‘Estive na estatística de pessoas que pensaram em tirar própria vida’, diz Marcela Mc Gowan sobre Setembro Amarelo


A médica faz sucesso nas redes falando sobre sexualidade, saúde e desejo feminino, inclusive lançando série no IGTV para discutir o empoderamento. Em entrevista exclusiva ao site HT, Marcela também recorda o início do seu ativismo LGBTQIA+, motivado pelo processo de transição do irmão Enzo, e da sua própria bissexualidade. E responde perguntas comuns que chegam até ela, além de desmistificar alguns tabus: “Fomos ensinados a ver sexualidade como algo errado, sujo, uma grande moralidade foi aplicada ao tema também. Em geral, as pessoas não encaram como algo natural e que faz parte do dia a dia, e sentem medo de serem julgadas se tocarem no assunto”

*Por Brunna Condini

Desde abril quando deixou a casa do Big Brother Brasil 20, a médica Marcela Mc Gowan foi de um confinamento total e opcional para um necessário por conta da pandemia do coronavírus. Mas, as circunstâncias fora da casa na TV não fizeram sua rotina ficar menos agitada. Pelo contrário. “Está uma loucura, mas passado o susto inicial, tem sido uma delícia! Estou conseguindo usar minhas redes sociais para comunicar muitas coisas que considero importantes”, conta Marcela que tem tido sucesso quebrando tabu nas redes falando sobre sexualidade e desejo feminino, entre outros temas.

De olho no momento, Marcela usou seu Instagram na manhã desta sexta-feira para falar da importância da saúde mental em prol da campanha Setembro Amarelo, de prevenção ao suicídio. “A pandemia do novo coronavírus afetou a saúde mental de 70% da população e ao menos uma em cada seis pessoas já pensou em acabar com a vida. O isolamento e o estresse que estamos vivendo só aumenta mais esses gatilhos. Eu já estive nesta estatística, e você deve conhecer alguém que esteve também. Conversar sobre o assunto de forma honesta e aberta pode ajudar, sobretudo, a diminuir os preconceitos e tabus. Conversar, acolher e oferecer ajuda às pessoas que estão passando por situações difíceis”.

Ao site, ela acrescentou sobre como tem cuidado da própria saúde mental e da ansiedade estimulada pelo período: “Consegui controlar com terapia e meditação. Focar no trabalho me ajudou muito também. Sempre amei produzir, e isso me dá uma sensação muito boa”.

“Consegui controlar com terapia e meditação. Focar no trabalho me ajudou muito também. Sempre amei produzir, e isso me dá uma sensação muito boa” (Divulgação)

Ser gentil consigo

A ginecologista e obstetra faz questão de fazer de seu discurso nas redes uma ponte para esclarecimentos sobre a saúde sexual e o prazer feminino. Além disso, Marcela também assume o lugar de ativista das causas e da saúde LGBTTQIA+, movimento estimulado pela convivência com um dos seus irmãos, Enzo Lins, que é transexual. A convite do site, Marcela fala sobre a transição e aceitação do irmão, e também do conforto com a própria sexualidade. Além de esclarecer algumas questões comuns a muitas mulheres e desmistificar alguns tabus.

Como foi esse processo para seu irmão Enzo e para sua família? “Sempre percebemos que ele se identificava como homem, mas falar sobre trans era algo muito raro ainda. Ele se abriu com minha família aos 18 anos através de uma carta, mesmo assim foi difícil para compreenderem. Só anos depois, quando estudei o assunto, que tudo ficou claro e consegui ajudá-lo a se comunicar com minha família”, revela. Então, você se especializar e falar tão abertamente sobre sexualidade ajudou? “Ajudou, sim. Foi quando entendemos exatamente o que ele estava passando, e eu pude orientá-lo e acompanha-lo em todos os processos. Também ajudou meus pais a ficarem mais tranquilos. Depois disso, inclusive comecei a prestar mais à atenção aos meus desejos, e não ter medo deles. Eu consegui compreender que a bissexualidade é uma realidade e não há nada de errado em me sentir assim”.

“Falar abertamente sobre sexualidade ajudou na transição do meu irmão” (Acervo pessoal)

Nas redes você fala muito de empoderamento feminino, de aceitação, de sermos gentis conosco, mas como traduziria isso em atitudes? “É um processo. Primeiro de compreender que fomos bombardeados a vida toda com mensagens negativas sobre nós. É preciso desconstruir isso. Em seguida, exercitar o amor próprio, através de compreender nosso valor, comemorar conquistas, trabalhar um olhar mais gentil e amoroso conosco”.

Por que acha tão difícil falarmos com liberdade da nossa sexualidade ainda? “Porque é um tema tabu. Fomos ensinados a ver sexualidade como algo errado, sujo, uma grande moralidade foi aplicada ao tema também. Em geral, as pessoas não encaram como algo natural e que faz parte do dia a dia, e sentem medo de serem julgadas se tocarem no assunto”.

“Fomos ensinados a ver sexualidade como algo errado, sujo, uma grande moralidade foi aplicada ao tema também” (Divulgação)

Sem vergonha de ser feliz

Aos 31 anos, a paulista revela que não está namorando: “Gosto de relações mais soltas e sem rótulos, acho que no momento nem tenho a energia que uma relação mais profunda demanda”. Especialista em sexualidade feminina, Marcela tem dado dicas nas redes com uma linguagem mais acessível e leve, falando abertamente sobre o tema. Tanto, que lançou a Sextou, uma nova série no IGTV do Instagram para falar sobre sexualidade e empoderamento feminino. O primeiro episódio, que conta com a participação especial de Karol Conka já ultrapassou 2 milhões de visualizações. A projeto foi elaborado porque a ginecologista percebeu nas mensagens que recebe muitas dúvidas comuns: “A ideia é levar um conteúdo informativo e divertido”.

“Gosto de relações mais soltas e sem rótulos, acho que no momento nem tenho a energia que uma relação mais profunda demanda” (Divulgação)

Abaixo, fizemos um “Marcela Responde” com algumas questões selecionadas por ela mesma:

Heloisa Tolipan – Você já atendeu muitas mulheres que tinham ido ao ginecologista pela primeira vez?

Marcela Mc Gowan – Já sim! Eu atendia muitas meninas que as mães levavam para uma primeira orientação. E também muitas mulheres adultas que adiavam a ida e acabam se consultando pela primeira vez já mais tarde”

HT – Acredita que a ginecologia ainda seja um tabu entre muitas mulheres?

MM – “Sim, falar de saúde íntima e sexual em geral é tabu. O atendimento com ginecologista envolve esse tipo de conversa. O exame físico também requer mais intimidade, então muitas mulheres evitam”.

HT – A partir de quantos anos e com qual frequência a ida ao ginecologista é recomendada?

MM – “Não tem uma idade certa para começar, mas é bem legal ter orientações antes de iniciar a vida sexual. Depois disso vai depender se tem ou não sintomas, ou precisa algum acompanhamento específico, se não tiver, a consulta pode ser anual”.

HT – É natural que as pessoas se sintam tímidas durante a consulta? Qual seu conselho para quem sente isso?

MM – “Sim é natural, mas a consulta é uma oportunidade importante de tirar dúvidas, pegar informações e isso não deve ser desperdiçado. Meu conselho é procurar um profissional que te deixe a vontade, se preparar para consulta, anotar suas dúvidas, os remédios que toma”.

HT – Conversando um pouco sobre gênero. Para cuidar da saúde sexual de homens trans qual a importância do acompanhamento médico?

MM – “A saúde trans engloba um maior cuidado no controle hormonal (se esse for o desejo do paciente) e em alguns impactos que os hormônios têm no corpo. Mais importante que a parte fisiológica, o atendimento de um homem trans, requer muita empatia, respeito à identidade de gênero e cuidado com as disforias. Costumas ser difícil para eles colher exames e isso deve ser respeitado e feito no tempo do paciente. Sobre saúde sexual, eu oriento todos os meus pacientes pensando em práticas sexuais e não em gênero ou orientação. Acho que é a maneira mais fácil de não ser excludente. Eu ensino como se proteger no sexo oral, na penetração, no uso de objetos etc…”

HT – Vemos muitos homens trans que deixam de se cuidar por causa da vergonha de ir a um consultório. Qual conselho você daria?

MM – “Acho que meu conselho deveria ser mais para os profissionais de saúde, para buscar mais informações na área, e poderem oferecer um atendimento melhor e mais empático. Para os homens trans, aconselho não deixar de passar por atendimento, e procurar na internet referências de profissionais. Na hora da consulta, deixe claro seus limites, se quer ou não ser examinado na primeira vez, quais partes do corpo não quer expor, se possível vá acompanhando de alguém de confiança para dar apoio”.