Iza Moreira celebra série sobre Anderson Silva, é homenageada como mulher negra em destaque e fala de racismo


A atriz paraense de 23 anos está no filme em ‘Anderson Spider Silva’ e recebeu a ‘Comenda Anastácia Livre’, em sua terra natal, Belém. Iza fala dos significados da honraria e da vivência da personagem na série do lutador, em que traçou paralelos com sua própria existência. E também de racismo hoje, de representatividade no audiovisual e de antirracismo na prática. “Quem quer ser antirracista precisa estudar a história do nosso país, entender que o racismo é a raiz mais podre que existe na nossa sociedade, e a mais profunda. Reconhecer sem medo o racismo internalizado, tanto em pessoas brancas, negras e não negras, porque ele está ali, em todos nós. Ser antirracista é autoconhecimento, principalmente, estudo diário e ação. Ninguém é antirracista em casa sem fazer nada, sem movimento e mudança. A informação está ai disponível para a maioria, pessoas negras não tem obrigação de ensinar, essa exigência também é um ato racista. O processo de conscientização racial para além de coletivo, é individual”

*Por Brunna Condini

As reflexões sobre o racismo e a desigualdade tiveram um crescente enorme neste 2023. É preciso ação e representatividade constantes. “Numa sociedade racista não basta não ser racista, é preciso ser antirracista”, nos ensina a filósofa americana Angela Davis. Isso quer dizer, entre muitas outras coisas (procure saber), que é fundamental que o discurso saia da teoria, das redes sociais, e se estabeleça na estrutura social do país. Dito isso, vamos à nossa entrevista que é “pura conversa jogada dentro”. Iniciativas que homenageiam mulheres negras que se destacam em lugares de luta e poder, devem ser compartilhadas. Como a que Iza Moreira recebeu em sua terra natal, Belém (PA). A atriz que vive Sandra, prima do lutador Anderson Silva na nova série da Paramount+, ‘Anderson Spider Silva‘, conversou conosco sobre o prêmio ‘Comenda Anastácia Livre’, recebido por ela das mãos da vereadora Beatriz Caminha:

Esse é o reconhecimento de muita luta pessoal e coletiva, sendo eu uma retirante da região Norte (Amazônia paraense). Na escolha de ir para longe da minha família, amigos, do meu lar. Ter meu trabalho artístico, que vai além de só interpretar um personagem, reconhecido pelos meus, é muito gratificante – Iza Moreira

Iza, recém-saída da novela ‘Amor Perfeito‘, na Globo, reflete sobre os significados da honraria. “Receber um prêmio ao lado de tantas mulheres negras com vivências diferentes das minhas e saber que somos frutos de sonhos ancestrais é muito importante. Essa conquista agora me traz força e vontade de continuar. É saber que estou fazendo a diferença com o meu trabalho e escrever minha história, fazendo valer a estrela mais ao topo da bandeira, o meu Pará”.

A atriz Iza Moreira recebe 'Comenda Anastácia Livre' (Foto: @luksmont)

A atriz Iza Moreira recebe ‘Comenda Anastácia Livre’ (Foto: @luksmont)

Acredita que a sociedade está menos racista hoje? “Não. Talvez no momento o racismo seja menos escancarado. É importante falar que não é um mês de Consciência Negra, mas sim, uma história toda, um dia a dia. Nossa existência precisa ser valorizada hoje e sempre. Retroceder não faz parte do processo, nem um passo ou meio para trás. Somos sinônimos de vida, luta e sonhos. É preciso sentir orgulho de nossas conquistas e olhar para o futuro e ver prosperidade para o nosso povo”.

Sobre o antirracismo, Iza esclarece ainda: “Quem quer ser antirracista precisa estudar a história do nosso país, entender que o racismo é a raiz mais podre que existe na nossa sociedade, e a mais profunda. Reconhecer sem medo o racismo internalizado, tanto em pessoas brancas, negras e não negras, porque ele está ali, em todos nós”. E frisa:

Ser antirracista é autoconhecimento, principalmente, estudo diário e ação. Ninguém é antirracista em casa sem fazer nada, sem movimento e mudança. A informação está ai disponível para a maioria, pessoas negras não tem obrigação de ensinar, essa exigência também é um ato racista. O processo de conscientização racial para além de coletivo, é individual – Iza Moreira

Iza exalta o prêmio 'Anástica Livre', fala de racismo estrutural, transformações urgentes e carreira (Foto: Catarino)

Iza exalta o prêmio ‘Comenda Anástica Livre’, fala de racismo estrutural, transformações urgentes e carreira (Foto: Catarino)

Apesar do Brasil vir descobrindo a potência do protagonismo negro nas produções no audiovisual, a jovem atriz, que começou a carreira ainda criança modelando, pontua sobre o ‘chão’ a se percorrer. “Não é porque temos a representatividade, que ainda é pouca, que o racismo na estrutura acabou. Pouco vemos diretores, roteiristas, produtores executivos, cargos de decisão artística e financeira ocupados por pessoas racializadas. A diferença é discrepante, sem falar em diferença salarial e de gênero. A necessidade de mudança para termos mais equidade são nesses espaços”, alerta.

E arrisca dizer o que seria a verdadeira revolução para a sua geração hoje: “Ver pessoas pretas e racializadas em espaços de poder. A existência de uma mudança e abertura nos diálogos sobre futuro, veio com a modernização e a internet, que acredito ser o principal agente modificador da minha geração e das futuras. Isso significa poder alcançar saberes que antes ficavam muito restritos a uma elite, e no Brasil, muito centralizada no Sudeste. Realmente quebrar essas barreiras é a nossa revolução”.

"Não é porque temos a representatividade, que ainda é pouca, que o racismo na estrutura acabou" (Foto: Catarino)

“Não é porque temos a representatividade, que ainda é pouca, que o racismo na estrutura acabou” (Foto: Catarino)

O amor cura e a arte transforma

Iza está com Tatiana Tiburcio na série ‘Anderson Spider Silva‘,  novidade da plataforma Paramount+. Iza é Sandra, prima do lutador, e Tatiana vive Edith, tia dele. A produção não engloba só a carreira do lutador, é também sobre amor e sobre o poder de uma família negra. “Interpretar a Sandra Silva foi uma realização de muitos sonhos, tanto pessoais quanto profissionais. Fazer uma cena tão delicada sobre racismo recreativo e institucional em ambiente escolar sempre será como me enxergar criança. Todas as vezes que vejo a cena e a violência a um corpo preto, mesmo que seja o meu enquanto personagem, me passam filmes na cabeça da minha história e da de muitas outras pessoas, e a potência que mostramos da superação graças ao apoio e suporte familiar”, divide.

Iza Moreira e Tatiana Tiburcio em 'Anderson Spider Silva' (Divulgação)

Iza Moreira e Tatiana Tiburcio em ‘Anderson Spider Silva’ (Divulgação)

Ela também comenta o que se tornou um diferencial neste trabalho. “Foi quando descobri que trabalharia com Seu Jorge (o cantor e ator interpreta Benedito, tio que criou Anderson Silva). Demorou muito tempo para cair a ficha. Para falar a verdade, só caiu depois de um dia inteiro de gravação em família na ficção. Um dia, entrei no set após o almoço e fiquei estudando na mesa dos Silvas. Seu Jorge já estava lá contando uma história e a voz dele adentrou minha cabeça e pensei: “Nossa, mas parece a voz do Seu Jorge”. Foi quando caí em mim e fiquei muito emocionada. Fazer a cena em que foi proposto um brinde à Sandra pela sua inteligência e o quanto a família estava orgulhosa dela, foi um acalento pra mim, me senti como se estivesse na mesa da minha própria família”, se emociona.

"A verdadeira revolução está em ver pessoas pretas e racializadas em espaços de poder" (Foto: Reprodução/ Facebook)

“A verdadeira revolução está em ver pessoas pretas e racializadas em espaços de poder” (Foto: Reprodução/ Facebook)

Sobre a personagem que veio de uma família amorosa e estruturada, Iza conta. “Conheci a real Sandra Silva no dia da estreia, junto com Jeni (a atriz Jeniffer Dias, que faz Sandra na fase adulta). Tiramos fotos, conversamos, choramos e saber da importância dela, uma mulher negra, na vida e carreira de Anderson, me trouxe muito orgulho de estar nesse projeto. Foi um dia muito especial tanto para nós elenco e equipe, e ainda mais para os Silva! Anderson também estava lá. Ele foi uma pessoa que acompanhei a carreira, meu pai é um fã e sempre gostei de assistir lutas. Contar a história de uma pessoa em vida, que tem uma carreira tão notável, e é uma referência para nossa comunidade, é um privilégio”.

Essa série foi o primeiro trabalho que vivenciei a presença majoritária de pessoas negras, em todos os setores. isso mudou minha visão em relação as possibilidades dentro do audiovisual, e logo após veio “Amor Perfeito” onde puder ver a continuidade concreta disso – Iza Moreira

Jeniffer Dias, Seu Jorge, Tatiana Tiburcio e Iza Moreira na premiere de 'Anderson Spider Silva' (Foto: Reprodução/Instagram)

Jeniffer Dias, Seu Jorge, Tatiana Tiburcio e Iza Moreira na premiere de ‘Anderson Spider Silva’ (Foto: Reprodução/Instagram)

A força dos sonhos

“Nasci em Belém e fui criada na região metropolitana, no Distrito Industrial, em Ananindeua. Sou filha de pai pernambucano e mãe paraense e eles me deram todo apoio na decisão de mudar totalmente de vida, me ajudando no que podiam. Com certeza eles terem acreditado e confiado em mim foi o mais importante para que eu tivesse uma base forte e alcançasse até agora lugares na minha carreira que nunca imaginei”, constata Iza, ao revisitar sua trajetória em busca de seus sonhos.

"Sou uma pessoa nortista amazônica representante da região mais invisibilizada do Brasil e sonho me tornar um espelho para pessoas como eu" (Foto: Reprodução/Instagram)

“Sou uma pessoa nortista amazônica representante da região mais invisibilizada do Brasil e sonho me tornar um espelho para pessoas como eu” (Foto: Reprodução/Instagram)

“Decidi mudar para o Sudeste aos 17 anos, cursava faculdade de Moda, fazia produção de moda como aluna e também trabalhava como modelo no meu estado, que é uma proporção muito diferente do que é a moda no âmbito nacional, principalmente no âmbito sudestino. A oportunidade de vir para o Sudeste surgiu depois da minha primeira campanha em escala nacional, que foi feita no Pará. Trabalhei meu primeiro ano em São Paulo exclusivamente como modelo”, lembra.

A verdadeira revolução está em ver pessoas pretas e racializadas em espaços de poder – Iza Moreira

Iza finaliza revelando de que forma deseja ser agente de transformação no mundo através do seu ofício: “Sou uma pessoa nortista amazônica representante da região mais invisibilizada do Brasil e sonho me tornar um espelho para pessoas como eu, para que possamos contar nossas histórias e ter mais artistas nortistas em destaque. Que a gente lute pela nossa presença em espaços distintos e de poder, protagonistas da nossa própria existência. Investindo em capacitação na indústria do audiovisual na região Norte, fazendo o movimento de volta para a minha comunidade”.