“Inovação é solução para o Brasil. Não podemos competir com Ásia em hora-máquina vendida”, afirma o consultor Jackson Araújo no SCMC


A mostra Transcultural, em exposição em Florianópolis, é exemplo contumaz de como a parceria entre empresários, instituições de ensino e novos designers pode sacudir o mercado e abrir portas para a globalização do Brasil!

Santa Catarina é prova pulsante de que a moda brasileira transcende o eixo São Paulo-Rio-Belo Horizonte. Afinal, o Brasil é gigante, o país é plural e é natural que cada localidade, mesmo procurando se inserir dentro de um contexto globalizado alinhado com o consumo, procure encontrar sua própria identidade através de empreendimentos que valorizem a produção local. E, nesse âmbito, é isso que pode ser observado essa semana aos visitantes que passam CIC Centro Integrado de Cultura –, em Florianópolis, para conferir a Mostra SCMC Transcultural. Evento que abriu no último final de semana, mas que corre até o final do próximo (pela primeira vez aberto ao público), o empreendimento visa revelar todo o potencial criativo em moda e design da região, com exposição de criações de alunos de instituições de ensino catarinenses criadas em parceria com profissionais de 17 empresas do Estado. O resultado é surpreendente.

À frente do projeto, está o diretor criativo Jackson Araújo, figura tarimbada no meio da moda, natural de Fortaleza, radicado em São Paulo, mas com visão de mundo. Ele está envolvido no movimento SCMC há quatro anos, mas seu olhar arguto se reverbera não apenas na maneira como fala da iniciativa (seus olhos brilham e a eloquência vem à tona), mas na forma como o fruto do trabalho – cuja partida nesta edição começou em abril – pulula diante dos olhos na instalação montada no centro cultural e revelada aos jornalistas em primeiríssima mão. Um primor. “É importante estabelecer essa ponte entre as empresas de Santa Catarina e os estudantes que vêm das instituições locais. Quem sai ganhando é o design. As marcas oxigenam seu portfolio e sacodem suas estruturas com essa injeção de criatividade, os futuros profissionais do mercado ganham a vivência de como criar dentro da estrutura corporativa e seguindo parâmetros de produção industrial e mercadológica”.

Jackson Araújo: cosmopolita por essência e formação, o consultor aposta na economia criativa como pote de ouro no arco-íris da moda nacional (Foto: Divulgação)

Jackson Araújo: cosmopolita por essência e formação, o consultor aposta na economia criativa como pote de ouro no arco-íris da moda nacional (Foto: Divulgação)

Esse frescor proveniente da troca é parecido com o que acontece nas universidades, nas quais docentes com amplo vivencial prático se aproveitam da convivência no mundo acadêmico para refrescar ideias, ao mesmo tempo em que os estudantes tiram máximo proveito de suas experiências práticas para pular algumas etapas na sua formação. E, de fato, essa tríade novo designer-instituição-empresa impressiona no evento quando se percorre os corredores da mostra, incrivelmente bem montada em uma estrutura de corredores onde cada parceria é exibida em instalações com andaimes de obra, ótima iluminação cênica e primorosa concepção de merchandising visual, digna de figurar em um ambiente de department store europeia.

Ainda mais quando se considera que boa parte das empresas que participam do movimento são medalhões do segmento comercial, onde quase não existe espaço para experimentações, daquela verve que encontra vazão somente em pequenos ateliês. Grifes de aparatos monumentais como Hering, Dudalina, Marisol, Círculo,  Karsten, Altenburg e Oceano, por exemplo, são gente grande que poderia se conter na postura (infelizmente) padrão de que “não tem tempo a perder”, mas que já percebeu que a maneira de se manterem no mercado e crescerem diante da conjuntura atual é apostar na criatividade e usar esse aprendizado para mexer na sua própria infra e filosofia, na contramão de sucumbir como carcaças obsoletas à nova economia de mercado global. Jackson ressalta: “Nossa competição hoje não é com o mercado interno, mas com empresas estrangeiras altamente qualificadas para atuar do Ártico à Antártida, equipadíssimas para tomar de assalto cada praça, e o diferencial só pode ser o valor que a criação agrega. Não é hora de máquina vendida que vai permitir que o Brasil não só sobreviva no mercado, mas que ganhe o mundo. E é isso que fomentamos aqui”.

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O presidente do Santa Catarina Moda e Cultura, Claudio Grando, faz coro com Jackson: “Somente um processo transformador permite essa inserção plena no mercado e vai consolidar a perpetuação tanto de novas empresas quanto das têm história, mas que, fora do contexto, morrem na praia. Daí que, nesses nove anos de movimento, temos procurado desenvolver essa identidade cultural, que é urbana e praiana ao mesmo tempo, repleta de lifestyle. A cultura do bem-estar e do estilo de vida saudável, de quem ama a natureza e onde não se lida com a sazonalidade. Essa é a verve de Santa Catarina e, com isso, trabalhamos nesse sentido. Inovação é tudo, e o segredo é se tornar VIC – very importante company”, conta, descontraído.

Claudio Grando: inovação  é o diferencial pra tornar o Brasil competitivo no cenário internacional (Foto: Divulgação)

Claudio Grando: inovação é o diferencial pra tornar o Brasil competitivo no cenário internacional (Foto: Divulgação)

Em 2014, mote promovido pelo SCMC foi liderança voltada à inovação. “Em 2015 o tema é internacionalização. Se neste ano fomos à Ásia pesquisar posicionamento inovador e formação de cluster, ano que vem iremos aos EUA aguçar nosso olhar em direção à sustentabilidade”, observa Grando,  reiterando que, nesse tempo todo, já capacitaram mais de 25 mil pessoas no mercado de trabalho. “Esse é o DNA do design na economia criativa”. Jackson fecha: “Grandes empresas de fora estão interessadas no Brasil, ele é a próxima fronteira para elas ganharem dividendos, estão de olho na gente, no nosso público consumidor. Temos que dar uma resposta”, chamando esse tipo de empreitada de jiu-jitsu cultural. Fica visível, portanto, que Santa Catarina está saindo na frente investindo em educação, assunto tão no centro das discussões atualmente.

O grupo tem procurado inclusive promover esse modelo de interação entre outros estados do Brasil, como Minas Gerais, Ceará e Pará, mas todos concordam que é difícil e que a cultura interpessoal de Santa Catarina é única, o que facilita sua propagação no estado, mas nem sempre além de seu território. É Bruno Hansen, diretor executivo da Digra – uma das empresas participantes – quem levanta a questão: “Somos novos e desenvolvemos design de estamparia. Nosso foco é a criatividade e no SCMC convivemos com gigantes com tradição de mercado. Essa troca que fazemos entre é enriquecedora, mas é preciso coragem”.

Ele se refere ao fato de que não é fácil para o empresário abrir a casa para seu suposto concorrente e dividir aquilo que poderia ser considerado segredo de estado. “Não dá para levar a essência da cultura sem essa interação. É isso que gera um despertar, o objetivo de transformar a economia criativa e ampliá-la”, completa Jackson. “Por isso, algumas vezes fora do nosso estado levamos a ideia, mas não encontramos eco. O industrial local fica ressabiado, com medo de se expor, de abrir informações que ele julga preciosas, mas que, se ele não trocar, o processo não oxigena e ele não sai do lugar”. Sobre essa postura arcaica, Claudio Grando finaliza: “A mentalidade é o principal empecilho do nosso crescimento, já que não temos como competir em preço com os asiáticos. A resposta só pode ser uma: inovação e criatividade”.

Obviamente, essa filosofia de mercado fica evidente nos trabalhos apresentados na exposição. Por exemplo: a Marisol, empresa que detém a marca infantil Lilica Ripilica e aposta forte nesse segmento, firmou parceria no projeto com a Assevim – Associação Educacional do Vale do Itajaí – para criar uma coleção inspirada em Márcia Cardeal, professora, mestra, ilustradora e autora de um livro para crianças com deficiência visual, “Ver com as mãos”. A coleção, repleta de animal print, é uma graça.

Marisol: para apimentar a moda infantil,  interação com alunos e instituições (Foto: Divulgação)

Marisol: para apimentar a moda infantil, interação com alunos e instituições (Foto: Divulgação)

A tradicional Círculo, empresa catarinense fundada em 1938 que produz linhas para crochê e tricô, investiu na parceria com a Uniasselvi (universidade em Indaial, no interior do estado) e as alunas Monica Findeis, e Tassiane Wanderweger sugeriram um projeto em que um resíduo industrial de algodão, que era descartado, fosse fiado e se transformasse em matéria-prima para uma série de crochês rústicos usado em peças cruas ou com tingimentos naturais cujo aspecto é pura sofisticação artesanal. A coleção se chama Lix, junção de luxo + lixo. “Algumas peças foram finalizadas praticamente em um moulage pós-confecção do tecido. Esse exercício todo é instigante”, afirma Monica Findeis.

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E, nessa troca de expertises e experimentações, vão surgindo novas possibilidades que, quem  sabe, são passíveis de se tornarem produção em escala industrial. A Hering, por exemplo, desenvolveu uma coleção em parceria com a Unisul que encontrou boa repercussão entre a tradicional classe dos representantes comerciais da empresa, que querem ter produtos diferenciados para oferecer à sua clientela, mas muitas vezes temem que grandes arroubos os afastem dela. Amélia Malheiros, do time criativo da empresa, comemora: “Esse look que estou usando já é parte dessa coleção que está encontrando boa aceitação”.

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E novos arco-íris plenos de potencial acabam se formando no difícil horizonte que a moda nacional passa atualmente, gerando até a possibilidade de se encontrar o almejado pote de ouro. A HI Etiquetas, que produz etiquetas e aviamentos de roupas em jacquard de poliéster, se destaca com o projeto que transforma sua tecnologia em roupas, fascinators e chapeus inspirados no empresário catarinense  Dario Bergemann, criador do projeto Agrícola da Ilha, maior produtora de lírios do país. A matéria-prima da HI foi amplificada por processos de mistura de fios, técnicas a laser e aplicação de patches matelassados e resulta em deslumbrante moda decorativa, com cabeças dignas de levar Philip Treacy (o talentoso chapeleiro da realeza britânica), sofrer de espasmos múltiplos. Tudo fruto da preciosa colaboração estabelecida pelos profissionais da empresa, encabeçados por Rejane Hoffmann e Maiara Harmel, e alunos do Senai Joinville, como Jonathan Henrique Prado e Camila Petry, ambos na flor da idade, 19 aninhos. É esta que finaliza: “O apuro tecnológico depura nossa visão intuitiva, e a ponte entre a professora Michele Jahn e o pessoal da empresa foi fundamental para nosso crescimento. Estou certa do manancial que abrimos na própria fábrica com essa criação”. Bingo!

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