*Por João Ker
Nascido na década de 1970, o grafite consagrou a expressão da rua como arte e, atualmente, não ocupa apenas paredes e muros mas também invadiu as mais conceituadas galerias de arte do mundo, do MoMA (Museum of Modern Art) em Nova York ao MAM (Museu de Arte Moderna) no Rio de Janeiro. Por sinal, um dos nomes que vem se destacando com força total nos últimos anos pela cena carioca é Smael, codinome de Ismael Vagner Lima.
Smael começou sua transição das ruas para as galerias em 2003, quando tinha apenas 23 anos e, ao lado de Acme – um dos maiores expoentes do gênero – expôs na Galeria Haus de Arte Contemporânea, no Rio. De lá para cá, já passou pela Europa, teve suas exposições individuais por lá e por aqui e foi um dos artistas convidados para figurar nas telas do Domingão do Faustão. “Eu comecei a pintar aos 18 anos, em 1998, mas já frequentava um curso na escolinha da Mangueira do Futuro há um ano, com um professor que tinha domínio de spray e foi fundamental tanto para mim quanto para outros quatro artistas de rua que estão em atividade até hoje”, explica o grafiteiro, que começou seu contato com o desenho ao copiar personagens do Pato Donald e da Turma da Mônica.
Fotos: Divulgação
Nesses últimos 11 anos, Smael confessa que aprimorou tanto o seu traço quanto os materiais que utiliza como suporte, pintando telas, geladeiras e carros, mas nunca abandonando a rua. “Eu vou sempre para o muro, porque a rua é um grande laboratório, onde eu me sinto à vontade para experimentar e testar um traço novo. É uma dimensão diferente da tela, algo que eu faço para mim e não como uma encomenda como obra de arte. Outra coisa é que eu tenho a noção de o grafite ser uma arte efêmera. Ou seja, você pode acabar de pintar uma parede e duas horas depois vir um cara qualquer e passar tinta branca em cima de tudo”, explica o artista, que atualmente tem seu quadros adquiridos pelos maiores colecionadores do mundo. “Para mim, o grafite sempre vai existir. Ele é meu futebol de domingo, é a minha válvula de escape”, completa rindo.
Com mais de uma década no meio, o artista lembra de quando o grafite estava longe de ser encarado como cool e era mais visto como vandalismo e poluição visual. O próprio confessa que já viveu várias situações na rua, principalmente por ter começado cedo. “As pessoas não entendiam muito bem e, como não havia smartphone na época, era sempre bom ter uma pastinha com portfólio para poder meio que ‘evangelizar’ a pessoa”, lembra, contando que mesmo com esse cuidado já conseguiu se meter em algumas situações desagradáveis. “Já rolou de um cara passar dentro de um carro e tentar atirar na gente porque achou que estávamos pichando. Houve uma outra ocasião em que eu cheguei até a ser detido e levado à delegacia”. Entretanto, ele admite a culpa e explica a história que, com o passar do tempo, acabou se tornando uma memória divertida. “Um amigo alemão, que também é grafiteiro, me chamou para pintar um “murro” muito bom que ele tinha visto na Lapa – o lugar era todo podre, cheio de urina e lixo em volta. De repente, aparecem dois policiais dizendo que receberam uma ligação no disque-denúncia contra a gente. Quando eu dou a volta e chego na frente do prédio, eu me dei conta do que estava fazendo: ‘uau, nós estávamos pintando a lateral da Sala Cecília Meirelles [tradicional casa de concertos de música erudita]!'”, lembra.
Smael liberou o amigo gringo, resolveu o caso com a justiça e hoje diz que “é sempre bom manter um acordo pré-estabelecido com o dono da parede que você pretende pintar”, apesar de que, confessa, já não se mete mais em tantos problemas agora por ser adulto. Depois de tanta experiência, parece quase natural que o artista, em parceria com a esposa Luluta Alencar, tenha aberto o seu próprio espaço, a Galeria Paçoca, na Gávea. “Começamos a comprar e trocar algumas obras de arte, apenas como parte da nossa coleção. Fomos convidando alguns amigos para a nossa casa e então surgiu a ideia de abrir a Galeria, não necessariamente apenas com artistas de rua, mas com escultores, fotógrafos, pintores, artistas plásticos e pessoas que trabalhem em todos os outros tipos de plataforma”, comenta empolgado. Aberta em 2011, a Paçoca já recebeu em suas paredes a arte de pessoas como Kakau Hofke, Antonio Bokel, Peu Mello, Renan Cepeda e muitos outros amigos e conhecidos do circuito artístico carioca. “Foi um grande sucesso desde o início”, conta Smael, visivelmente feliz com o desenrolar do projeto. “Por ser uma galeria feita na nossa casa, é um ambiente acolhedor onde o visitante é bem recebido e não fica apenas naquela coisa de um quadrado branco na parede”.
Durante a Copa, Smael participou de uma ação com o restaurante Fat Radish na pop-up que eles criaram em Santa Teresa. O artista ajudou a fazer a curadoria de todas as obras que foram expostas no local e pintou, ao lado de Bruno Big e Marcio SWK, uma lona gigante (7m x 1,60m). A peça foi leiloada e parte da sua renda revertida para a ONG Gastromotiva. Com tantos anos pelas ruas e galerias do mundo, Smael ainda conserva a habilidade para descobrir o novo e se manter atualizado com o cenário artístico tanto do Brasil quanto do mundo. “Sempre tive esse feeling. Eu viajo muito para feiras de arte e sou muito curioso, então sempre sei o que está acontecendo. Ao mesmo tempo em que vejo coisa boa, vejo muito coisa ruim. Então é só filtrar. Por exemplo, na cena atual, eu admiro muito o trabalho de grafiteiros como o NeliO, o Gen Duarte e o Okuda e outros artistas como a Érica Ferrari, a japonesa Etsuko Ichikawa e o norte-americano Rick Begneaud“, aponta.
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