*Por Brunna Condini
Celebrando quatro décadas de trajetória na TV e no cinema, Jayme Monjardim avalia os recomeços que tem se permitido. A dramaturgia como ferramenta de transformação, ele já conhece e imprime em seus trabalhos. Mas, como cidadão, no que diz respeito a colocar a mão na massa para transformar realidades é um (entusiasmado) participante. Por isso, firmou parceria com a WOGY – Word Organization of Good Industry, a ‘Indústria do Bem’, organização que pretende fomentar o terceiro setor e gerar transformação social conectando pessoas. “A pandemia nos fez ver que o mundo está além do nosso umbigo. Podemos ajudar as pessoas. Sempre tive esse desejo. É um outro voo de vida, fora projetos de TV e cinema. Um projeto ousado, difícil, suado pelo menos há dois anos. O objetivo é criar uma organização, na qual todas as pessoas que desejem fazer o bem estejam interligadas em uma única rede”.
Além de partilhar o desejo de ações por uma realidade mais digna para todos, o diretor também recomeçou a partilhar a vida. Namorando a atriz Anne Marques, de 24 anos, Jayme diz que o encontro é uma nova oportunidade na vida: “Estou cada vez mais envolvido com a Anne. Acredito que todos estamos à procura de uma companheira ou companheiro. Não tenho nenhum preconceito em querer ser feliz novamente com alguém”. E revela: “Casaria mais uma vez. E também teria mais filhos. Sempre achei que teria sete, estou com quatro, faltam três (risos)”.
“Quando fui diagnosticado com câncer de próstata em 2015, tive que congelar meu sêmen, porque foi feita a operação para retirada total da próstata. E o médico sempre disse que daria para uma tentativa com três embriões, então poderiam ser gêmeos e até ser trigêmeos, aí fecho o time (risos), já pensou?”.
Em uma hora de entrevista, Jayme falou do encontro com o projeto social, do desejo de viver com plenitude todas as experiências e descobertas, exaltou a estreia do remake de ‘Pantanal‘ no próximo dia 28, e recordou curiosidades da primeira versão dirigida por ele, há 32 anos. Novos projetos e sua opinião sobre o destino das produções da TV aberta também entraram no papo. E deixou claro o quanto ama o que faz. “Quero morrer em um set. Pra quê diminuir o ritmo? ‘Doutor’ Roberto Marinho (1904-2003) fundou a Globo aos 65 anos, minha idade. Tenho muitos sonhos. Sou um sonhador que não quer parar de sonhar e de realizar. Tenho muita curiosidade sobre a vida e muito que aprender ainda”, garante.
O caminho do bem
“Queremos dar visibilidade para a ‘Indústria do Bem’, então resolvemos partir para ações concretas. Conheci o Maranhão, suas florestas e um novo alimento, típico da região, que se chama babaçu. E começamos a ver que muitos produtos podem ser feitos através dele, e também, que comunidades bem carentes viviam do babaçu. Compramos essas áreas e começamos a fazer um trabalho em volta destas comunidades, na baixada do Maranhão, uma das regiões mais pobres do estado. Além disso, já estava pretendendo rodar meu próximo projeto, o filme ‘Maria Bonita’, na Paraíba e em outras regiões, mas descobri as matas do Maranhão, regiões belíssimas, e foi tudo casando, de uma forma que a gente não espera. E foi tudo se misturando, o meu trabalho à esse projeto. Do diretor surgiu um cara preocupado em trazer um alimento novo e bem-estar”.
Pantanal, a telenovela exibida na TV Manchete nos anos 90
“Foi um marco na minha carreira. Ganhei um respeito maior e responsabilidade também, com a direção geral de outros projetos. Sempre agradeci seu Adolpho Bloch (1908-1995), dono da extinta TV Manchete, por ter permitido que eu fizesse uma obra como essa. Na Globo tinha sido engavetada. Ninguém queria saber da loucura que seria realizar. Só se chegava ao Pantanal de avião, não tinha telefone, só rádio. Construímos banheiros com teco-teco carregando tijolos, não dava para chegar de barco. O elenco dormia junto, o gerador desligava às 22h. A equipe era pequena, suava para fazer acontecer, os câmeras ficavam praticamente pendurados no avião para fazer as imagens (risos), não tinha essa tecnologia de hoje. Enfim, foi um grande desafio. Passei um ano no Pantanal praticamente”, recorda Jayme. “É um lugar que amo estar até hoje”.
E comenta sobre a atual versão, escrita por Bruno Luperi e dirigida por Rogério Gomes, o Papinha. “Acredito que também será um divisor de águas na dramaturgia da Globo. Acho que ‘Pantanal’ vem com tudo e a população está carente de novelas sobre o Brasil da alma, da essência. Fico feliz, porque será um marco como foi para mim, na minha época. O trabalho do Papinha está de cair o queixo, vi as chamadas, imagens lindas. E com a tecnologia, pode ser feita uma novela com outros recursos. São imagens poderosas que farão toda a diferença”.
Maria Bonita
O diretor conta que está mergulhado no projeto de um filme sobre Maria Bonita, a companheira de Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião. “É o olhar dela sobre ele. Só penso e pesquiso sobre a Maria Bonita, estou apavorado do Lampião aparecer aqui em casa pra me pegar (risos). É uma história incrível. Ela foi a primeira mulher a parir em um ambiente de bando, a entrar na Umbanda na região, por exemplo. Toda a história será a partir dela e o Lampião é coprotagonista. O amor dela, sua paixão por tudo, traz um charme muito grande para o enredo”, conta .
“Gosto de priorizar o olhar das mulheres nas produções. Sinceramente, acho que o público sente a sensibilidade da alma feminina, que aflora muito mais facilmente”.
Séries internacionais
Monjardim tem uma novela dirigida por ele no ar, ‘O Clone‘, no Vale a Pena Ver de Novo, e revela que após o sucesso de ‘Passaporte para Liberdade‘, a primeira produção da Globo, em parceria com a Sony Pictures Televison, ele já trabalha em mais um projeto de série internacional: “Estou conversando com a Globo sobre o ‘O Menino que Comeu a Biblioteca’, que é um texto lindo da Leticia Wierzchowski, que também escreveu ‘A Casa das Sete Mulheres’. É a história de um menino que sobreviveu à Segunda Guerra vendendo livros do avô na Polônia, e essa história vem parar no Brasil. É emocionante e está mexendo muito comigo, fala de empatia, amor”.
O futuro
Para ele o tempo das novelas não acabará. No entanto, pondera: “O streaming é uma realidade, é o momento da concorrência. O que sinto, é que a TV aberta ou transforma projetos em grandes obras ou vai ficar a ver navios. A novela ‘Pantanal’ é um exemplo. Hoje, só a TV Globo consegue fazer projetos com essa magnitude. O streaming sempre vai trabalhar com investimentos menores, a não ser que sejam projetos do tipo de um ‘The Crown’. Acredito que os grandes projetos vão sustentar a TV aberta”, opina. “O que temos que fazer são grandes projetos de teledramaturgia, como sempre fizemos. Não dá mais para fazer novelinhas, temos que fazer ‘as novelas’. Ousar. O mundo é de quem ousa”.
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