Rafael Canedo é um desses atores que têm a vantagem de surgirem do teatro e chegarem à TV com a experiência e o talento dos palcos. Nesse caso, o rapaz é formado pela conceituada Escola de Teatro Martins Pena e fez sua estreia nas telinhas pelo programa “Pé na Cova”, humorístico global assinado por Miguel Falabella, no qual ele vive a versão mais jovem do autor.
Além de ser o convidado da coluna Festolipan dessa semana, Rafael também está em cartaz com a peça “O Olho Azul da Falecida”, no Teatro Maison de France, onde contracena com Tuca Andrada, Mário Borges e Helder Agostini, sob a direção de Sidnei Cruz. Na peça, uma comé
dia carregada com o humor satírico dos britânicos, ele vive Harold, um jovem sem escrúpulos que tem um caso com o motorista da família.
Em entrevista ao HT, Rafael fala sobre sua relação com os palcos, os primeiros sintomas da fama, como o teatro precisa ser mais valorizado no Brasil e o fato de estar interpretando um personagem homossexual. Esse bate-papo exclusivo você lê abaixo:
HT: O que te atraiu nessa peça e nesse personagem específico?
RC: O Edmundo [Lippi, diretor de produção] me convidou. Eu tinha acabado de trabalhar com ele em outros dois espetáculos – “Fazendo História”, uma comédia inglesa; e “O Auto da Compadecida” -, então, no princípio, fiquei tenso de emendar uma terceira comédia nos palcos. Mas esse texto é de uma inteligência e humor ácido/sádico interessantíssimo que expõe a loucura que vivemos diariamente. Tudo faz parte de uma realidade, na qual nós nos reconhecemos, e isso me deixou completamente instigado. Fora o elenco, com Mário Borges, Helder Agostini, Gláucia Rodrigues…
Meu personagem é Harold e a peça se passa no velório da minha madrasta. Eu interpreto um adolescente de 18 anos, que quer aproveitar tudo o que a vida tem. Claro que, para isso, ele precisa de dinheiro, então começa a assaltar bancos e viver totalmente fora da linha social. O plano principal dele é realizar esse roubo, fugir com o amante, um motorista de funerária, e os dois viverem fora dos padrões morais da sociedade. Mas, ele tem um resquício da educação dada pelo pai e um problema: não consegue mentir. Para um assaltante, isso dá vários problemas, então ele entrega aos poucos o crime que é descoberto.
HT: Qual o desafio de interpretar um personagem homossexual em um país com tanto preconceito assim?
RC: Eu, como ator, não tenho problema nenhum. É um tema que precisamos levar para o teatro, mas esse caso é en passeant, não é algo discutido. Até porque eles não têm sexualidade definida, gostam de homens, mulheres, travestis e tudo o que têm direito (risos). Para mim, como ator, é maravilhoso. No Brasil, nós não discutimos a homossexualidade como deveríamos.
HT: Você disse que seu personagem não consegue mentir. Qual a sua relação com a mentira: perdoa ou acha algo indiscutível?
RC: É impossível não existir mentiras, por melhor que seja o caráter da pessoa. Mentiras pequenas acontecem, tipo o “tô saindo”, quando você ainda está chegando em casa. Existem essas cotidianas, que não fazem mal a ninguém, e existe o mau caráter, que mente para prejudicar. Essas são inaceitáveis. Como as dos governantes, por exemplo.
HT: Como você se sentiu com sua estreia na TV? Foi tranquilo?
RC: A televisão é uma comunicação diferente do teatro e existe um período de adaptação. É algo simples, que envolve muito mais técnica do que interpretação. Para quem vem do teatro, existe uma certa dificuldade de se colocar em frente à câmera. Mas, no geral, é uma delícia, e no “Pé na cova” eu tive uma recepção bacana do Miguel e da Cininha [de Paula, diretora do programa]. Tudo foi muito prazeroso.
HT: Você se incomoda em pensar que, à medida que for fazendo mais sucesso, sua privacidade corre o risco de ser invadida?
RC: Tento não me preocupar muito com isso. Existem dois aspectos diferentes disso: o primeiro é ser uma pessoa pública e as pessoas te reconhecerem pelo seu trabalho – isso é uma delícia, é a melhor forma de saber que você está sendo reconhecido e quero mais que venham falar comigo mesmo. Faz parte do nosso trabalho. Agora, um tipo de exposição pela qual ainda não passei é o sentido de transformar os atores em celebridades. Nós somos apenas pessoas que trabalhamos e ganhamos a vida de uma forma onde nossa imagem se torna mais reconhecida. Mas, isso não dá o direito a ninguém de transformar outra pessoa em uma celebridade para saber de tudo sobre a vida dela. No aspecto profissional, o público tem todo o direito de saber o que acontece. Agora, minha vida pessoal só cabe a mim e à minha família, é algo meu.
HT: Você veio da Escola de Teatro Martins Pena, uma das mais tradicionais do Rio d e Janeiro e que recentemente está passando por sérios problemas de verba e infraestrutura, correndo o risco de fechar as portas. Como vê o atual estado do teatro no Brasil?
RC: Isso é uma profunda tristeza para mim. A Martins Pena é a escola de teatro mais antiga da América Latina, tem mais de 100 anos. Os professores são as melhores referências na área. É de lá que eu vim, é quem eu sou, foi aquilo que me deu a formação necessária para a minha profissão e eu tenho certeza que as pessoas se lembram de mim como um ator de lá. Agora, a escola sempre teve problemas de estrutura, que vieram melhorando com o tempo, mas agora se encontram em situação precária. Acredito que as pessoas precisam ficar sabendo que a escola vai fechar por falta de verba e incentivo do governo. A arte é fundamental para o futuro, para refletir sobre o momento atual da sociedade, para dar esperança à população. Se nós queremos ter outros artistas no futuro, precisamos valorizar a fábrica deles: é de lá que saiu gente como a Denise Fraga e o José Wilker, por exemplo.
HT: Se você pudesse ter feito qualquer papel no cinema ou no teatro, qual seria?
RC: Adoraria ter feito o filme “Praia do Futuro”.
HT: Com qual ator gostaria de trabalhar?
RC: Wagner Moura (risos).
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