*Por Brunna Condini
Gordofobia não é piada. Disseminar fake news não é uma prática inofensiva. O criador de conteúdo e ativista Caio Revela, nosso convidado da série ‘Gordofobia, até quando?’, sentiu isso na pele. No último dia 5, Caio acordou tendo que desmentir a notícia falsa compartilhada por aí de que ele teria morrido em decorrência de problemas de saúde relacionados à obesidade. “Foi um ataque de ódio produzido por um grupo do Facebook. Mais uma fake news, que nós que militamos contra a gordofobia, sofremos. Mas desta vez foi cruel, foi muito sério. Abri meu celular de manhã, e vi todas as mensagens no Twitter, no Instagram, no Facebook. Mensagem da minha mãe, da minha família, amigos. Sofri muito ódio no Twitter, ainda estou sofrendo. Recebo muitos ataques. É o próprio esgoto. Não desejo isso para ninguém. A gente se sente muito exposto, vulnerável, triste, sabe? Não é como se eu fosse um inimigo, o (Jair) Bolsonaro, por exemplo. Estou falando sobre amor, aceitação, sobre a maneira como enxergo o meu corpo e isso foi importante para mim. Sobre luta, acessibilidade”, desabafa Caio.
E ele acrescenta: “Foi muito difícil dormir a acordar no dia seguinte com a notícia de que eu estaria morto, e que a causa dessa morte seria obesidade, e é justamente sobre essa luta que falamos na internet. Isso não impactou só a mim, mas à minha família, meus amigos. Minha mãe ficou muito nervosa, ela é hipertensa e ficou com a pressão alta. Fiquei mal de ver pessoas comemorando a minha morte. Muito triste, ainda mais em um momento em que o Brasil atingiu mais de cem mil mortes por Covid-19, em um momento tão delicado para a humanidade. É muita irresponsabilidade, falta de empatia. Não estou pedindo para ninguém achar o meu corpo bonito, só peço respeito”.
Aos 31 anos, Caio tem um canal no Youtube em que fala das suas experiências, da luta contra a gordofobia e levanta reflexões sobre o assunto. “Tem dois anos que produzo conteúdo sobre Body Positive e sobre gordoativismo na internet. E isso vem muito da minha relação com o meu corpo, da minha relação de empoderamento que vem sendo construída junto com os seguidores. É muito bom ver que as pessoas se identificam, se sentem representadas”, diz. “Se com os meus 13 anos, eu tivesse seguindo pessoas que dissessem que está tudo bem ter o corpo que você tem, talvez eu não tivesse passado por inúmeros processos muito violentos de dieta, tentando mudar o meu corpo. Acho que quando tiramos esse peso da gente, descobrimos muitas coisas. É um processo de autoconhecimento que não tem volta mesmo. Sempre penso o que teria sido se eu não tivesse perdido tanto tempo na vida tentando mudar o meu corpo, me encaixar. Não tem nada de errado comigo, pena que incomoda tanta gente ainda”.
Cansaço e resistência
Caio diz que já está tomando as medidas legais contra o grupo no Facebook que disseminou a notícia falsa. E comentou também o episódio de mais um tweet de Danilo Gentili com imagem dele e de sua amiga, a também ativista Alexandra Gurgel: “Gordofobia não é engraçado, não é mi mi mi, até quando a gente vai ter que explicar isso?”.
No post, Gentili mostra uma foto dos amigos e escreve: “Quando você abre o potão de sorvete”.
Alexandra lamentou, chorando, sobre os ataques que recebe na internet, e desabafou, no Instagram: “Estou exausta. Não tenho mais forças para receber tanto ódio, estou muito cansada. Eu também sou um ser humano e não aguento mais ficar recebendo mensagens de ódio. Quando isso acaba? É o tempo todo, como manter o astral lá em cima? Não fico mal assim porque não me amo e não me aceito. É porque é muita mensagem, é muita coisa em cima o tempo todo (…) Fico pensando: o que a pessoa quer com isso? Qual é o objetivo dela? O objetivo é jogar ódio? Não tem o menor respeito pelo ser humano. Não é só sobre esse post, é sobre tudo que eu recebo por mensagem, por e-mail, sobre ameaças. Eu estou cansa, preciso dar um tempinho daqui”, frisa.
A internet favorece um linchamento gordofóbico maior? “Não sei porque o corpo gordo gera tanto nojo, desconforto a ponto das pessoas serem gordofóbicas gratuitamente. E é muito louco ver que as pessoas não sentem nem vergonha disso, se sentem protegidas nesta redoma da internet, se acham na posição de juízes para julgar todo mundo. Acham que a internet é terra de ninguém, e o que aconteceu comigo só prova isso. Mas sou um ser humano e exijo respeito, nunca ataquei ninguém”, diz Caio.
O que é ser um aliado na luta antigordofobia? “É importante entender que é preciso que você compre o barulho da pessoa gorda que está ali. Que ouça uma vivência que é diferente da sua. E não é um escutar para ter algo para responder. É um escutar para absorver, para ter um entendimento desta experiência diferente. Quando uma pessoa gorda está falando o que passa, as questões de acessibilidade que enfrenta diariamente, por exemplo, não cabe à pessoa magra dizer que aquilo que ela está vivendo, sentindo, é mi mim mi, não é uma realidade. Lembre-se que o que você vive é diferente”.
E completa: “Mais importante do que comentar na foto de uma pessoa gorda é você realmente falar sobre gordofobia, compartilhar o conteúdo de pessoas gordas. É seguir pessoas gordas nas redes, porque representatividade importa muito. E mesmo que você não seja gordo, mas seja um aliado nesta luta antigordofobia é muito importante que você compartilhe essa mensagem, divulgue, fale sobre. Acho que todo mundo, sem exceção, tem alguma questão com o próprio corpo, tem alguma insegurança, passou por alguma coisa neste sentido, mas existe uma diferença entre pressão estética e gordofobia. Então, mesmo você se sentindo insegura, ainda passa na catraca do ônibus, cabe nas cadeiras dos lugares, consegue sentar na cadeira do avião. Você não tem o mundo te dizendo que você não cabe, que você deveria emagrecer para poder se encaixar. A questão de ser um aliado é isso. Já temos uma sociedade, os haters não validando a nossa luta. E é muito importante que as pessoas entendam que está tudo certo você ter o corpo que tem, e nunca, em nenhum conteúdo, eu incentivei as pessoas a engordarem. Não é sobre isso. Muita gente diz que é romantização da obesidade, mas não é sobre isso. E sobre você respeitar, amar o corpo que tem”.
O que diria para quem diz que “agora tudo é gordofobia”? “Na verdade, sempre foi. A diferença é que antes não falávamos por medo, vergonha, insegurança. Achávamos que tínhamos que emagrecer para resolver isso. Agora estamos aqui sinalizando o quanto precisamos falar sobre esse esteriótipo que pessoas gordas são preguiçosas, doentes, que não se cuidam. Tenho vários posts que falo sobre isso. Uma pessoa gorda pode ser alguém comum, como outra qualquer. Ser gordo não é demérito, só uma característica”.
Você comentou que muitas vezes parece que a luta não avança. Mas avança. Por que manter o que se conquista na luta contra a gordofobia é tão difícil? “As pessoas acham que a gordofobia é normal, que a pessoa gorda não vai se importar. E pior, tem gente que acha que falar uma coisa positiva para a pessoa gorda é incentivar ela a ser gorda. Então, para que eu vou falar que ela é linda? Se eu falar isso, ela não vai querer emagrecer. Então, vou humilhar. Chamamos isso de “humilhação corretiva”: você humilha até a pessoa “tomar vergonha na cara” e querer emagrecer. É muito importante a luta do gordodativismo. E é importante que os canais de comunicação falem sobre isso e não só quando tenha uma treta. Que abram realmente esse espaço para falar, para que as pessoas entendam que pessoas e corpos são plurais. Para que falar do corpo do outro, gerar insegurança? Para que fazer isso? Lembre-se que ninguém é melhor do que ninguém. É importante ocuparmos todos os espaços. Estamos cada vez mais fortes, as coisas estão mudando e ainda vão mudar mais”.
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