*Por Brunna Condini
Filha de peixe, peixinho é? Sim, a expressão fala de semelhança entre progenitores e herdeiros, mas não exclui que cada filho tem sua essência, pode e deve buscar caminhos próprios, mesmo que sejam influenciados ou se misturem às biografias dos ‘peixes’ de onde vieram. Bom, metáforas à parte, é bem dentro desta ideia que Heloisa Périssé e as filhas, as também atrizes Luisa e Antônia (Tontom), vivenciam o modus operandi desse mini clã artístico que formam. Tontom, a mais nova, de 17 anos, estreou nos palcos cariocas com o espetáculo musical ‘Djavanear – Um Tanto Flor, Um Tanto Mar‘, que celebra a obra de Djavan sob um olhar feminino, e a pedido do site, topou bater um papo junto com a mãe sobre carreira, o seu fazer artístico e sonhos futuros. Heloisa também nos fala sobre a nova fase que está vivendo em sua trajetória profissional e sobre como vem ressignificando suas experiências dos últimos anos.
Heloisa revela o desejo de mudar de lado na carreira após 30 anos como atriz: “É um plano concreto. Tenho muitas ideias na cabeça. Daqui para frente quero escrever, sou uma ótima produtora, nem sei se sou uma boa diretora, mas também quero experimentar dirigir. Isso não quer dizer que deixarei de atuar quando der vontade, mas não vou priorizar mais a atriz. Quero colocar meus ‘bondes’, ‘táxis’, ‘aviões’ na rua…(risos). Quero falar mais sobre os assuntos que me habitam criativamente”.
Ela avalia ainda a relação com as filhas e a admiração que tem por vê-las se dedicando a construírem suas jornadas individuais. E a respeito de comparações que possam sofrer por sua parentalidade, diz: “Não tenho a menor preocupação com isso. Elas estão preparadas, as criei para lidarem com as adversidades da vida. Sou uma mãe protetora, mas nunca imbecilizei minhas filhas. Deixo até se darem uma ‘ferradinha’ muitas vezes para ver como se movimentam dentro da situação que precisam lidar. Sempre disse para as duas: ‘Não quero e não vou ser a protagonista da vida de vocês’. Óbvio que vou apoiá-las em tudo sempre, mas com um olhar de fora também. Dou minhas opiniões sinceras sobre tudo, mas do backstage, para se sentirem livres para seguirem suas próprias histórias”. E diverte-se ao observar:
Fiz duas filhas muito diferentes. E, apesar de nós três também sermos muito diferentes, somos muito complementares. Tenho admiração pelas minhas filhas como as pessoas que vêm se tornando. E, embora a Antônia tenha um jeito mais tímido do que a Luisa, por exemplo, é muito forte por outro lado. Já Luisa é um trio elétrico. Brinco que tenho filhas ao estilo Ivete Sangalo e João Gilberto (risos) – Heloisa Périssé
E arremata: “Luisa e Antônia são minhas filhas, mas têm assinaturas muito particulares, visivelmente. Claro que ‘beberam’ em mim, porque nasceram de mim, foram criadas nas minhas coxias, sou uma mãe lúdica e elas são fruto dessa criação, mas são extremamente autorais. É incrível vê-las crescendo, amadurecendo e encontrando seus lugares nesta existência, tornando-se independentes. Me dá muito a sensação de dever cumprido, de que já posso morrer em paz”.
Heloisa: versão criadora assume
Luisa é filha de Heloísa com Lug de Paula, e Tontom com o diretor Mauro Farias, com quem está casada desde 2002. Com Luisa, Lolô tem rodado o Brasil fazendo o espetáculo ‘D.P.A. A Peça 2 – Um Mistério em Magowood‘, e também tem planos de fazer algo com Tontom:
Quero dirigir minhas duas filhas e daqui a pouco já vou poder falar mais sobre isso. Tenho projetos pensados para as duas comigo, cada uma fazendo o que mais gosta – Heloisa Périssé
Com este plano ainda em curso, a atriz anuncia um novo projeto no Multishow. “Vou fazer o sitcom ‘Tem que Suar‘ com o Marcelo Serrado, um grande parceiro. É a segunda temporada do programa e entro nela. Faço uma ex-mulher dele bem mau caráter. Assumo a academia com ele, mas não sou nada confiável (risos). Tenho muitos projeto com o Serrado, que é um grande amigo. Acho que vai ser divertido. Começamos a gravar em abril”, conta.
Tontom interrompe e quer saber que sonhos a mãe ainda tem para realizar profissionalmente. Lolô responde:
Quero trabalhar com jovens que tenham a mesma energia que eu tinha quando cheguei da Bahia, batalhando a carreira, com amor pela arte. Pretendo fazer algo social com essas pessoas, dirigir um espetáculo. Já tenho um projeto com o José Júnior do AfroReggae. Eu previ a história dele sem saber nesse projeto e daqui a pouco vou poder falar mais disso também. Mas esse projeto vai ser um divisor de águas e não falo isso com soberba, mas foi algo de Deus, tinha que ser. Desejo me voltar para projetos mais sociais, transformadores. É um chamado na minha arte e na minha pessoa, quero a expansão para ser instrumento desse trabalho. Hoje, aos 57 anos, me sinto recomeçando. Renascemos o tempo todo – Heloisa Périssé
Fé e resiliência
Desde que atravessou um tratamento e se curou de um câncer nas glândulas salivares em 2020, Heloisa reconhece que a jornada com a doença a transformou profundamente. “Depois de uma experiência assim você vive o não controle, o não ter poder. Até porque isso é ilusório. Essa consciência me dá forças para domar meu ‘bicho’, fazer escolhas melhores, porque somos divinos e profanos. Dá mais autoconhecimento, traz para mim essa força, porque o universo está dentro de mim, a vida começa em mim e entender isso me deu muita potência”, divide a atriz que é cristã, mas diz não ter uma religião hoje. “Na verdade almejo ser cristã, porque o sarrafo é alto, estou nesta busca”.
E avalia: “Minha fé não nasceu nesta fase, ela se consolidou ali. É como uma passagem na Bíblia no Livro de Jó que diz: ‘Antes eu ouvia falar de você, hoje eu te conheço’. Foi exatamente isso que aconteceu comigo. Sou resiliente, faço o que preciso fazer, porque tenho na minha cabeça que Deus é bom, por mais que as coisas não se apresentem como quero, sejam difíceis, me tirem da zona de conforto, ali eu vejo ganho. Ou ganho ou aprendo com o que vivo. É um bom olhar, um otimismo, essa busca por esse ‘pão’ diário na minha vida. Quando você crê que tem a possibilidade de fazer essa escolha, é a sua porta aberta. Hoje oro apenas para que eu e minhas filhas estejamos no centro da vontade de Deus, onde a paz e o amor transcendem todo o entendimento”.
Com a palavra, Tontom
“Tenho todo apoio do mundo da minha mãe para eu estar onde eu quiser. Por acaso eu escolhi estar no teatro, assim como ela. Como já está na carreira há muito tempo, a maioria das pessoas já trabalhou ou a conhece de perto, então esse carinho se estende a mim. Todo mundo ama minha mãe, o que é maravilhoso. As pessoas me recebem muito bem. Acredito que tudo o que ela recebe em troca vem desse amor imenso pelo o que faz. Eu e minha irmã temos uma sede de trabalho desde cedo porque nunca vimos nossa mãe reclamar de trabalhar na vida. E ela sempre trabalhou feito uma louca, mas nunca se queixou, demonstrou infelicidade com isso. Então, para nós, o trabalho sempre foi um lugar bom, que queríamos estar, um espaço lúdico que nos atraia. É muito bom ter ela como mãe e seguir na mesma profissão”, elabora Tontom, que ainda aponta:
Nossa mãe sempre participou, amparou, mas nos fez nos virarmos na vida. É doce, carinhosa e presente, mas eu e minha irmã não somos duas mimadas na vida, que acham que o jogo está ganho. Sabemos bem que o caminho é nosso e que precisamos fazer a nossa parte. Somos consideradas nepo-babies porque somos filhas da nossa mãe, que é uma atriz reconhecida. Mas não ficamos nesse lugar de acharmos que não precisamos nos esforçar. Muito pelo contrário. Estamos sempre batalhando nossos caminhos e não querendo o título apenas de ‘filhas da ‘Heloisa Périssé’ para sempre – Tontom Périssé
Tontom, como quer se chamada daqui por diante, fala também da admiração que sente por Heloisa. “Ela tem um amor pela arte impressionante! É o tempo todo criando, pensando um projeto novo. Não fica de férias criativamente, não desliga. E o trabalho não é algo pesado para ela, é tão natural, livre”. Lolô ouve e acrescenta: “É isso mesmo, elas sempre me viram assim. É como naquela frase: “Descubra o que você ama e nunca mais terá que trabalhar”. Não sinto trabalho como obrigação, é muito prazeroso para mim”.
A filha comenta ainda sobre o assunto. “Sou muito nova, mas me cobro muito, então busco me inspirar nela para não perder essa liberdade criativa. Faz muita diferença não se prender às críticas ou ao que pensam do que você faz. Inventar sem amarras, experimentar sem tanto compromisso com os resultados é importante, é vital para o artista”. E Heloísa complementa mais uma vez: “É poder fazer merda (risos). Me dou essa permissão, sou muito livre mesmo e procuro compartilhar isso com as minhas filhas na vida e na arte”.
Heloisa Périssé faz questão de devolver a admiração pela filha mais nova. “Ela tem uma segurança absurda no que faz, é dela. Fica gigante num palco. É como contou aqui, na vida ela se cobra muito, é ‘chicote no lombo’, perfeccionista, extremamente dedicada. Tem um humor diferente do meu e da Luisa, é mais refinado, mais ‘inglês’. Antônia tem uma coisa de ‘rainha’, mas não porque se acha acima de ninguém, mas porque sabe servir, acolher a todos, é um olhar para a vida. Ao mesmo tempo que tem essa grandeza, sabe ir para a ‘linha de tiro’, sabe por a ‘mão na massa’ igual à mãe dela (risos)”.
Tontom vai mesmo ouvindo seus desejos intuições com firmeza. Acabou de gravar um EP, com cinco músicas autorais e previsão de lançamento neste ano, e também vai prestar vestibular para o curso de música, sua paixão. “Não sei se quero seguir na vida como atriz exatamente. Cheguei à conclusão que minha coisa mesmo é a música, então é à ela que quero me dedicar mais. Amo atuar, vou continuar fazendo aulas de teatro. Mas o que me preenche, muda minha energia, é a música”, afirma.
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