*por Vítor Antunes
“Te mete!” Esta é uma das frases mais simbólicas de Isabelita dos Patins, personagem do ator e transformista Jorge Omar Iglesias, que interpreta a famosa bailarina patinadora e com seu leque gigante há 53 anos nos carnavais do Rio. “Isabelita está na geladeira. Você está conversando com o Jorge”, diz ele. Aos 75 anos, o ator não vai encarnar sua personagem Isabelita para o Carnaval 2024. “Eu nunca tive problema de trabalhar e de me maquiar, mas com esse calor, quando eu me maquio começo a suar e a maquiagem não fica, além de tudo tenho problema de pressão. Tenho que cuidar da minha saúde. Minha pressão oscila, dói a perna, a coxa… Andar de patins exige muito dos joelhos… Imagina, uma pessoa que está completando em breve 76 anos, aposentado e vivendo do seu personagem – que me sustenta por seis meses – e que não pode trabalhar. É muito triste”.
E acrescenta: “Estou na idade do condor. Com dor aqui, com dor ali”. Neste final de semana e no próximo, não vai haver funcionamento da barraquinha na Praça XV na qual Jorge trabalha vendendo souvenirs de Isabelita, por conta dos ensaios de carnaval. Ele voltará dia 3 de fevereiro e, além dos objetos que costumam estar à venda, venderá peças do acervo de Isabelita: bolsa, tiara, coroa, modelitos exclusivos e a rifa de quadros dela. “Estou bem e não estou passando dificuldades. Não tenho mais tanta habilidade, não ando mais tão rápido. A idade chega e temos que ter consciência”.
Ele conta que devido à dificuldade de locomoção, cobra um cachê para ir aos eventos com e sem patins. E relembra como ficou famoso: “Em 1993 dei um beijo no rosto do Fernando Henrique Cardoso. Fiquei tão famoso que, por conta disso, quitei meu apartamento, fui a Nova York, Paris, Roma e fui convidado a ser padrinho de uma creche. Por 15 anos fui, naquela escola, o Papai Noel e o Coelhinho da Páscoa”.
Jorge começou a patinar aos 9 anos. “Sempre fui homossexual e muito autêntico. Na Argentina, eu sofri muito. A minha vida começou mesmo no Brasil, que me deu tudo o que pode se imaginar, inclusive o chico-chica-boom. Da Argentina eu não tenho memória nenhuma, eu sofri muito”. E ele prossegue: “Há quem me diga ter saído do armário por minha causa e por eu ser uma enciclopédia na vida das pessoas. A minha presença é purpurina pura, é glamour. As crianças me adoram. Eu me sinto uma bonequinha de biscuit”, comenta.
Isabelita quando surgiu, em 1971, ainda não havia o clamor popular e atual das drags. “Éramos atores transformistas”. Jorge diz gostar das atuais drags, mas aponta ser “muito saudosista. Gosto delas, mas acho que cada um tem um valor. Hoje, as drags [são diferentes]. Há aquelas que cantam, outras que batem cabelo, mas de fazer show mesmo como antigamente, não tem mais e isso me chateia, mas tenho que me acostumar”. Com um olhar pousado no passado, Jorge remonta ao brilho de outrora: “Me chateio por que na Banda de Ipanema, que já foi deslumbrante, inesquecível, de um tempo pra cá se vê mais ambulantes que foliões. E não há mais o mesmo prestígio de antigamente. O Albino Pinheiro (1934-1999) me dava, além do cachê, o direito a beber 5 drinks ou o que eu quisesse, e o irmão dele, o Cláudio, não me dá nem um copo de água. Mas, como sou abusada, sempre fui na concentração, dou uma pinta e depois tiro umas fotos com turistas”.
Me orgulho por ter 76 anos, ter 50 e tantos anos de carreira e ainda estar em evidência. Hoje em dia está tudo mudado. No Rio não tem boate gay, não tem mais um Cabaré Casanova, uma LeBoy, um GalaGay… Tudo acabou. Tem drag fazendo show em sauna gay. Eu vivi os anos dourados e me sinto privilegiado por isso – Jorge Iglesias/Isabelita dos Patins
Jorge afirma: “Não vivo de glamour. Vivo da minha aposentadoria – de R$ 1.300 – e ganhei uma barraca na feira de antiguidades da Praça XV. Lá vendo lembrancinhas da Isabelita, garrafa, imã de geladeira… Isso me deixa alegre, porque uma multidão vai lá. Especialmente depois que fiz uma participação em “Travessia”, a minha barraquinha encheu. A Gloria Perez é um anjo da guarda na minha vida. Tanto que quando eu completei 50 anos de carreira, ela fez um bar na novela e pôs o nome da Isabelita. Foi uma loucura! Tinha gente pedindo emprego, pedindo para trabalhar na boate…”. Quando olha para a maturidade, Jorge/Isabelita se diz “feliz, uma pessoa realizada. Escrevi um livro infantil e faço o bem. Hoje, no meu canto, colho os louros do que plantei no passado”, analisa.
TE METE!
“Tem um samba que diz: “Esse ano não vai ser igual àquele que passou”. A fala de Jorge define com clareza a atual fase da vida do ator. “Estou triste, é claro. No ano passado, não fui chamado para nada, nem para abrir as portas do Sambódromo. A cada ano tudo fica mais difícil”. Jorge nos conta que mesmo o valor das passagens aéreas tem feito diferença nos convites para eventos. Como as malas não são mais despachadas sem custo, isso acabou sendo um atravessador “Só os meus patins pesam 5kg. E hoje em dia há uma questão financeira. Se você pede R$ 1mil, as pessoas querem te pagar 100”.
Mantendo a mística iniciada pela própria Isabelita/Jorge, que iniciou a entrevista citando a marcha “Até a Quarta-Feira” de Humberto Silva e Paulo Sette, citamos agora, por nossa conta, Vinicius de Moraes, com “por falar em saudade, onde anda você?”. Jorge voltou a falar de Erick Barreto, um de seus melhores amigos, falecido em 1993. “Sinto muita saudade. Quando ele morreu, a mãe dele me deu um anel que lhe foi repassado pela Aurora Miranda (1915-2005), e que era da Carmen Miranda (1909-1955). A juventude, a garotada, não sabe quem é Isabelita dos Patins ou Carmen Miranda mais…”
Sou uma pessoa feliz, realizada por tudo. Eu não canto, não dublo, não fumo, não bebo, não pego marido de ninguém, mas incomodo! Te mete! – Jorge Iglesias/Isabelita dos Patins
A personagem de Jorge, a patinadora Isabelita, nasceu ainda em plena ditadura brasileira. Ele diz que nunca sofreu reveses por isso, especialmente por conta do carisma da personagem. Quanto às suas maiores emoções no carnaval, uma delas foi ser homenageada como escultura num desfile da Mangueira, em 2018. E além disso, se diz grata ao presidente de honra da Grande Rio, Jayder Soares, “pelo reconhecimento e por sempre me prestigiar”. Falando em homenagens, recentemente o artista cearense Humberto de Castro fez uma escultura em tamanho natural da personagem e a está leiloando, com lucros divididos para ele e Jorge. O ator finaliza apontando que se emociona quando o reconhecem como sendo “o senhor que faz a Dona Isabelita”. E ele prossegue dizendo: “Nasci para isso, para fazer o bem sem olhar a quem. O que fazemos para os outros fica para a eternidade”.
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