“Jogamos luz sobre pessoas que o mercado de trabalho não enxerga”, diz Ariadne Mendes, fundadora do Loucura Suburbana


Criado por funcionários e usuários do serviço de saúde mental do Rio, há exatas duas décadas, ‘Loucura que Afeta Todos Nós’ é o tema do enredo do bloco que vai abrir o carnaval do Engenho de Dentro, levantando poeira sobre a realidade difusa que vivemos atualmente. Mais atual impossível! O desfile será realizado quinta-feira, no Instituto Municipal Nise da Silveira, ao som da bateria Ensandecida

*Por Felipe Rebouças

Fundadora e idealizadora do Loucura Suburbana: Engenho e Cultura, realizado no Engenho de Dentro, Zona Norte do Rio, Ariadne Mendes conta ao site Heloisa Tolipan como é por na rua um bloco criado por funcionários e usuários do serviço de saúde mental do Rio, há exatas duas décadas: “O que me orgulha? Somos o primeiro Ponto de Cultura de saúde mental do Rio de Janeiro chancelado por edital público. Nascemos em dezembro de 2000, quando os funcionários e usuários do ambulatório [Nise da Silveira] decidiram que precisávamos celebrar o carnaval. Em fevereiro de 2001 saímos com 200 pessoas. Hoje, vinte anos depois, esperamos cerca de mil e sempre tivemos a solidariedade, a inclusão e a diversidade como valores. Muitos usuários de serviço de saúde mental se descobriram artesãos, compositores, escritores conosco. Todo nosso projeto foi construído para eles e a partir deles. Isso tudo me orgulha muito”, disse Ariadne.

‘Loucura que Afeta Todos Nós’, assim o Loucura Suburbana vai abrir o carnaval do Engenho de Dentro, levantando poeira sobre a realidade difusa que vivemos atualmente. Mais atual impossível! O desfile será realizado quinta-feira, no Instituto Municipal Nise da Silveira, ao som da bateria Ensandecida.

“Trabalhamos duro o ano inteiro para endossar a mensagem de que o sofrimento e a dor que essas pessoas sentem eventualmente não as impedem de viver como todos nós” (Marcelo Valle)

Aos 70 anos, a coordenadora do Loucura Suburbana: Engenho e Cultura Ariadne Mendes busca trazer à tona, no vigésimo ano de bloco, a importância da integração social. “Cultura não se faz apenas como observador, é preciso que todos vivam e construam a cultura para que ela seja plural, diversa e acessível”, afirma. Realizado por funcionários e usuários do serviço público de saúde mental da capital, o desfile busca gerar acolhimento, inclusão e respeito à diversidade como valores importantes na construção de uma sociedade mais justa e livre de preconceitos. “Nascemos no Engenho de Dentro e logo recebemos a colaboração e participação de outros centros de tratamento engajados na luta antimanicomial”.

Queremos, em forma de alegria, elevar o ânimo dos servidores e usuários do serviço público de saúde do Rio que sofrem tanto no dia a dia da cidade”, diz Silvana Bomfim Jandre, coordenadora técnica do bloco. (Maria Buzanovsky)

Nesse sentido, em 2003, Ariadne e seus pares criaram a Encantarte Editora, que já produziu mais de 40 títulos e “a maioria feita por usuários, o que é impressionante!”, exclama a coordenadora. “Trabalhamos duro o ano inteiro para endossar a mensagem de que o sofrimento e a dor que essas pessoas sentem eventualmente não as impedem de viver como todos nós. Elas precisam de cuidados especiais, como muito de nós também temos demandas individuais. Não se trata de pessoas que devam ser vistas à margem”.

“Temos a missão de levar essa mensagem de inclusão. É importante alimentarmos um olhar mais humano em relação à loucura, assim veremos que não se trata de uma invalidez, algo incapacitante”, diz Mendes. (Maria Buzanovsky)

Neste ano, a preservação do bioma amazônico e o desmonte da saúde mental no município serão abordados como temas. “Não contamos com nenhuma verba pública, fazemos o bloco com base em doações voluntárias. Queremos, em forma de alegria, elevar o ânimo dos servidores e usuários do serviço público de saúde do Rio que sofrem tanto no dia a dia da cidade”, diz Silvana Bomfim Jandre, coordenadora técnica do bloco há dez anos. A intenção, segundo ela, é fazer, mais uma vez, um bloco fraterno e familiar, que exalta os costumes suburbanos e tenha a presença de pessoas de todas as idades e circunstâncias de vida. A passista do bloco, Elisangela da Silva, de 39 anos, é tratada no Capes Fernando Diniz e mora com mais cinco usuários. Ela se posiciona à frente da bateria e conduz o bloco no ritmo da percussão, com muito samba no pé.

“Em fevereiro de 2001 saímos com 200 pessoas. Hoje, vinte anos depois, esperamos cerca de mil”, conta Mendes. (Marcelo Valle)

Além de Elisangela, o bloco terá mestre-sala e porta-bandeira, vestidos com as cores da Amazônia, e a presença dos sambistas Didu Nogueira, Marquinhos de Oswaldo Cruz e Bruno Castro. “Temos a missão de levar essa mensagem de inclusão. É importante alimentarmos um olhar mais humano em relação à loucura, assim veremos que não se trata de uma invalidez, algo incapacitante”, diz Ariadne Mendes.