Hugo Bonemer conta como é viver Ayrton Senna e um soldado gay na segunda guerra mundial ao mesmo tempo: “Em um mundo ideal, a gente tenta ignorar a forma como as pessoas tentam controlar a nossa vida e os nossos sentimentos”


O ator está em cartaz em dois espetáculos ao mesmo tempo, Yank! e Ayrton Senna, e, em ambos, recebeu o papel de protagonista. Em entrevista recente, ele contou que está namorando com Conrado Helt, que também está no espetáculo em cartaz no Rio de Janeiro. No papo com o site HT, ele fala sobre amor, ódio, preconceito, homofobia e guerra

“Como não tinha internet, os homens achavam que todo mundo nascia heterossexual, mas ao se reunir com muitos outros na guerra perceberam que existiam outros homossexuais. Por causa disso, inclusive, muitos casais se formaram nesta época. Isto é pura poesia. No meio de tanta podridão criou-se um ambiente perfeito para o amor”, afirmou Hugo Bonemer sobre o espetáculo Yank! – O Musical. O ator está em cartaz pela segunda vez como o protagonista desta peça que fala sobre as dificuldades de relacionamento entre dois homens, Stu e Mitch, no meio da Segunda Guerra Mundial. Metaforicamente, em meio a toda densidade do enredo da montagem e o caos que se instala no palco devido à situação que ambos os personagens enfrentam, nasceu duplamente o amor, em cena e na vida real. Em entrevista recente, o galã dos musicais anunciou o seu relacionamento com Conrado Helt, que também faz parte do elenco. “Compreendo a vontade de dissecar o assunto, mas fazendo isso eu diluo a espontaneidade. Falar sobre o ato será sempre menos potente do que o ato em si, especialmente no que se refere a tocar o coração das pessoas, que limitam as outras e as obrigam a viver vidas infelizes, conformadas com a mentir. Falar a verdade já é significativo por si só e é o máximo que podemos fazer. Mais que isso seria chamar a atenção gratuitamente”, disparou o ator, em entrevista ao jornal Extra. O ator está se dividindo entre São Paulo e Rio de Janeiro onde apresenta, respectivamente, a segunda temporada dos musicais Ayrton Senna e Yank!.

Hugo Bonemer revela que está namorando um companheiro de elenco do espetáculo Yank! (Foto: Bernardo Santos)

A trama de Yank! – O Musical é audaciosa e muito complicada por falar das dificuldades do primeiro amor vivido dentro de sociedade preconceituosa e no meio de uma guerra. “Em um mundo ideal, a gente tenta ignorar a forma como as pessoas tentam controlar a nossa vida e os nossos sentimentos. Em vez de engrossar o caldo ao interpretar um personagem que tenta ser ele mesmo, eu olho por outro viés. Todos nós seremos julgados pelo fato de ser quem somos, dentro de um determinado contexto”, explicou. Sendo assim, apesar de claramente a história denunciar diversos preconceitos e questões da sociedade, a homossexualidade acaba sendo apenas um pano de fundo. “Busquei focar na parte que falamos de superação e coragem de viver sem medo, porque esta história é muito inspiradora. É um cara que tem tudo contra ele. Nós não sabemos o que é isso. Quando os gays eram descobertos, eram mandados para a linha de frente para morrer na guerra. Foi por causa destes acontecimentos, inclusive, que os ex-combatentes começaram a se comunicar, nos Estados Unidos, e transformaram São Francisco em um pólo de resistência. Qualquer pessoa que os criticassem era convocada a se retirar da cidade”, contextualizou.

O ator contou que a cena mais marcante, na sua opinião, é quando o personagem é torturado (Foto: Bernardo Santos)

De acordo com Hugo, a cena mais marcante de todo o espetáculo é o momento em que o Stu é torturado, porque os oficiais querem saber quais são os outros gays do exército. “Isto não é muito distante da gente e é real. Há alguns anos, existia um hospital psiquiátrico no Rio de Janeiro, na Gamboa. Uma família que tivesse um filho gay que não soubesse lidar com isso, mandava o rapaz para este lugar no qual era castrado e tratado como um doente mental. O pior é que as pessoas podiam pagar centavos para espetar estes ‘pacientes’ através da grade. Descobrimos histórias horrorosas sobre isto”, lamentou e ainda disparou: “Dou graças a Deus que vivemos em um mundo no qual podemos falar sobre o tema. Apesar de ter gente preconceituosa, os homossexuais, hoje, são protegidos e não são castrados quimicamente com a autorização de médicos”.

O ator pesquisou muito para fazer este protagonista (Foto: Bernardo Santos)

Uma das questões mais difíceis de ser trabalhada para o ator foi, por incrível que pareça, o primeiro amor. Stu e Mitch, no espetáculo, simbolizam uma descoberta amorosa para ambos os personagens. “Precisei abrir mais os meus olhos para esta primeira paixão, até porque tenho 30 anos, então faz tempo que isto aconteceu na minha vida. Fiz um resgate do que é comum a todos nós, porque é neste momento que passamos a entender que podemos ser felizes do lado de outra pessoa. A minha maior dificuldade foi estar aberto a minha sensibilidade para não perder o frescor da juventude”, comentou.

Estes momentos importantes e simbólicos na vida dos dois personagens acontecem na pior ocasião possível: no meio da Segunda Guerra Mundial. Ao longo da peça, um lado sombrio do protagonista começa a ser cada vez mais destacado no espetáculo devido à iminência da morte. “Este personagem foi um presente para mim, porque ele tem uma curva dramática que qualquer ator gostaria de fazer. No início, é inocente e muito garoto ainda e ao longo da trama sofre desilusão amorosa. Além disso, vive tudo o que uma guerra pode oferecer desde saber mexer em um fuzil até estar na linha de frente. Obviamente, ele se transforma muito ao longo do espetáculo”, comemorou o ator.

O ator contou que se inspirou em fotografias de ex-combatentes (Foto: Bernardo Santos)

Ao conversar com o site HT, é perceptível que o artista fez o seu dever de casa. Hugo Bonemer falou com muita propriedade sobre diversos fatos históricos que são ligados a esta trama, provando que estudou muito para fazer jus a mais um protagonista. “Algumas partes eu já sabia e outras soube depois que comecei a participar, principalmente, porque tive que identificar esta ligação”, comentou. Várias informações adquiridas foram essenciais no momento de criar o Stu e, entre elas, foi uma simples sequência de fotografia. “Para compor os diferentes momentos do papel, uma foto que me marcou muito foi a de um combatente antes, durante e depois da guerra. É impressionante o que acontece com a fisionomia. Primeiramente vi um olho inocente e curioso, depois o rosto em estado de alerta e, por último, uma face completamente destruída, sem brilho”, lamentou.

Hugo Bonemer está fazendo parte, pela segunda vez, do espetáculo dos irmãos norte-americanos Joseph e David Zellnik. A peça foi vencedora de quatro categorias da 17º edição do Prêmio CENYM, como melhor musical, elenco, canção e cartaz. Além disso, faturou dois prêmios no Broadway World Brazil Awards como melhor direção musical e versão brasileira. “Quando o trabalho é muito premiado a equipe acaba ficando ainda mais confiante. Acho que este selo de qualidade também chega até nós, artistas”, comentou. A boa repercussão desta montagem acaba sendo muito positiva para a equipe que espera que este seja mais um motivo para fazer o público ir ao teatro. Principalmente, porque o enredo fala de temas muito atuais como preconceito, amor e guerra. “A importância para mim desta peça pode ser resumida em um acontecimento que vivi na primeira temporada. Ao final do espetáculo, um casal de idosos veio até mim e falou: ‘é engraçado que logo no começo a gente esqueceu que são dois rapazes, porque nos identificamos muito com a história’. A identificação universal desta trama acaba transformando um amor homoafetivo em qualquer outro tema. Não é um espetáculo que enfatiza a diferença”, salientou.

O espetáculo ganhou vários prêmios pelo Brasil (Foto: Bernardo Santos)

O projeto foi inteiramente feito através de financiamento coletivo, devido a dificuldade de conseguir patrocínio publico. “A gente está sobrevivendo. O teatro nunca vai acabar, ele sempre muda de combustível. Acho que esta é a forma que estamos encontrando de sobreviver a este momento. Mas esta não será a forma definitiva. Falta no Rio de Janeiro mais incentivo para a comunicação entre iniciativa privada e o artista. É viável e lucrativo para a empresa financiar os espetáculos, para proporcionar uma boa experiência para os seus clientes. O governo pode ajudar nisso através das leis de incentivo, por exemplo”, defendeu.

Depois do sucesso nas telinhas, Hugo Bonemer vem construindo, cada vez mais, uma carreira consolidada no ramo dos musicais. Encarando dois profundos e importantes protagonistas ao mesmo tempo, como Ayrton Senna e Stu. No entanto, ele não se considera um galã do gênero. “Ser o protagonista é ser o pião de um jogo de xadrez, é a primeira peça que se mexe em um jogo. O papel principal não é uma função, é uma ação que gera grande responsabilidade. O principal é que não se faz sozinho, dependo de toda a equipe para fazer dar certo. Mas acaba exercendo uma liderança dentro de um grupo e acaba determinando muitas coisas”, explicou.

Já tem toda a agenda definida para este ano (Foto: Bernardo Santos)

Os projetos não param por ai. Ainda este ano ele dublará a segunda temporada do desenho Trolls, estará na segunda temporada de A Vida Secreta dos Casais, vai apresentar um quadro de cinema em um canal novo da TV fechada, que ainda é segredo. A agenda está tão consolidada que já tem planos para o ano que vem, no qual voltará a atuar nas novelas da Globo. “Este é o primeiro ano da minha vida, como ator, que sei o que vou fazer o tempo todo. Ao mesmo tempo, tenho vontade de fazer outras funções como assistente de um monólogo e cenografia. Graças a Deus, acho que quer dizer que está dando certo”, comemorou. Sorte a nossa!

YANK! – O Musical

Teatro dos Quatro

Shopping da Gávea

Temporada: de 6 de março a 2 de maio

Terças e quartas às 20h

Tel: (21) 2239-1095

Classificação: 16 anos

Duração: 130 min

Valor do ingresso: R$ 60,00

Lotação: 402 lugares