*Por Brunna Condini
Atriz desde criança, com trabalhos que se destacam pela pluralidade, em TV, teatro e cinema, Olivia Torres virou assunto esta semana, não por algum papel, mas pela repercussão que um vídeo seu postado no Instagram teve.
Nele, Olivia, expõe algumas cenas editadas pelo amigo Bruno Mello, em que vemos trechos de filmes que retratam relações homoafetivas, sobrepostas pela narração de um texto seu. Após a divulgação, seguidores e mídia, entenderam a postagem como a comunicação de uma “saída do armário” da atriz. No entanto, segundo Olivia, não foi exatamente essa a intenção. “Sim, sou lésbica. Nunca me escondi, saio na rua e me comporto normalmente, não fico olhando para os cantos para saber se estão tirando foto, observando, nunca foi uma preocupação. Então, essa coisa de “assumir”, não foi uma necessidade. Mas por outro lado, foi bom, porque desta forma, eu tive o controle da narrativa. Comunicou de forma carinhosa o que eu sentia, vivia. Gostei realmente de ter conseguido apresentar do meu jeito a coisa, o fato”, disse, em entrevista exclusiva ao site.
Olivia cedeu também, seu texto na íntegra para esta matéria:
“A primeira e provavelmente mais arrebatadora foi na sala de cinema.
Uma sensação nítida de que se tivesse assistido aquilo durante a minha adolescência, tudo teria sido radicalmente diferente. Que eu teria chorado lágrimas guardadas a menos tempo e teria assumido algo desde sempre tão óbvio com mais tranquilidade.
Duas mulheres que são apresentadas, que flertam, que negam o flerte, que tem coragem, que se beijam e entendem que o risco valeu a pena, que se apaixonam, que fodem e amam. Meu corpo respondendo a todos os estímulos. Eu, encantada pelo amor e simultaneamente destroçada por ele. Pelo o que me neguei e me obriguei a viver.
Todos os homens que transei e que não queria, todos os te amos que eu copiava de outros casais e as súplicas pra que fossem de verdade os arrebatamentos que nunca duravam. Um esforço constante de fazer da minha vida uma encenação tosca.
Mas no cinema não era um exercício de memória e julgamento. O arrebatamento vinha da alma, como sendo apresentada a outros espaços dentro do corpo. Outras possibilidades assustadoras que antes eu só entendia onde viviam observando no outro.
A novidade do que poderia agora ser no meu. A mais inédita e real possibilidade de amar.”
E acrescenta: “Lembro de ter 12 anos e já achar que fosse isso. Então, quando falo no texto sobre o cinema como um veículo de comunicação, é sobre isso. Quando assistia a esses filmes, era diferente, porque falava exatamente do que eu vivenciava. O texto é real. O cinema me fez acessar de forma mais honesta, absoluta o que eu sentia. Foi isso que desejei dividir no post”.
Ela confessa ainda que nem sonhava com a repercussão e com o impacto do seu texto. “Mas não estou assustada. Em um dia, tiveram mais de 140 mil visualizações. E dentro de mais 2 mil comentários, só dois foram ruins. Não dá nem para me sentir assustada”, pontua. “Mas fiquei espantada com o tamanho da coisa. E me senti abraçada. As mulheres que me procuraram, mandaram mensagens, foram muito calorosas, fiquei contente. Na maioria, foram mensagens de celebração, tanto de mulheres lésbicas e bis, que vieram dividir experiências mais próximas da minha realidade. Como também, outras de violência familiar, dificuldade de se assumir. Foi intenso entrar em contato com tantas histórias”.
Aos 25 anos, Olivia entende com clareza, que sua vivência a respeito da sexualidade, de forma natural, não é comum no Brasil, que ano após ano, não sai dos primeiros lugares no ranking mundial como o país que mais mata LGBTI’s+ no mundo. “Essa experiência do post, o retorno das pessoas, foi bom para nos situarmos também. Sou privilegiada. Meus pais têm uma ótima relação comigo, gostaram do vídeo. Mas precisamos lembrar das pessoas que não têm esse suporte, passam por tudo de outra forma”, destaca. “Quero continuar fazendo esses vídeos, escrever, começar a desenvolver projetinhos. Pensar em veículos possíveis, como o Instagram”.
A paulista de São José do Rio Preto, revela que já vinha fazendo vídeos com esse objetivo, de compartilhar experiências e sentimentos, há algum tempo. “Tinha feito várias imagens de amigas sapatão no rolê, mas meu celular foi furtado e as imagens se foram. Não quis recomeçar do zero. Daí, lembrei deste texto que tinha escrito em 2018 para uma residência de um processo criativo. Foi isso. Mas é muito engraçado o caminho das coisas. Quando postei, era realmente uma vontade de falar de um fazer artístico, mas a coisa me abraçou de uma forma muito maior. Está realmente emocionante. E tem sido bom perceber que a minha experiência tenha tocado, ajudado de alguma forma, outras mulheres. O começo deste entendimento pode ser violento, ficamos achando que uma vivência que saia da heteronormatividade não se encaixa, é uma batalha conseguir superar isso. Quero ter essa troca com as pessoas e fazermos umas pelas outras”, completa Olivia.
Horas após essa entrevista, em um dos muitos comentários em seu Instagram, pudemos ler o seguinte post: “Usei esse vídeo pra me assumir pra minha família ( minha mãe) que alívio que estou sentindo, que paz estou comigo mesma !!! Muitooooo obrigada”, disse uma seguidora. Já está fazendo, Olivia.
E por ser atriz, temeu algum tipo de represália profissional? “Claro. Nosso país é muito machista, sexista, misógino, LGBTQIfóbico. As produções que são feitas no Brasil, embora estejam caminhando, têm um público de TV, uma grande parte do país, que não sei o quanto já está preparado para assistir, ouvir. A TV é um meio de mudança, mas precisa que as pessoas façam esse movimento. A arte é uma ferramenta política, de desenvolvimento de uma empatia. Eu estou neste caminho”.
Olivia começa 2020 fiel aos seus propósitos e já colhendo os frutos disso. “Quero escrever, filmar, fazer vídeos para as redes. E isso tem uma responsabilidade, comunica muito, é fascinante. Fiz uma pastinha lá no IGTV, com tudo que desejo compartilhar. E também, vou escrever meu primeiro curta-metragem e produzir”, divide. “Sempre fui uma leitora voraz. Divulgo as coisas eu leio. Ano passado e retrasado só lia livros de mulheres. Li um da Patti Smith chamado “Devoção”, que fala do seu processo criativo. Em um trecho, ela descreve que fica hospedada na casa que foi de Albert Camus, a convite da filha do escritor, e lê o manuscrito de um dos textos dele. Ela diz, que enquanto lia, se sentia expandida, com as mãos coçando, uma sensação incrível e ao mesmo tempo perversa, de jogar uma dádiva longe (o manuscrito), para escrever o que está sentindo lendo aquilo, a urgência da escrita. Eu faço isso, leio sempre com um caderno ao lado, para colocar os meus sentimentos a respeito daquilo, o que vem. Na passagem de ano, joguei esse desejo de assumir meus sonhos, vontades, impulsos. E isso inclui coragem de ir de encontro a eles, o cinema e todo o resto”.
A atriz também volta aos palcos, no dia 6 de fevereiro, com o espetáculo “Lazarus”, escrito por David Bowie e Enda Walsh, dirigido pelo Felipe Hirsch, com direção musical de Maria Beraldo e da Mariah Portugal, que também são mulheres lésbicas. Vamos estar no teatro do Village Mall, na Barra da Tijuca”, divulga. “Estamos indicados ao Prêmio Shell. É a última obra do David Bowie antes de morrer. É uma peça incrível. E quero escrever muito”.
O que mudou de quarta para cá? “Muitas coisas. Primeiro, apesar de estar muito eufórica, também estou com o pé no chão. De que as coisas vão ficar bem no sentido mais real possível. É um caminho bom e muito melhor do que eu estava trilhando antes, apesar que não estivesse exatamente no “armário”. Mas me dá um alivio, em relação à Olivia mais nova. E também, estou impressionada com a força das mulheres, como a gente é vulcão. É muito difícil parar a gente, é só ter fé uma na outra. Tem uma coisa também de resgatar a história que foi apagada. Recebi arquivos de 1920, de mulheres em Berlim, na Alemanha. Estou recebendo muita coisa. Me sinto mais potente, empoderada, de criar essa rede e de estar tendo controle da minha narrativa. E estou muito curiosa para saber o que vai acontecer, porque sou geminiana. Olho para esses documentos e dá muita vontade de produzir, tornar mais acessível, pode pintar um documentário, música, peça. Estou receptiva”.
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