*Por João Ker e Júnior de Paula
“Felizes para Sempre?”, a nova minissérie da TV Globo que estreou nesta segunda-feira (26/1), já começa a ser um desafio pelo título. O ponto de interrogação no fim da frase deixa os apresentadores dos telejornais – em especial os do Jornal da Globo – em maus lençóis, tendo que fazer a entonação correta da pergunta sem parecerem ridículos.
Este é apenas um simples detalhe, mas que diz muito em relação à concepção da série escrita por Euclydes Marinho e dirigida por Fernando Meirelles, com a ajuda de sua produtora, 02 Filmes. Tudo no programa está no ponto certo: o grupo compacto e espetacular de atores – que inclui Adriana Esteves, Maria Fernanda Cândido, Paolla Oliveira, Enrique Diaz e João Miguel, entre outros gênios da arte de interpretar -, a fotografia que transita entre o asséptico e o quente, a inserção da tecnologia na vida dos personagens e até a trilha sonora, que já começa por Alice Caymmi, e toda sua força da natureza, indo até o tecnobrega de Gaby Amarantos.
Os planos arrebatadores da imensidão e grandiosidade da arquitetura de Brasília – a maioria dos takes filmados com drones – se contrapõem à câmera voyeurística. Um bom exemplo é a linda cena em que Marília (Maria Fernanda Cândido) e seu marido, Claudio (Enrique Diaz), contratam uma garota de programa deluxe – interpretada por uma nunca tão linda Paolla Oliveira – para um ménage à trois, na tentativa de esquentar a relação que vem dando sinais de esgotamento (pelo menos na cama).
Claudio é o dono de uma empreiteira que tem uma proximidade, se não ilegal, pelo menos imoral, com o governo – vida real? -, onde coloca membros de sua família para mergulhar na lama com ele. O texto de Euclydes tem foco nas relações íntimas dos casais da trama que vivem as inquietações de qualquer matrimônio: falta de apetite sexual, jogos de interesse, traições e mentiras, trazendo o comportamento humano para o centro do holofote.
Talvez sem querer, mas provavelmente com essa intenção descarada, a Globo está colocando na berlinda o tão discutindo assunto da monogamia e suas falhas no mundo atual, onde o fast-sexo está disponível a um clique de distância, com aplicativos e sites voltados para o tema se proliferando assombrosamente. A onda do “amor livre” é vista como pecado pelos mais conservadores – que formam o grande público da emissora – e, por isso mesmo, chega a ser irônico, mas completamente certeiro, o toque humano que o roteiro dá ao desejo e à traição, mostrando que até entre os casais mais tradicionais e antigos – como é o caso dos personagens vividos por Selma Egrei e Perfeito Fortuna – ele está presente.
Os episódios são permeados com perguntas provocadoras que não aparecem apenas no título: “Onde colocar o desejo?”, “Qualquer amor vale a pena?”, “Adianta negar?” e por aí vai. Colocando o dedo na ferida e expondo-a como um problema generalizado e não apenas “da juventude perdida e depravada”, a Globo sai da sua zona de conforto – como raramente o fazia – e ataca a hipocrisia de quem nega a sexualidade, mais de forma romântica e emocionalmente complexa do que como algo vulgar e simplesmente carnal. E é aí que entra o segundo aspecto socialmente crítico da série que precisa ser observado com atenção: o feminismo velado.
A princípio, todas as personagens femininas de “Felizes Para Sempre?” parecem ser o arquétipo perfeito da esposa fiel e apaixonada, dona de casa conformada e intratável. Mas, como uma cebola que vai abrindo-se em camadas, cada uma delas clama para si não apenas uma independência de seus respectivos maridos, como uma liberação sexual sem culpas ou julgamentos. Marília, por exemplo, é ora considerada “vulgar”, ora “travada”, mas, mesmo assim, consegue dar voz ao seu desejo e exigir mudanças na cama. Tânia (Adriana Esteves), não hesita em colocar sua carreira antes do casamento (ou até da moral) e não tem nenhum pudor em negar o sexo matrimonial (mesmo que ela se sinta obrigada a fazê-lo na maior parte do tempo). Norma (Selma Egrei) mostra que uma matriarca não precisa assassinar seu tesão e não só aceita como declara a atração por um cara mais novo. Isso sem falar em Susana, vivida por uma intensa e excelente Carol Abras, que vai na contramão da ideia de que o casamento é a melhor coisa que pode acontecer com uma mulher e abandona tudo para ir atrás do seu novo caso, sem ganhar uma ruga sequer de preocupação quanto ao sexo com seu já anunciado ex-marido.
Ainda é um mistério como os coxinhas de plantão não armaram uma caminhada de 20 pessoas para interromper a exibição da minissérie, alegando que ela fere e destrói a tão louvada “instituição família”. Mas a produção de Fernando Meirelles provavelmente continuará assim: cutucando a casa de marimbondos e esperando picar todos os telespectadores com perguntas para as quais eles não estavam prontos para encarar nem dentro de suas próprias cabeças.
Apesar de em alguns momentos os diálogos serem um tanto quanto fora do tom que o naturalismo da série pede, eles, ainda assim, funcionam bem como ponto de convergência de todas as questões que transitam entre a esfera pública e privada dos personagens. É quase como um Big Brother dos poderosos, com a vantagem de que não há ninguém embaixo do edredom, onde tudo é visto do jeito que deve ser visto – inclusive suas crises psicológicas.
Por isso, aliás, a série vem chamando a atenção do grande público: muito menos por sua inegável qualidade técnica e mais pelos predicados físicos dos atores. Triste constatação, mas, no Twitter, por exemplo, a noite de terça-feira foi dominada por uma única cena: Paolla Oliveira em uma mini lingerie caminhando contra a luz em direção à varanda do hotel onde vai realizar seu programa com Claudio. Só se falou, portanto, do bumbum de Paolla, que a essa altura já deve ter sido tombado como patrimônio nacional.
Ainda temos muitos capítulos pela frente e, certamente, muitas imagens lindas ainda irão se formar nas nossas telas ao fim dos capítulos que se encerram com outras perguntas, indo muito além do título da série. As respostas? Talvez nunca tenhamos, mas as questões precisam continuar sendo levantadas. “Felizes Para Sempre?” já é uma vitória para a tevê e para a sociedade geral, por atingir em cheio as falhas e características humanas, sem medo ou julgamento prévio.
Artigos relacionados