*Com Yuri Hildebrand
Enquanto Maria Bethânia comemorava seus 50 anos de carreira no Vivo Rio, a Fundição Progresso transformava-se no epicentro carioca do reggae, transbordando boas vibrações na noite deste sábado (10/1). Não é para menos: a programação inesquecível trouxe dois dos maiores nomes do gênero para o mesmo local. Um com todo o tradicionalismo brasileiro de quase 20 anos na estrada e o outro como um dos berços do gênero. Sim, a dobradinha Natiruts e The Wailers, grupo criado por Bob Marley na década de 1960, pintou os Arcos da Lapa e a Cidade Maravilhosa com as cores do rastafári.
Em épocas de pragas sociais e atentados violentos à humanidade, as vibrações tão comentadas e pregadas nas letras de Bob Marley trazem atitude, postura e credo que parecem faltar na contemporaneidade. A guerra, o genocídio, as mazelas sociais e outros problemas agravados hoje em dia eram duramente criticados pelo Rei do Reggae, mas sempre de forma suave e alegre como manda o manual do ritmo. “O que ele falaria vendo a situação do mundo hoje em dia? Cantaria ‘War’, com certeza.”, afirma Leonardo Amaral, que trabalha com transporte alternativo e foi curtir os shows deste fim de semana. Desde pequeno, ele e sua companheira, Flávia Lourenço, acompanham a música propagada por Marley; Natiruts – antes conhecido como Nativus –, Ponto de Equilibrio, Alpha Blondy e Planta e Raiz também figuram na playlist de favoritos do casal.
Com um púbico bastante diversificado, o sentimento geral era de paz, fruto da filosofia ministrada pelos dois grupos. Com a força que lhe é característica, o reggae uniu pessoas de diversos cantos do mundo. Yan Denko, suíço e estudante de Relações Internacionais na USP veio ao Rio de Janeiro a passeio, mas aproveitou para curtir o som icônico do Wailers. “Eu cresci ouvindo ska [gênero jamaicano], e com 14, 15 anos, comecei a curtir o reggae. Não sou Rastafari, mas acredito no que eles passam: amizade, paz e amor”, disse. Também presentes por lá, Rafaela Muzzy e Oscar Mariano falaram um pouco sobre a paixão pelo ritmo. “Curto o estilo desde os 10 anos. Com Ponto de Equilíbrio, Planta e Raiz, o próprio Natiruts e outros, fui conhecendo mais e o gosto foi crescendo. Sobre Bob Marley nem preciso falar, né?”, declara Oscar, que também palpitou sobre o que faria a lenda da reggae-music atualmente: “Tentaria mudar o mundo com música. Só ela consegue chegar nas pessoas a esse ponto.”
Após certo atraso exagerado, o Natiruts subiu ao palco para animar a grande massa que encheu a Fundição. Claro que, na hora, o calor, a espera e o horário ficaram para trás da apresentação. Muitas músicas conhecidas, como “Beija-Flor” e “Você me encantou demais” fizeram o público cantar junto e pôr o corpo em movimento. O ritmo mais dançante da música mundial trouxe um ar de tranquilidade para a casa. Celebrando o verão carioca, o vocalista Alexandre Carlo puxou “Dentro da Música II”, aumentando ainda mais a voz vinda da plateia. Na última quinta-feira (8/1), o grupo já havia gravado mais um “Luau Natiruts” em Salvador, contando com nomes como Ponto de Equilíbrio e Armandinho. Nesta noite, a banda de Brasília homenageou ambos com “Jah Jah me leve” e “Desenho de Deus”, respectivamente. Além da homenagem, também apareceram pela setlist nomes como Charlie Brown Jr., Paralamas do Sucesso e Planta e Raiz. Fechando o show, o hit “Liberdade Pra Dentro da Cabeça”, com a banda pregando respeito às lendas do reggae mundial.
Já passava das 3h quando Julian Marley subiu ao palco. Acompanhado do maior grupo de reggae da história, The Wailers, o quarto filho de Bob Marley começou sua apresentação com a melhor música possível: “Natural Mystic”, que abre um dos CDs mais famosos da banda, “Exodus”. A energia – que já estava nas alturas – voltou a explodir com o anúncio de um participante de luxo: Gilberto Gil, dono de uma releitura da obra de Bob Marley e seu amigo pessoal, subiu ao palco para cantar “No Woman No Cry”, em uma versão que mesclava português e inglês. Gil ainda falou com exclusividade ao HT, enaltecendo a imagem de Bob Marley: “Ele era um pacifista; lutava contra qualquer tipo de preconceito, segregação, apartheid… Se ele estivesse aí hoje, com certeza estaria lutando por uma sociedade mais justa, mais igualitária, como sempre lutou: através da música”. Após a participação ilustre do mestre da MPB, Julian Marley voltou a outros sucessos de seu pai como “Stir It Up”, “Rastaman Vibration” e “Roots Rock Reggae”, fechando com a clássica “Get Up, Stand Up”.
Pode soar um pouco romântico, mas certamente as boas vibrações da Fundição reverberaram pela Lapa e pelo Rio de Janeiro. As mensagens de paz propagadas por Bob Marley através de seu filho, Julian, e pela voz de Alexandre Carlo, do Natiruts, são apenas algumas das diversas outras que fazem e consomem o reggae no mundo. Seja você rastafari ou um simples adorador da música, a filosofia transmitida pela cultura e pelo ritmo jamaicano constrói um ser humano com mais leveza, tranquilidade e compaixão. Em tempos de guerra, terrorismo e extremismo, nada melhor que uma mensagem de paz com o aval de Gilberto Gil para lembrar que ainda existem aspectos positivos na vida.
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