*Por Brunna Condini
Aos 81 anos e contabilizando 64 de carreira, com personagens marcantes no teatro, cinema e TV, em novelas de sucesso como ‘Direito de amar‘ (1987), ‘Que rei sou eu?‘(1989), e a primeira versão de ‘Pantanal‘ (1990), na Globo, Ítala Nandi continua mantendo vivas a curiosidade e a ousadia que a consagraram desde a época do Teatro Oficina, onde esteve ao lado de Zé Celso Martinez Corrêa, que morreu quinta-feira (dia 6), em São Paulo, deixando o Brasil mais careta. Ou não, porque seu legado é imensurável. “O que fica eterno do Zé é a sua vitalidade e visão estratosférica das coisas. Ele ia muito além de tudo. Transgredíamos”.
E é justamente a alma transgressora, nascida nesta época, que a atriz mantém em atividade. Tanto que fez uma participação no documentário ‘Nós por Todas‘, da atriz e roteirista Maria Eduarda de Carvalho, que aborda mitos a respeito do universo feminino, e também estará no novo longa de Anna Muylaert, ‘Clube das Mulheres de Negócios‘. Neste último, mais uma vez, quebrando tabus, já que protagoniza uma cena de nudez aos 81 anos. “O filme da Anna sem dúvida tem muito a ver com o espírito revolucionário do Zé Celso. Minha personagem é a única que se veste de rosa e que tem vida sexual. Anna é visionária, e sabe que sou uma mulher que esteve à frente de muitas mudanças para outras que vieram depois. Então, neste filme, sou a mais velha de todas as atrizes e a única que tem cenas de amor. Certamente inspiradas por essa transgressão que trago comigo”, conta a atriz, que ficou conhecida pelo primeiro nu feminino frontal da história do teatro.
Zé Celso foi o pai que eu não tive, no sentido artístico da palavra – Ítala Nandi
“Eu não sabia, quando fiz a cena de nudez em ‘Na selva das cidades‘ (1969), do Oficina, que viria a ser o primeiro nu do teatro brasileiro. Surgiu de forma espontânea e Zé Celso como diretor concordou. No filme da Anna Muylaert, eu também faço cena de nudez, e isso me parece muito bonito, glorioso. Já fiz muitas matérias para revistas com lindos nus artísticos. Gosto dessa ideia da nudez. Acho muito simbólica, de pureza”, acrescenta. A trama abordará não apenas o patriarcado, mas outros efeitos atrelados a ele, como o racismo, o classismo e a corrupção, todos enraizados numa cultura patriarcal.
Eu não tenho o menor problema com a nudez, pelo contrário. Acho que é sinal de iluminação. O que me alimenta, é esse desejo permanente de renovação. De fazer o que for preciso para não ‘morrer na casca’ e iluminar o mundo – Ítala Nandi
Relação com Zé Celso
Ícone das artes cênicas brasileiras, o diretor, ator e encenador, defendeu a cultura brasileira em cena até o fim, contra qualquer tipo de opressão. Foi um dos fundadores do revolucionário Teatro Oficina, na capital paulistana, local do seu encontro com Ítala, que junto dele e de outros nomes da cena teatral, se tornaram importantes alicerces da companhia. Comovida com a partida do dramaturgo, a atriz declarou: “Quando cheguei no Oficina, aos 22 anos, já tinha feito algum teatro amador, mas entrei como contadora, e ele viu em mim o que eu não percebia. Zé Celso, com sua grandiosidade, identificava em nós o que não conseguíamos. E com Renato Borghi, outro amado irmão, além de Fernando Peixoto (1937-2012) e Etty Fraser (1931-2018) formávamos um grupo muito poderoso. Desejo que o teatro continue seguindo o rastro, a luminosidade dele, de inovação, de pós-modernidade”.
E acrescentou: “Nossa relação era super intensa. Todos pensavam que éramos casados, vivíamos juntos o tempo todo. Zé Celso foi o pai que eu não tive, no sentido artístico da palavra. Na minha família não tinha ninguém das artes. Eu diria que ele me desnudou, fez brotar de dentro de mim o que eu não sabia que existia. Zé acreditava, tinha certeza, confiava. E assim pude começar e crescer na minha carreira. Graças a esse ser humano tão especial”.
Gosto da ideia de ser lembrada como uma pessoa que sabe transgredir, que sabe se opor às regras burguesas – Ítala Nandi
“Quando entrei no Oficina existia um aconchego, um “chegue mais”, um “abra-se e seja mais forte”. E eu ia, fazia. Os conflitos desse período eram meramente criativos. Nos últimos anos, eu e Zé Celso não estávamos tão próximos, mas sempre nos chegamos, nos amamos”.
Televisão
Tendo sido vista em um folhetim pela última vez em ‘Os Milagres de Jesus’, na Record, Ítala fala sobre sua relação com a televisão. “No Oficina sempre tivemos uma visão muito crítica sobre a televisão. Eu só fui fazer minha primeira novela, ‘Melodia Fatal‘, na extinta TV Excelsior, em 1964. Não que eu não goste de fazer TV, gosto. Mas mergulhei também no estudo, no autoconhecimento.
Gostaria de voltar a fazer novelas, como não? Faz parte do nosso métier. Mas uma coisa é certa, não me convidariam para fazer personagens simples. Mesmo na televisão, sempre fiz personagens mais complexos. São esses papeis que me atraem – Ítala Nandi
Legado
E fala sobre o que a move em atividade no ofício até hoje. “O que me alimenta é esse desejo permanente de renovação. Aprendi isso com Zé Celso. A estar sempre me recriando, renovando, avançando. Lendo muito e fazendo o possível para engrandecer a nossa arte. Fazer o que for preciso para não ‘morrer na casca’ e iluminar o mundo”, reflete.
Quando pensa em legado, como gostaria de ser lembrada? “Como uma pessoa que sabe transgredir, que sabe se opor às regras burguesas, que preza muito a inteligência. Quero ser lembrada, e espero que isso aconteça, como uma mulher que tentou, e tenta, liberar as mulheres. Tirá-las da masculinidade algoz. Os homens, de forma geral, são muito restritivos conosco. Sempre fui contra esse policiamento. E talvez seja assim que eu seja lembrada”.
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