*Por Brunna Condini
Nossa segunda convidada da série “Gordofobia até quando?” é Alexandra Gurgel, a Xanda. Aos 29 anos, carioca, pisciana, jornalista e escritora best-seller, ela também é fundadora do @movimentocorpolivre, e fala sobre autoestima, amor próprio e gordofobia. A ideia é esclarecer, desconstruir e estimular as mulheres a aceitarem e viverem seus corpos. Além disso, ela tem exaltado em suas redes – o seu e o nosso – orgulho LGBT celebrado neste mês de junho. Ou seja, Alexandra sacode as estruturas e milita por um mundo melhor, mais liberto e plural. Ela é a cara da nossa série.
Depois de dez anos atuando no jornalismo, Alexandra decidiu empreender. Foi assim que criou seu canal no YouTube, o Alexandrismos. A carioca vive em São Paulo (e está de mudança para Brasília) e conta que iniciou seu processo de autoaceitação e empoderamento em 2015. De lá para cá, ela vem se tornando referência na discussão de temas que envolvem o feminismo, gordofobia, e o Body Positive – movimento nascido nos Estados Unidos, com o objetivo de que as mulheres desconstruam a ideia de “corpo perfeito” e amem seus corpos em sua diversidade.
Aqui vem um convite da Xanda – e nosso – para que você comece a olhar para o seu corpo com afeto, do jeito que ele é. Porque, segundo a escritora, “amar o próprio corpo é um ato revolucionário”. Também achamos. E começar uma jornada de autoamor pode levar tempo, uma dose extra de autogentileza, mas vale cada etapa.
Com a palavra, Alexandra Gurgel:
Eu sempre digo que para falar de gordofobia a gente precisa, antes, entender a pressão estética. Entender que a insatisfação corporal é um problema social que acontece com absolutamente todos os corpos, porque esse é um dos objetivos do nosso sistema patriarcal, machista e capitalista.
Tem um livro que eu tenho como minha bíblia: “O mito da beleza: Como imagens de beleza são usadas contra as mulheres“, publicado em 1990. Nele, a jornalista americana Naomi Wolf afirma que, após a revolução industrial, o culto à beleza da mulher começou a ser estimulado pelo patriarcado, atuando como mecanismo de controle social até os dias atuais. Ou seja: o patriarcado quer que a gente odeie nossa imagem, gaste todo nosso dinheiro com ela, e viva só para isso.
E o entendimento que trago desse assunto, mesclando com a visão do recorte Brasil, é como isso afeta diretamente a autoestima da mulher, a forma como ela se enxerga, lida consigo mesma e com os outros. Tem uma pesquisa de imagem corporal da MediaSmarts, uma organização com enfoque em estudos de mídia, que constatou que olhar revistas durante apenas 60 minutos reduz a autoestima em mais de 80% das mulheres.
Outra pesquisa de uma Universidade da Austrália, diz que basta 30 minutos rolando o feed do Instagram para que a sua autoestima seja abalada pelas imagens postadas na plataforma. A gente percebe que a insatisfação é quase que o estado de espírito normal do ser humano, e o que a indústria do corpo perfeito quer é que você se mantenha insatisfeita a todo momento.
Segundo o Dr. Aric Sigman, um cientista britânico, o fato de um número expressivo de mulheres admirarem corpos que são padrões de beleza e se sentirem insatisfeitas com os seus corpos tem um efeito imediato na química do cérebro, diminuindo a autoestima e podendo aumentar o auto-ódio, fazendo com que a pessoa queira mudar o seu corpo.
E o mercado acompanha isso. A indústria do corpo perfeito move milhões todos os anos, com novos shakes, dietas, remédios e todos os “milagres” para “ser bonita”. Fora promessas de transformações com cirurgias e procedimentos estéticos. O Brasil é o segundo no ranking de cirurgias plásticas e estéticas, perdendo apenas para os Estados Unidos.
Além disso, a imagem do corpo perfeito está sempre atrelada à saúde. E quando se fala de saúde, só se tem aquela imagem física de um corpo esbelto, definido. A saúde mental fica deixada de lado, sempre em segundo plano. Por que, na verdade, não é sobre saúde, é sobre imagem. Não é sobre um corpo nutrido, feliz e satisfeito, é sobre ser bonita sem pensar nas consequências que a busca por esse corpo perfeito pode gerar.
Não é à toa que o nome do meu livro é “Pare de se odiar: porque amar o próprio corpo é um ato revolucionário”, porque fomos ensinadas a odiar nossos corpos desde muito cedo. Quebrar isso é uma luta, uma desconstrução diária de uma construção entranhada na sociedade.
Um dado de uma pesquisa feita no Brasil em 2011 mostrou que 92% das mulheres estão insatisfeitas com a sua aparência. Outro dado de Dove global, também de 2011, mostrou que no mundo inteiro são 96% de mulheres insatisfeitas. É um problema global, sistêmico e urgente.
E digo urgente, porque tem gente que se mata por isso. Em 2011, uma criança irlandesa de 11 anos, que já demonstrava problemas de autoestima e com sua alimentação, se matou e escreveu com o próprio sangue na parede: “Garotas bonitas não comem”, a máxima da anorexia.
De acordo com uma fala da neuropsicóloga Merissa Forsyth, do Pretty Foundation, na Austrália, a insatisfação pode afetar a autoestima e os desempenhos psicossocial, físico e cognitivo. Isso tudo gera, por exemplo, pessoas apresentando quadros de anorexia, bulimia e compulsão alimentar. É exatamente o papo da busca do corpo perfeito sem pensar nas consequências. Nunca é sobre saúde.
É por isso que eu começo falando de pressão estética
Precisamos entender que existe um padrão de beleza que coloca muita, mas muita gente de fora do que é considerado “bonito”, “perfeito”, “ideal”. E em nenhum momento falei sobre pessoas gordas, até agora. Quando entendemos que a insatisfação com o corpo é um problema sistêmico e global, imagina a gordofobia? Gordofobia é algo além do “bullying” que pessoas gordas sofrem por serem fora do padrão. Gordofobia é preconceito contra a pessoa gorda, mas vai além de como os outros enxergam os gordos. Vai além da falta de afeto, de uma vida solitária – muitas vezes.
Quando falamos de gordofobia é o processo de desumanização de corpos gordos, tornando-os automaticamente seres estranhos, doentes e estereotipados. Sem nenhum tipo de representatividade (apenas quando se trata de perder peso), sem acesso, sem o direito de ir e vir. Se você não tem roupa, você nem considera sair de casa, não é mesmo? A pessoa gorda é marginalizada, tem a sociedade inteira dizendo para ela que ela é feia, menos, pior, tudo de ruim, doente, nada atraente… É como se tivesse um zíper no topo da cabeça da pessoa gorda para que ela abrisse e, de lá, saísse uma pessoa magra. Não é sobre isso. É sobre direitos que muitas pessoas têm e vivem, e pessoas gordas não. E imagine quando a pessoa é gorda e preta? E gorda, preta e transexual? É preciso entender os recortes também, e ainda estamos no começo de todo esse movimento.
Uma das principais lutas antigordofobia é tirar o estigma de doente de corpos gordos. A gente já sabe que nunca é sobre saúde. A gente sabe que é incômodo com corpos. “Mas não tem um limite?”. Claro. Excessos nunca são positivos, mas são casos isolados. Pessoas gordas não são aquelas que vocês assistem sofrendo nos realities shows de emagrecimento. Não somos apenas o que nos representam. Quando eu falo que falta representatividade é sobre isso: quando vemos a imagem de pessoas gordas é sempre no sofrimento, de forma pejorativa, a “coitada” que ninguém quer se parecer.
E temos uma galera gorda na internet mostrando que somos pessoas, seres humanos, conseguimos fazer as coisas, sabe? Infelizmente muita gente não cabe na estrutura da sociedade, e esse problema literalmente estrutural só se resolve com representatividade política. Digo que estamos na primeira onda de todo esse movimento sobre corpo, onde a luta antigordofobia se inclui fortemente e levanta a pauta.
Fiz uma lista com 10 pontos para evitar praticar a gordofobia:
1) Não ache que pessoas gordas são assim porque fazem “gordice”, comem demais e têm uma vida sedentária;
2) Não comente sobre o corpo dos outros;
3) Não ofereça ou compartilhe qualquer tipo de dieta, exercício ou solução emagrecedora caso não tenha sido solicitado. Não ache que só porque a pessoa é gorda que ela automaticamente está querendo perder peso;
4) Não use seu preconceito como desculpa de preocupação com a saúde quando o que incomoda é a aparência;
5) Não seja fiscal de prato alheio;
6) Não ache que pessoas gordas não podem ser saudáveis e não conseguem fazer coisas como dançar, transar, ter filhos, praticar yoga e correr uma maratona, por exemplo;
7) Evite expressões e palavras gordofóbicas;
8) Respeite a pessoa gorda (parece óbvio, mas né?);
9) Não trate pessoas gordas como doentes, fracassadas ou coitadas;
10) Não faça piadas com pessoas gordas. Gordofobia não é piada.
A vida da mulher se torna o corpo dela, a imagem dela, a tal chegada do corpo perfeito. Como se tivesse uma chegada, uma linha a ser cruzada. É exatamente isso que queremos quebrar quando se trata de Movimento Corpo Livre, que é um movimento que visa aceitação corporal para todos os corpos. Buscamos os mesmos direitos, respeito e merecimento que corpos socialmente aceitos recebem. Porém, é sobre todos os corpos. O movimento de aceitação despertou a urgência de reencontrar o verdadeiro valor humano por trás da aparência, tamanho e diversidade de corpos.
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