo para mim e este período está me ajudando a me aperfeiçoar e até a entender melhor como posso contribuir com as pessoas nesse momento que estamos vivendo. Fora isso, tenho um projeto na TV que está sendo fechado, ainda não dá para falar muito. Mas penso que em um momento como esse, só sonho com uma vacina para que possamos nos abraçar. Gostaria muito que nossa liberdade voltasse, para que o teatro possa reabrir e voltar aos trabalhos! Seria o maior presente em um ano tão desafiador e difícil!”.