Galerista paulista investe em fotos da turma que quer censurar biografias, como Gil, Caetano e Chico


Carla Meira vende, a preços salgados, fotografias desses artistas, produzidas muito antes da polêmica sobre o direito dos biografados de interferir previamente na publicação de obras

Continua dando o que falar a polêmica sobre o direito de censurar e intervir sobre a produção de biografias, um pleito de artistas consagrados como Caetano Veloso, Gilberto Gil e Chico Buarque – que pertencem ao grupo Procure Saber, que pretende ter acesso prévio a qualquer produção biográfica sobre suas pessoas, para autorizar ou vetar o material. Neste domingo, o músico e apresentador João Gordo, em entrevista concedida à Marília Gabriela no ‘De frente para Gabi’, no SBT, afirmou que é contra qualquer espécie de censura, que é pai de família, que mesmo tendo sido viciado em drogas nada tem a esconder sobre sua vida e que os biógrafos devem ter total liberdade para escrever sobre o que bem entenderem. “Do que os caras têm medo que não podem falar?”, indagou o músico e apresentador. Enquanto isso, alheia a todo este tititi, Carla Meira, proprietária da Imã Fotografia, galeria paulista especializada em fotografias artísticas, comercializa fotos numeradas do respeitado Walter Firmo, como os cliques que ele fez dos quatro baianos na época do desbunde – Gal Costa, Gil, Caetano e Maria Bethânia –  e de Chico Buarque, todas chegando a custar a bagatela de R$ 12.000,00, a impressão.

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Foto: Reprodução da obra de Walter Firmo

Fomos conferir o trabalho e ficamos extasiados com a qualidade das imagens. Os baianos, por exemplo, foram clicados no auge da juventude e da alegria, em plenos anos setenta, uma década antes de Caetano e Gil se casarem com respeitadas senhoras que se tornaram empresárias ferrenhas (e implacáveis) de sua obra. Como se sabe, a segunda fornada de matrimônios fez muito bem ao bolso dos moços, pois tanto Paula Lavigne quanto Flora Gil, respectivamente, se revelaram excelentes administradoras das carreiras dos maridos, pondo suas vidas financeiras nos trinques e inserindo a gravata no guarda-roupa dos rapazes. A obra de Walter Firmo é anterior a este período, e mostra os dois, mais Bethânia e Gal, colegando em fila indiana, agarradinhos tipo almôndegas, um primor! Assim como também é a foto que flagra Chico Buarque exercitando sua outra paixão, o futebol, com direito a camisa de time e todo suadão em uma partida, com um sorriso anterior à atual fase lacônica das temporadas em Paris. Carla, que tem a galeria de fotos há doze anos e representa mais de 80 fotógrafos, toca o negócio com o marido, Egberto Moreira, também profissional das câmeras. Mas, será que os artistas, se vissem essas imagens, topariam sua veiculação ou diriam que elas não são adequadas ao perfil que atualmente pretendem passar de suas pessoas ao grande público?

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Foto: Reprodução da obra de Walter Firmo

Em depoimento para a gente, ela falou que não está preocupada com essa questão dos direitos autorais porque Walter Firmo clicou os artistas décadas antes de surgir esta polêmica e que ele possui autorizações da turma para veicular e comercializar o material. “Estamos todos calçados para que não haja nenhum problema jurídico e, quando a foto de nosso agenciado retrata alguma personalidade, conhecida ou não, pedimos para conferir se o autor possui o direito”, revela.

As unidades são reproduzidas em papel fotográfico pelo sistema mecânico tradicional, com ampliador e anterior aos processos de impressão digital, uma raridade hoje em dia, época em que a fotografia digital, o Instagram e as parafernálias como câmeras de celulares alcançaram popularidade maior que Pelé. Portanto, o material da Imã é um achado. Mas a galeria também reproduz imagens através de processos digitais, com ampliações feitas em papeis fine arts sofisticados e até em backlights. Mas, quem não pretende (ou não tem cacife) desembolsar 12 mil por um pedaço de papel autoral, pode adquirir a obra de outros artistas menos cotados que o incensado Firmo, mas igualmente bons. As fotos clicadas por Rudi Böhm no set de Serra Pelada, a última produção cinematográfica do diretor Heitor Dhalia, estrelada por Wagner Moura e Juliano Cazarré, saem uma pechincha: R$ 1,5 mil. Böhm, que antes de enveredar pelo mundo da fotografia foi um dos programadores visuais da equipe de Hans Donner no departamento de aberturas e vinhetas da TV Globo, aplica todo o seu repertório de designer no trabalho, interferindo graficamente nas fotos em um belíssimo resultado, que deve agradar em cheio aos modernos que procuram novidades para decorar suas paredes e fazer firula com os amigos. A série que o fotógrafo fez no backstage da filmagem, por exemplo, é digna de fazer Man Ray, um dos pioneiros da fotografia produzida, dançar sapateado irlandês de emoção. Elas puxam pelas tonalidades avermelhadas, remetendo ao barro dos garimpos. Mas, claro, essa lama existente em Serra Pelada é fichinha perto da outra que ameaça o direto de livre expressão e o exercício sério do jornalismo biográfico.

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Foto: Reprodução da obra de Rudi Böhm